Lula evitou banho de sangue em 8 de janeiro

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Cézar Feitoza – 8.jan.23/Folhapress

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu aval para o Exército realizar a operação de desmonte do acampamento golpista em frente ao quartel-general somente no dia seguinte à invasão às sedes dos três Poderes.

A anuência presidencial foi dada após integrantes da Força afirmarem a Lula que a operação para o desmonte do acampamento feito pela Polícia Militar durante a noite do dia 8 de janeiro, sem planejamento prévio, poderia resultar em conflito e mortes.

Auxiliares de Lula afirmaram à Folha que o presidente queria que os bolsonaristas fossem presos ainda durante a noite, mas concordou com o adiamento diante do risco de um cenário parecido ao descrito pelos militares.

Pessoas próximas ao presidente dizem ainda que o Exército comunicou a Lula que havia pessoas armadas no acampamento. Os militares argumentaram que ocorreria uma tragédia caso a operação fosse realizada à noite.

O presidente, então, pediu que as forças de segurança discutissem as possibilidades colocadas à mesa.

O aval de Lula foi dado ao general Gustavo Henrique Dutra, comandante militar do Planalto, durante reunião do oficial com o interventor na segurança do Distrito Federal, Ricardo Cappelli.

Dutra e Cappelli se encontraram na Catedral Militar Rainha da Paz, em Brasília, logo após os bolsonaristas radicais serem dispersados da Esplanada dos Ministérios e voltarem ao acampamento.

A reunião começou sem acordo. A Polícia Militar havia recebido ordem do interventor para entrar na área militar e prender os golpistas. O Exército, no entanto, barrou o acesso dos policiais, posicionado três blindados Guarani e uma tropa de soldados em frente ao Setor Militar Urbano.

Diante do impasse, Cappelli enviou mensagens e telefonou para o ministro Flávio Dino (Justiça), em busca de apoio para prender os golpistas.

Em movimento semelhante, o general Dutra fez um telefonema para o general Gonçalves Dias, ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), para argumentar que a melhor decisão seria realizar o desmonte na manhã do dia seguinte.

Durante a ligação, Dias entregou o telefone para Lula, que estava ao seu lado. O presidente teve uma rápida conversa com o comandante militar.

De acordo com relatos de pessoas com conhecimento do assunto, Dutra afirmou que uma operação noturna, sem planejamento, poderia resultar em confusão. Havia receio entre os militares de que um possível descontrole do desmonte do acampamento causasse correria, confronto com a polícia e violência.

Lula concordou que, se houvesse risco de uma tragédia, seria melhor realizar a operação no dia seguinte. O presidente, porém, disse que os golpistas eram criminosos e que as prisões deveriam ser feitas.

Na manhã de 9 de janeiro, a Polícia Militar do DF e a Polícia do Exército realizaram a operação para o desmonte do acampamento e efetuaram a prisão de cerca de 1.200 bolsonaristas, que foram conduzidos em dezenas de ônibus para triagem na Academia Nacional da Polícia Federal.

A conversa entre Lula e o general Dutra ocorreu por volta de 21h, no início das discussões entre o interventor e o Exército. Após a ligação, os ministros José Múcio Monteiro (Defesa), Rui Costa (Casa Civil) e Flávio Dino foram ao Comando Militar do Planalto para discutir o assunto.

Ainda estavam presentes o general Dutra e o ex-comandante do Exército Júlio César de Arruda —demitido, entre outras razões, pela condução da crise desencadeada em 8 de janeiro. A reunião foi descrita por participantes como tensa, com posições divergentes entre integrantes do governo.

Dino e Rui Costa chegaram a defender uma ação mais incisiva ainda durante a madrugada, enquanto Múcio estava alinhado aos militares a favor da operação no dia seguinte.

Por volta de meia-noite, as autoridades decidiram montar um plano para a retirada dos bolsonaristas na manhã de segunda, conforme o aval de Lula. Com o acordo, as viaturas da PM do DF deixaram as proximidades do Setor Militar Urbano, e os tanques de guerra, que impediam a entrada dos policiais, voltaram para os batalhões.

Ricardo Cappelli relatou parte da divergência em seu relatório final sobre a intervenção, entregue ao STF (Supremo Tribunal Federal) e membros do Executivo.

“A linha [feita pela PM] seguiu avançando até chegar na entrada do Setor Militar Urbano, onde o interventor federal determinou que o comandante-geral da PM-DF mobilizasse a tropa para efetuar as prisões no acampamento em frente ao QG do Exército, movimento que foi abortado pela intervenção do general Dutra, comandante militar do Planalto, que ponderou para que a ação acontecesse somente no dia seguinte pela manhã”, descreveu Cappelli no texto.

Antes dos ataques de 8 de janeiro, o Exército havia estabelecido uma estratégia para a retirada lenta e gradual das estruturas montadas em frente ao quartel-general, em Brasília.

A conduta do Exército, que tolerou o acampamento desde a vitória eleitoral de Lula, foi criticada por aliados do petista por ser complacente com manifestantes antidemocráticos radicalizados.

Levantamentos internos feitos nas vésperas dos ataques contra as sedes dos três Poderes mostravam que havia cerca de 200 pessoas no acampamento bolsonarista —número considerado baixo pelos militares, diante das milhares de pessoas que ocuparam o Setor Militar Urbano nas primeiras semanas de novembro.

Fotos aéreas do local eram enviadas com regularidade para o Ministério da Defesa. José Múcio chegou a relatar ao presidente, durante a primeira reunião ministerial do governo Lula, em 6 de janeiro, que o acampamento estava se esvaindo.

Dutra deve deixar o Comando Militar do Planalto em março, após o Alto Comando do Exército discutir as novas movimentações dos oficiais.

A saída do general três estrelas, como revelou a Folha, já estava acertada antes da demissão do ex-comandante Júlio César de Arruda e, segundo fontes militares, não tem relação direta com o acampamento golpista.

Folha