Lula apoiará Boulos para prefeito de São Paulo

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Foto: Edilson Dantas/O Globo

Deputado federal mais votado em São Paulo, com pouco mais de 1 milhão de votos, Guilherme Boulos inicia seu primeiro mandato nesta quarta (1º) como líder do Psol na Câmara, posição que deve mantê-lo em destaque no Congresso e poderá ajudá-lo a ter visibilidade na disputa pela prefeitura da capital paulista, em 2024.

Integrante do conselho político da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva e da equipe de transição, Boulos defende um diálogo do governo para além da centro-esquerda no Legislativo.

O maior grupo parlamentar na Casa continua sendo o do Centrão e é com esses deputados que o governo deve negociar.

Oficialmente, o Psol não apoia a reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e vai lançar Chico Alencar (Psol-RJ). Boulos, no entanto, pondera que é “compreensível” que Lula e o PT apoiem Lira em busca de governabilidade e estabilidade. O parlamentar procura manter boa relação com Lira. Na quinta-feira passada (26), participou de jantar na casa do presidente da Câmara, organizado para buscar votos para a reeleição.

Compreendo as razões que levaram [o PT] a apoiar Lira […], mas [no Psol] pensamos de forma diferente”

Boulos diz que só não há conversa com o bolsonarismo. Nesse bloco, inclui o PL – partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, com a maior bancada eleita na Câmara, com 99 parlamentares. No entanto, avalia que os radicais são minoritários e que é possível negociar com todos que se dispuserem, inclusive com integrantes de partidos que apoiaram Bolsonaro.

Segundo mais bem votado do país, atrás de Nikolas Ferreira (PL-MG), o novo líder do Psol afasta a criação de uma CPI dos atos golpistas e defende a cassação dos deputados envolvidos no 8 de janeiro.

Próximo de Lula, Boulos foi cotado para ser ministro das Cidades. O presidente, no entanto, indicou Jader Filho (MDB) para a pasta.

O parlamentar emplacou um aliado do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Simões, na Secretaria Nacional de Políticas para Territórios Periféricos. E o Psol ficou com o Ministério dos Povos Indígenas, com Sônia Guajajara.

O líder do Psol começa o mandato de olho na eleição municipal e diz estar certo do apoio do presidente e do PT para 2024. Lula lançou Boulos à prefeitura na pré-campanha presidencial, em março de 2022, após o então pré-candidato do Psol ao governo paulista ter desistido para apoiar Fernando Haddad (PT).

Boulos diz que Lula quer negociar desde já o apoio dentro do PT, de forma “natural” e “dialogada”. Ele descarta migrar para o PT e fala em construir uma frente de esquerda, o que tende a ser difícil. O PSB, por exemplo, deve lançar a deputada Tábata Amaral.

Além da projeção na Câmara, Boulos espera contar com o “recall” de 2020. Sem apoio do PT, que teve candidato próprio e ficou em sexto lugar, ele foi para o segundo turno da disputa pela Prefeitura de São Paulo contra o então prefeito Bruno Covas (PSDB), reeleito. Entre o primeiro e segundo turno, dobrou a votação, de 1,1 milhão (20,2%) para 2,2 milhões (40,6%).

O parlamentar critica a gestão do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que assumiu depois da morte de Bruno Covas, em maio de 2021. Para Boulos, o prefeito e pré-candidato à reeleição porta-se mais como “síndico” do que como um “líder”. A cidade tem o maior orçamento de sua história, R$ 95,8 bilhões, mas problemas na execução orçamentária e a gestão ainda não tem uma marca.

