As muitas faces dos algozes de Dilma

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Eduardo Guimarães

Dentre todos os problemas desta grande nação, a hipocrisia, que a tantos infecta, provavelmente é o maior. Costumo dizer que a hipocrisia brasileira é tão densa que, às vezes, parece ser possível segurá-la entre as mãos. Se o Brasil não acabar com a hipocrisia, ela acaba com ele.

Veja bem, leitor, a celeuma que a mídia corporativa está fazendo porque Lula chamou golpe de… GOLPE! Cinco letras que parecem insuficientes para nomear a ilegalidade atroz da defenestração de uma mulher honesta, competente e dotada de uma coragem quase sobrenatural.

A entrevista de Lula por Natuza Nery, nas Globos, ou a entrevista de Janja, na mesma emissora, denunciando o vandalismo presidencial de Jair Bolsonaro e família no Palácio da Alvorada marcariam uma nova etapa na política brasileira, a de uma Globo “progressista”.

Na semana que finda, o colunista de TV do UOL, Ricardo Feltrin, informou que jornalistas de três emissoras abertas e fechadas (Band, BandNews e CNN Brasil) afirmam ser “evidente que Lula já escolheu” que emissora será sua porta voz: o Grupo Globo.

Todavia, o caradurismo dessa empresa e de outras ao dizerem que o processo de afastamento de Dilma foi legal mostra quanto estamos longe disso. A mídia não pode assumir que semeou o caos bolsonarista.

É inegável que, com a mídia colhendo os frutos de seus próprios atos, representados pelas agressões diuturnas de Bolsonaro à imprensa corporativa, a qual tentava cobrar dele explicações sobre seus desvarios, em uma das raras vezes em que esteve do lado certo da história desde o alvorecer da República, essa mesma imprensa entendeu o quanto errou ao travar uma guerra insana e covarde contra Lula, Dilma, o PT e as esquerdas em geral.

Daí uma aparente conversão ao “lulismo” até pela Globo, ameaçada pela eventual reeleição de Bolsonaro, que lhe fez dezenas de ameaças ao longo dos últimos quatro anos.

Mas bastou Lula repor na mesa fatos que jamais poderão ser esquecidos para que a mídia corporativa surtasse diante da verdade de que o impeachment que ela e tantos outros semearam foi um golpe.

Mas já que queremos repor fatos históricos, como o de que o impeachment foi golpe, lembremo-nos de como chegamos a isso. Tudo começou em junho de 2013, quando o Movimento Passe Livre colocou nas ruas um protesto contra o aumento de vinte centavos nas tarifas de ônibus da capital paulista.

Para não cansar (muito) o leitor, basta lembrar que a avaliação positiva do governo Dilma caiu 27 pontos em três semanas de junho de 2013. Pesquisa Datafolha daquele mês revelou que 30% dos brasileiros passaram a considerar a gestão dela ótima ou boa ante 57% na primeira semana daquele mês.

Naquele fatídico mês, porém, a extrema-direita saiu do armário em que se encastelou ao fim da ditadura militar. O site de esquerda “Brasil de Fato” publicou, em 18 de abril de 2021, a reportagem “Impeachment 5 anos: a relação entre junho de 2013 e a ascensão da extrema-direita – Como a extrema-direita se apropriou de manifestações legítimas contra o aumento do ônibus e feriu a democracia”.

O que facilitou essa apropriação daquelas manifestações pela extrema-direita foi o mesmo fator que causou a hiper queda de popularidade de Dilma naquele fatídico mês de junho: além de Fernando Haddad, Dilma, Lula e o PT perderam apoio graças à ideia de protestar contra vinte centavos de aumento nas tarifas de ônibus.

Ali, Dilma começou a cair e o PT a perder apoio. No ano seguinte, os mesmos grupos decidiram que não ia ter Copa do Mundo. E não teve, apesar de ter tido. O 7 a 1 no gramado do Itaquerão também ocorreu para os petistas.

Dilma disputou a própria reeleição sitiada pela esquerda e pela direita ao ser acusada pelo custo dos Estádios da Copa. E quase perdeu a eleição. Ao assumir, em 1o de janeiro de 2015, seu destino estava traçado.

Quando a esquerda percebeu que iam utilizar todo capital anti-Dilma acumulado desde 2013, era tarde. A extrema-direita bolsonarista havia renascido dois anos antes e não estava de brincadeira. Em 2016, enquanto a PM sufocava nossos brados de “não vai ter golpe” com suas bombas de gás lacrimogêneo, o impeachment caminhava tranquilamente para o desfecho final.

A mídia que agora surta com a fala de Lula sobre o impeachment ter sido golpe é a mesma que convocava manifestantes a protestar contra a presidenta enquanto dizia que Dilma estava caindo devido à perda de confiança da classe política, uma “razão” que nem passa perto da LEI Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950 – a Lei do Impeachment.

Nada, ali, autoriza derrubar um presidente por “perda de confiança” do Legislativo. Isso só existe no parlamentarismo e estamos em um regime presidencialista.

Claro, existe menção indireta, na Lei do impeachment, às tais “pedaladas fiscais”, mas auditoria dos técnicos do TCU garantiu que Dilma não foi responsável pela tomada de empréstimos em bancos públicos para pagar aposentadorias e Bolsa Família. Dilma não pedalou, mas foi derrubada sob essa alegação falsária…

Se isso não é golpe, o que é um golpe? É claro que foi golpe. Um golpe que envergonha todos os que dele participaram, de uma forma ou de outra, e que não querem assumir suas responsabilidades. Mas a mídia corporativa é a mais cara-de-pau devido à sua “coragem” de negar o golpe.

Redação