Lula e Biden discutirão combate ao fascismo
Foto: Luis Robayo/AFP
A participação de militares nos episódios golpistas de 8 de janeiro trouxe à tona uma questão que nunca ficou bem resolvida no Brasil. Afinal, o que fortalece mais a democracia: punir os militares por crimes políticos ou apaziguar a situação, jogando as evidências para debaixo do tapete? A anarquia promovida por Jair Bolsonaro nas Forças Armadas, buscando fomentar o golpe que afinal foi sufocado, parecia ter fortalecido a noção de que era não só possível como necessário investigar e punir os militares por seus crimes.
Mas os ataques de janeiro ainda parecem ser, para o governo, mais um problema incômodo que uma oportunidade de colocar em pratos limpos o golpismo e a indisciplina nas Forças Armadas. Dias antes de demitir o comandante do Exército, o general Júlio Cesar de Arruda, Lula declarou em entrevista à jornalista Natuza Nery, na GloboNews, que os atos do dia 8 “permitiram que a gente fizesse, porque a gente não estava querendo fazer, que é fazer um processo de investigação muito séria do que aconteceu nesse país”.
Lula não esclareceu por que não estava querendo investigar “o que aconteceu nesse país”, mas deu uma pista ao explicar por que também é contra a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os responsáveis pelos ataques: ” Ela pode não ajudar, e ela pode criar uma confusão tremenda”.
Antes de demitir Arruda, o presidente ainda tentou agradar as Forças Armadas com verbas e equipamentos, numa lógica parecida com a de quem negocia com o Centrão para garantir a governabilidade.
Lula só exonerou o comandante quando ele resistiu a anular a promoção do coronel Mauro Cid, assessor de Bolsonaro investigado pelo Supremo por tentar minar a credibilidade do sistema eleitoral e operar os saques do cartão corporativo da Presidência da República.
Não que haja alguém defendendo publicamente aliviar a barra dos militares. Pelo contrário. Depois do comandante do Exército, Lula vem demitindo os fardados da Presidência que herdou de Bolsonaro. Em Brasília, a expectativa é que o próximo a cair será o chefe do Comando Militar do Planalto, general Gustavo Dutra de Menezes.
Até o ministro da Defesa, José Múcio, que dizia não haver prova de envolvimento das Forças Armadas no golpe, mudou de discurso. Agora, ele diz que espera que o novo comandante do Exército, general Tomás Paiva, “faça o que o presidente quer que ele faça”.
Nesta semana, depois da primeira reunião do Alto-Comando sob nova direção, foi suspensa a promoção do coronel Mauro Cid. Ainda assim, há uma discreta torcida na cúpula do Exército para que o ministro do Supremo Alexandre de Moraes avoque para si os julgamentos de militares que participaram da tentativa de golpe.
Isso pouparia o comandante do desgaste e facilitaria sua meta de transformar o 8 de janeiro em “página virada” o mais rápido possível. A impressão entre os generais é que, com o caso dos militares sob a responsabilidade do Supremo e a agenda do país voltando a se concentrar em urgências sociais, ambientais e econômicas, eles serão esquecidos.
Lula disse, ao comentar a troca de comandantes, que “nós vamos colocar as coisas em seu lugar”. Imaginar, contudo, que o golpismo vai enfraquecer ou simplesmente sumir por obra da ação de um único ministro do Supremo parece coisa de amador — coisa que Lula não é.
Ele sabe que o golpismo, militar ou não, veio para ficar. Basta ver o que aconteceu nos Estados Unidos, onde nem mesmo a prisão de centenas de pessoas e uma investigação minuciosa sobre a participação de Donald Trump nos ataques ao Congresso americano impediram o recrudescimento da direita.
Na GloboNews, ele mesmo disse que iria aos Estados Unidos, à China e à Alemanha conversar com seus presidentes sobre formas de impedir o avanço da extrema direita. (Não deixa de ser curioso que não expresse a mesma preocupação com o autoritarismo de esquerda, como na Venezuela ou em Cuba, mas isso já é outra conversa.)
O exemplo da Argentina, que promoveu um julgamento duro, mas justo, dos crimes cometidos por militares, mostra que encarar o golpismo sem tergiversar fortalece as instituições e solidifica a democracia. No caso do Brasil, tanto uma caça às bruxas como um ímpeto de pacificação forçada podem dar margem a novas investidas golpistas. Não é fácil e, como diz o próprio Lula, pode, sim, causar confusão. Mas o ruído é próprio das democracias. O que mata são o silêncio e a acomodação.