Líder do MTST, Boulos diz ter entre suas bandeiras a construção de cozinhas solidárias, a ampliação de moradias populares, passe livre nos transportes, o combate à desigualdade social e ações para pessoas em situação de rua. O deputado afirma que continuará morando no Campo Limpo, na periferia de São Paulo, e levará o Celtinha prata, que ficou conhecido em 2020, para Brasília. A seguir, trechos da entrevista ao Valor:

Valor: Como será a relação do governo Lula com o Congresso? Fará acordos com o Centrão? Guilherme

Boulos: Não temos um Congresso de maioria progressista. Então é compreensível que o governo Lula dialogue com outros setores para além da esquerda e da centro-esquerda. Tivemos um primeiro avanço, que veio do Supremo Tribunal Federal, para limitar a farra do Orçamento secreto, as emendas de relator – que foi o modo de governabilidade que Bolsonaro construiu com o Congresso. Mas certamente vai ser desafiador. Pegue, por exemplo, a reforma tributária. Vamos lutar que seja progressiva, que os milionários comecem a pagar imposto, que reduza imposto sobre consumo e produção e aumente imposto sobre patrimônio e renda e altas rendas. O debate vai ser duro. Da mesma forma o teto de gastos. Vai se discutir outro regime fiscal. As ideias liberais e os setores econômicos que defendem essas ideias têm peso e representação no Parlamento. Vão ser enfrentamentos não só para dar governabilidade, mas também para executar o programa eleito.

Valor: É possível negociar com os partidos que apoiam Bolsonaro?

Boulos: Não vejo diálogo possível com o PL e o bolsonarismo. Eles deixaram claro no 8 de janeiro qual é o modo de oposição que vão tentar fazer. Vão para o golpismo, o tom violento que foi o governo Bolsonaro. Com golpismo não tem diálogo. Tem que ser derrotado. Com bolsonaristas não têm diálogo, independente do partido. Mas com setores que se disponham a apoiar a agenda de Lula, o governo vai tentar fazer a composição. Valor: Como o governo vai obter apoio para reformas e PECs sem ter maioria e sem orçamento secreto? Boulos: No espírito de governo de coalizão. Lula foi eleito com frente ampla e construiu governo de coalizão. Vários dos partidos com bancadas relevantes têm espaço no governo. É muito improvável que esses partidos se disponham a votar contra o governo.

Valor: O Psol vai manter o candidato para o comando da Câmara?

Boulos: Chico Alencar foi escolhido unanimemente pela bancada. Não seria razoável fechar com Arthur Lira pelo papel que ele desempenhou no Parlamento e na relação com o governo Bolsonaro.

Valor: Lula e PT estão com Lira. Avalia que poderia ser diferente?

Boulos: Compreendo as razões que levaram a apoiar Lira, que tenha buscado maior estabilidade na governabilidade, mas pensamos de forma diferente.

Valor: Qual o tamanho do bolsonarismo na Câmara?

Boulos: Eles são muito minoritários. O maior bloco do Parlamento segue sendo o do Centrão. A esquerda tem quase 140 deputados e o bolsonarismo tem, no máximo, 100. Não é decisivo para aprovação de matéria na Casa.

Valor: Apoia CPI do 8 de janeiro?

Boulos: O papel do Parlamento é atuar na cassação dos deputados que estimularam a tentativa de golpe. Discordo de Lira quando ele minimizou a atuação desses parlamentares. Como essas pessoas que propõem golpe militar podem ficar no Parlamento, que é um dos pilares da democracia? Lutarei para que todos que apoiaram as ações golpistas respondam no Conselho de Ética, sejam punidos, cassados e respondam judicialmente, assim como Bolsonaro. As instituições, o STF, a Polícia Federal, o Ministério Público devem localizar os financiadores, líderes e chefes dos atos golpistas. O que aconteceu no dia 8 deve ser considerado com seriedade. Tivemos uma tentativa de golpe de Estado. Foi o ataque mais duro à democracia desde o fim da ditadura. Isso é gravíssimo. E não pode ter anistia.

Valor: O senhor foi cotado para ser ministro, mas ficou fora. Não houve convite ou não quis?

Boulos: Lula é quem teve votos para definir o ministério dele. Mas não é segredo para ninguém que pretendo ser prefeito de São Paulo em 2024. Se assumisse algum ministério, teria que me desincompatibilizar em um ano. Em um ano é muito difícil fazer um trabalho com começo meio e fim. É possível que não fosse bom para o governo nem para mim. Acredito que a tribuna na Câmara vai ser decisiva para as grandes pautas do país. Neste ano enfrentarei esse desafio.

