Transição denuncia assédio na Casa de Rui Barbosa

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Foto: Pedro Teixeira/O Globo

Na última quarta-feira, o secretário de Cultura de Jair Bolsonaro, André Porciuncula, demitiu a presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, Letícia Dornelles.

Dias antes, ela havia recebido a equipe de transição de Lula – e, segundo o colunista Lauro Jardim, entregou um dossiê contra o antecessor e aliado de Porciuncula, Mário Frias.

Letícia Dornelles diz que demissão é fruto de perseguição política. “Recebi ameaças de Mario Frias, veladas, por terceiros. Eu trabalho, e talvez incomode por produzir Cultura”, afirmou ela ao GLOBO.

O conjunto de documentos obtidos pela equipe de Lula, que também teria se reunido com o setor de arquivo da fundação, mostra que Letícia não é a única a acusar Frias e seus aliados de assédio. Os papéis reunem relatos de uma rotina de intimidação promovida por um aliado de Frias na Fundação Casa de Rui Barbosa.

No material, há um processo aberto pela Controladoria Geral da União (CGU) a partir de uma investigação interna da própria fundação, em que funcionários relatam o assédio moral cometido por Carlos Fernando Rabello. Rabello atuou como diretor-executivo desde 2020 e se tornou presidente-substituto após a exoneração de Letícia.

Os documentos também sugerem que Frias sabia do que se passava na Casa Rui Barbosa. Ao tomar conhecimento do inquérito da CGU, a Secretaria de Cultura deu início aos procedimentos para a exoneração de Rabello. Mas, em seguida, o próprio Mario Frias mudou de atitude e decidiu blindá-lo, assinando sua transferência para a presidência da Biblioteca Nacional.

A nomeação acabou sustada pela Casa Civil em função do inquérito da CGU, a pedido do presidente Jair Bolsonaro.

Militar da Marinha e homem de confiança de Frias, Rabello foi indicado para o cargo pelo ministro Luiz Eduardo Ramos, segundo apurou a equipe da coluna. Ele é o protagonista da investigação da CGU, que apesar de ter sido aberta, há um ano, a partir de uma apuração interna da própria fundação, até hoje não foi concluída.

Segundo os relatos encaminhados à CGU, Rabello teria humilhado funcionários, especialmente terceirizados, em voz alta e diante de outros colegas. Referia-se a alguns deles, inclusive, como “serviçais”.

O ex-diretor do Centro de Memória da Informação da Fundação, Mauro Rosa, afirma ter presenciado o militar destratar um servidor com 30 anos de casa por não se recordar da ordem exata de oito solicitações que teriam sido repassadas na semana anterior.

Neste episódio, o diretor-executivo teria cantado uma música do programa de Raul Gil que dizia “O Raul perguntou, você não acertou, pegue seu banquinho e saia de mansinho” para ridicularizá-lo diante de Rosa.

Um dos trabalhadores chegou a ser medicado em uma unidade de saúde ao sofrer um pico de pressão após testemunhar uma situação em que Rabello constrangia um colega.

Denúncias anônimas formalizadas junto ao governo federal e que constam do material indicam, ainda, que o militar perseguiu um funcionário negro e gay que chegou a pedir afastamento das funções por conta do que chamou de “ambiente tóxico”.

Em uma das ocasiões, segundo os relatos, chegou a chamá-lo de “preguiçoso” para, na sequência, dizer que na fundação não havia “bolsa esmola ou bolsa favela” para “favelado”.

Rabello também teria debochando do trabalho do servidor ao usar um termo homofóbico e declarar que ele só comparecia à fundação para regar uma “samambaia de plástico”, além de apelidá-lo jocosamente de “Vera Verão”.

Em outro episódio descrito nos documentos, um funcionário negro relatou ter sido chamado para uma sala reservada junto de um colega branco. Rabello, então, teria dito ao trabalhador negro que não gostava dele. Em seguida, teria dito ao funcionário branco que dele, gostava e confiava.

Depois das denúncias, a corregedoria interna da própria fundação, liderada por Jansen Gonzales, ouviu os funcionários, reuniu documentos e compilou tudo em um processo encaminhado à CGU.

No entanto, ex-diretores e funcionários que fizeram as denúncias afirmam que nunca foram ouvidos pela CGU. Procurada para detalhar o andamento da apuração aberta em 2021, a CGU não respondeu até o fechamento desta reportagem.

Depois que Mario Frias se licenciou da secretaria de Cultura para disputar uma vaga de deputado nas eleições de outubro deste ano, na qual ele foi eleito pelo PL de São Paulo, assumiu em seu lugar seu adjunto, Hélio Ferraz, exonerado no início deste mês. Ele foi substituído por André Porciuncula (PL-BA), que também tentou uma vaga na Câmara, mas não teve êxito.

Porciuncula manteve tudo como estava e, com a exoneração de Letícia Dornelles, Rabello assumiu naturalmente como presidente interino da Fundação.

Ele deve ficar no cargo até a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, quando a futura ministra da Cultura, Margareth Menezes, deve reestruturar as fundações ligadas à pasta.

O Globo