Fome pode matar crianças ianomâmis em dias
Foto: Antonio Alvarado/@antonioalvaradoc/Urihi Associação Yanomami
Médico e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, Paulo Cesar Basta coordenou uma pesquisa encomendada pela Unicef sobre a desnutrição de crianças indígenas em oito aldeias yanomanis.
1 – Como é a morte por desnutrição de uma criança yanomami? Ela pode ocorrer em questão de dias, se, por exemplo, a criança tiver um quadro de diarreia acompanhada de vômito intenso. Isso acelera o processo de desidratação e você pode perder a criança de um dia para o outro, porque, em geral, nas aldeias não há socorro próximo nem pessoas treinadas para procedimentos elementares de assistência. Existem 370 aldeias yanomamis no Brasil e só 78 têm postos de saúde.
Mas o padrão mais comum é de uma morte mais lenta e insidiosa. Como não há nas aldeias coleta de lixo, sistema de esgoto nem água potável, o chão onde as crianças engatinham está contaminado e a água que elas bebem muitas vezes vem de lagos com todo tipo de resíduo humano e animal. Além disso, com a invasão dos garimpeiros, a oferta de comida tem ficado cada vez mais escassa.
O que acontece, então, é que uma criança, nascida com peso normal, depois que é contaminada pelos micro-organismos do solo ou da água e tem a sua primeira diarreia, sofre uma perda de peso significativa e não mais se recupera — ao contrário do que acontece em ambientes onde existem condições básicas de nutrição e assistência médica, ela não recupera mais seu peso.
A partir daí, por causa do acesso limitado à proteína, essa criança deixa de formar tecido muscular, deixa de reservar nutrientes para o crescimento dos ossos e articulações, e vai guardar os pouco nutrientes disponíveis para concentrar na preservação dos seus órgãos vitais. A criança vai tentar utilizar esses poucos nutrientes disponíveis para preservar a sua vida. Com isso, o corpo vai sendo consumido.
2 – Como esse processo afeta a aparência e o comportamento da criança?
Ela vai ficando apática, não corre, não brinca, não sai mais da tipoia da mãe. A coloração da pele vai mudando, ficando amarelada e às vezes acinzentada. O cabelo vai ficando ralo, e mais claro. Algumas crianças das aldeias yanomamis parecem uns indiozinhos louros. Esse é um indicador de desnutrição grave — e que hoje, século 21, só está presente na África Subsaariana. Você só vai encontrar crianças com esse grau de desnutrição em países da África Subsaariana.