Valor: O senhor já foi lançado por Lula para 2024. Isso está acertado dentro do PT?

Boulos: Confio no compromisso do presidente Lula e do PT com o apoio da candidatura à Prefeitura de São Paulo. Espero construir uma frente progressista, a mais ampla possível, para ganhar e tirar a cidade do abandono, do descaso. Isso também será importante para o governo. A eleição de 2024 é de meio de mandato. Ganhar na maior cidade do país é importante para o governo. Conversei recentemente com Lula, no fim do ano passado. Ele reafirmou esse compromisso e quer começar a pensar esse processo desde já. Tenho conversado com parlamentares e lideranças do PT de São Paulo para construir da forma mais dialogada e natural possível. O PT terá papel fundamental na construção da campanha para ganhar em 2024.

Valor: Estuda migrar para o PT?

Boulos: Sou militante do Psol, fui candidato à Presidência pelo Psol em 2018, a prefeito em 2020, eleito deputado pelo Psol e serei candidato pelo Psol em 2024, representando não só o partido, mas uma ampla frente progressista. Valor: O senhor tem como bandeira a habitação e o prefeito Ricardo Nunes tem feito promessas na área, como entregar 49 mil moradias. Que avaliação faz da gestão?

Boulos: Promessa quem tem boca faz. Nunes fala muito de habitação e fez pouco, pouco executou. Destinar dinheiro no Orçamento e não executar não garante teto a ninguém. Nunes começou a campanha antecipadamente, tem buscado se apropriar, de forma eleitoreira, de pautas que são historicamente da esquerda, como moradia popular, tarifa zero. Entrou no modo de desespero eleitoreiro.

Valor: Quais são os principais problemas da gestão?

Boulos: São Paulo está abandonada. A cidade tem o maior orçamento de sua história [R$ 95,8 bilhões] e, ao mesmo tempo, a maior população em situação de rua. As pessoas reviram lixo para comer. A desigualdade se aprofundou. A gestão não tem projeto, não tem rumo, não tem visão. Nunes não se comporta como líder, se comporta como zelador em reunião de condomínio. Um mau zelador. A cidade é historicamente ligada à vanguarda, às grandes tendências internacionais. O mundo está discutindo redução das distâncias, mobilidade verde, redução das emissões de carbono, combate à segregação. E Nunes representa uma agenda clientelista, de atraso.

Valor: Há um debate sobre desativar o minhocão. O prefeito estuda fazer um túnel para desativá-lo, ao custo de R$ 1 bilhão…

Boulos: Quando vai chegando perto da eleição, há determinados políticos que gostam de fazer obras apetitosas para empreiteiras e obras que possam ter também visibilidade populista. Pergunto se a maior demanda de São Paulo é um túnel embaixo do minhocão. O minhocão está forrado de gente morando na rua. A cidade está largada e a prioridade é o túnel de R$ 1 bilhão. É triste. Nunes fala em colocar vaga para automóvel em cima do calçadão no centro histórico. Está na contramão de todo debate internacional. Temos que colocar a cidade no século XXI.

Valor: O debate sobre o passe livre tem sido pautado. É viável?

Boulos: Defendi isso em 2020. É um direito. Mas é preciso planejar e enfrentar interesses. Fazer a toque de caixa, pelo calendário eleitoral, numa cidade com 12 milhões de habitantes, é se preparar para uma tragédia. Precisa estar conectado com os outros meios, como o metrô. Precisa ter preparação, começar em algumas linhas, em alguns dias, ao fins de semana. Quando há tarifa zero, aumenta a demanda. Se faz no ônibus e não no metrô, quem iria de metrô vai para o ônibus. A chance de colapsar o sistema se fizer a toque de caixa é gigantesca. A tarifa zero pensada e planejada é factível. Mas a eleitoreira pode ser trágica. E precisa abrir a planilha de custos reais. Hoje é caixa preta. Quando vê planilha de preço ligada a empresa de ônibus e tem a máfia do transporte defendendo tarifa zero, parece que tem caroço nesse angu.

Valor Econômico