Bolsonarista do governo de SP pula fora do bolsonarismo

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Foto: Rogério Cassimiro/Governo do Estado de SP

Dois dias após a invasão das sedes dos três Poderes por apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, adota uma distância estratégica do bolsonarismo do qual fazia parte até pouco tempo atrás.

Em entrevista ao GLOBO, Capitão Derrite, como é conhecido, disse que sua gestão evitará “confronto” nas ações policiais e admitiu que se arrepende de uma de suas frases mais marcantes: um policial bom precisa de pelo menos três homicídios no currículo.

O secretário, que chegou a dizer que entendia “o sentimento” de bolsonaristas radicais contrários ao retorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirma agora que não aceitará, em São Paulo, atos contra os “limites da lei”. E justificou a ausência de prisões na desmobilização de acampamentos bolsonaristas afirmando que, em São Paulo, não houve resistência ao cumprimento da ordem.

Derrite afirmou que não será permitido manifestação política, por parte de policiais, no exercício da função, nas redes sociais. Mas disse não ver problema que isso ocorra no horário de folga. “Não quero implantar a censura nas polícias. É uma linha muito tênue, eu sei disso”, disse ele.

O governo do estado desmobilizou ontem os 34 acampamentos de defensores de atos antidemocráticos, mas não fez prisões, como estava determinado na decisão proferida pelo ministro Alexandre de Moraes. Por quê?

Na ordem do ministro fala-se em prisão para aqueles que não respeitarem a ordem judicial. Foram 784 pontos de manifestações, 34 acampamentos desmobilizados e em nenhum deles houve resistência. Teriam sido presos se não respeitassem a ordem judicial e a ordem direta dos policiais. Por isso eu digo que os atos praticados em Brasília não encontram similaridade com as manifestações daqui. Nenhum estado teve prisão durante o desmonte dos equipamentos.

Ontem o senhor usou o termo “manifestantes” para se referir tanto aos acampados em São Paulo quanto aos bolsonaristas radicais de Brasília. Não seriam terroristas, vândalos?

Chamei de manifestantes quem participou dos atos aqui em São Paulo. Condeno os atos praticados em Brasília e não compactuo com eles. E não haverá, em São Paulo, qualquer aceitação de atos que extrapolam os limites da lei.

O senhor já afirmou que policial bom tem que ter pelo menos três homicídios no currículo. Agora à frente da segurança pública de SP, o senhor continua pensando assim?

Na época dos fatos eu já me arrependi, mas isso não foi divulgado. Era um áudio particular, eu estava tomado ali por uma emoção de quando soube que policiais amigos meus haviam sido transferidos da Rota. Com certeza absoluta não é uma política que a gente entende adequada. A questão do confronto vai ser evitada. Agora, essa foi a fala de um tenente, há mais de dez anos. De lá para cá, eu amadureci. Esse estereótipo que alguns tentam encaixar não traduz a realidade.

Qual será a prioridade da sua gestão?

O marco será a integração entre as polícias militar, civil e técnico-científica. Temos um plano emergencial de recomposição de efetivo, já que estamos herdando a pior crise de efetivo das forças de segurança da história de São Paulo. Vamos criar a “Muralha Paulista”, um conjunto de medidas de um centro de operações que vai integrar várias bases de dados (da Polícia Civil e Militar), como o Detecta, que é estadual, e o Córtex, que pertence ao governo federal.

Qual vai ser o caminho do governo em relação às câmeras nos uniformes dos policiais?

Existe até uma polêmica sobre eu acabar com o programa. Nós não iremos fazer isso. O que vamos fazer é tornar o emprego da câmera mais funcional e operacional. Temos que ampliar o rol de funcionalidade das câmeras, para que elas possam fazer a leitura de placas de veículos de carros e motos roubadas e estarem interligadas com a base de dados de foragidos da polícia civil.

Em entrevista ontem ao Roda Viva, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou não ter dúvida de que Bolsonaro foi o mentor dos atos em Brasília. Como o senhor vê essa declaração?

Eu, enquanto gestor e responsável pela segurança pública do estado de São Paulo, não tenho competência para falar sobre questões político-ideológicas.

O senhor mantém contato com Bolsonaro?

Não, faz um bom tempo que não falo com o presidente Bolsonaro.

No governo Doria, vimos casos de policiais que postaram manifestações político-ideológicas na internet, apesar de orientação contrária. Um deles foi até foi afastado. Como o senhor vai tratar o assunto?

O que não pode, e não será permitido, é manifestação de policial civil ou militar no exercício da função, de qualquer lado que seja. As polícias são instituições de Estado, e não de governo. Só tem um grande cuidado para que a gente não trate o policial como cidadão de segunda categoria e que ele não possa, por exemplo, no horário de folga, expor sua opinião sobre determinado assunto. Não quero implantar a censura nas polícias. É uma linha muito tênue, eu sei disso.

De forma prática, como o senhor vai combater a principal facção criminosa de São Paulo?

É trabalho de inteligência e integração entre as policiais. Vamos promover uma asfixia de drogas.

E a cracolândia?

Será um tema transversal. O governador Tarcísio nomeou o vice-governador Felício Ramuth para ser o coordenador dos trabalhos da cracolândia. Vai ser um trabalho entre governo do estado e prefeitura.

O Globo