
Lula manda bolsonarismo desistir do golpe
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Em uma reação coordenada em defesa da democracia e das instituições da República, integrantes das cúpulas dos três Poderes e governadores se reuniram nesta segunda-feira (9) para rechaçar os ataques terroristas ocorridos na capital federal na véspera contra o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. As manifestações, que incluíram aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, tiveram a intenção de demonstrar unidade e defender a adoção de providências conjuntas contra os extremistas.
Traduziram-se em atos concretos: a Câmara dos Deputados fez uma sessão para aprovar, de forma simbólica, o decreto de intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, proposto por Lula em reação aos atos terroristas praticados por radicais bolsonaristas ontem em Brasília.
Além da aprovação do decreto que aprova o nome do interventor até 31 de janeiro, também está no radar dos parlamentares uma alteração da Lei da Ficha Limpa para tornar inelegíveis aqueles que forem condenados pela participação em atos antidemocráticos. A votação desse projeto, porém, deve ficar apenas para fevereiro.
O Congresso também fará o levantamento de quem foram os políticos envolvidos na destruição do patrimônio e invasão, os diferenciando daqueles que estimularam manifestações, mas de forma pacífica. Quem participou da depredação e vandalismo contra as sedes dos Poderes será punido exemplarmente, avisou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) aos parlamentares.
Segundo Flávio Dino, 1.500 pessoas foram detidas, sendo 1.200 levadas da porta do QG para a Polícia Federal
No Senado, também estão em estudo várias medidas em resposta aos atos terroristas, como a instalação, em fevereiro, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os responsáveis por organizar, estimular e financiar os atos. Não há consenso para a mesma iniciativa na Câmara dos Deputados.
Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, aproximadamente 1.500 envolvidos nos atos antidemocráticos foram detidos. Desse total, 1.200 foram retirados da frente do Quartel-General do Exército e levados à Polícia Federal. A expectativa é que cerca de 1.000 sejam levados ao presídio da Papuda.
Logo pela manhã, o presidente recebeu representantes do STF e do Legislativo. Os chefes dos Três Poderes divulgaram uma nota conjunta “em defesa da democracia” na qual condenaram os “atos terroristas, de vandalismo, criminosos e golpistas”. “Estamos unidos para que as providências institucionais sejam tomadas, nos termos das leis brasileiras”, diz o documento. A nota foi assinada por Lula, pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e pelo presidente em exercício do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). O presidente também recebeu um telefonema de seu homólogo americano Joe Biden.
Na sequência, Lula convocou os comandantes das Forças Armadas para uma reunião. Conforme o Valor apurou, o presidente manifestou indignação com os ataques contra os três Poderes e disse estar convicto de que havia nos atos pessoas interessadas em um golpe de Estado. Recebeu de volta, segundo relatos, solidariedade dos militares. Os comandantes Júlio Cesar de Arruda (Exército), Marcos Sampaio Olsen (Marinha) e Marcelo Kanitz Damasceno (Aeronáutica) garantiram que as tropas estão “sob controle” e descartaram qualquer risco de instabilidade.
Os militares também disseram a Lula que foram pegos “de surpresa”. Ficou definido, ainda, que nenhum acampamento bolsonarista poderá continuar funcionando próximo aos quarteis.
Chefes dos três Poderes divulgaram nota conjunta “em defesa da democracia” e contra atos terroristas
Estava também presente o ministro da Defesa, José Múcio, alvo de fogo amigo no governo, especialmente de petistas, desde que declarou que as manifestações bolsonaristas nos quarteis eram “parte da democracia”. Os ataques aos três Poderes no último domingo reforçaram o volume de críticas à conduta do ministro. Ciente do movimento que já fala em troca na pasta, ele tem dito que a cadeira não é dele, mas de Lula.
Outro ministro que está sob os holofotes no episódio, o titular da Justiça saiu em defesa do colega. “Múcio não é o grande vilão do processo, Não compartilho dessa visão e me solidarizo, o que não significa concordância integral com atitudes”, ponderou.
Dino informou que a pasta recebeu a colaboração de governadores de 10 Estados, que enviaram contingentes para fortalecimento da Força Nacional, totalizando 500 homens para proteção da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes. As tropas serão empregadas na intervenção na área da segurança do Distrito Federal, decretada até o dia 31 de janeiro e que seria analisada pela Câmara dos Deputados ainda na noite desta segunda-feira.
O ministro da Justiça informou que a PF também já identificou alguns dos financiadores dos atos terroristas em dez Estados. “Estamos lidando com financiadores desde antes da posse presidencial, nunca minimizamos o que ocorreria”, declarou o ministro. Ele também pontuou que três novos inquéritos serão instaurados e serão divididos para ataques ao Congresso, no Planalto e no STF. E citou alguns dos crimes potencialmente cometidos: golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, crime de dano, associação criminosa e lesões corporais.
No fim do dia, em meio a dúvidas se aliados de Bolsonaro participariam da reunião ampliada entre as cúpulas dos Poderes e governadores, Lula iniciou o encontro com a presença do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e outros chefes de executivos estaduais alinhados ao ex-presidente. Estavam também os chefes do Judiciário, do Legislativo e Aras.
Segundo Lula, “a polícia de Brasília negligenciou, a inteligência de Brasília negligenciou” os sinais de que o ataque aconteceria. E denunciou indícios de conivência. “ É fácil ver [em imagens] policiais conversando com invasores.
Houve conivência da polícia e aqui dentro do Palácio, soldados do Exército conversando com as pessoas como se fossem aliados”, afirmou na reunião. “O que nós vimos ontem [domingo] foi uma coisa que já estava prevista, já estava anunciada. As pessoas que estavam em frente aos quartéis não tinham pauta de negociação. Eles estavam reivindicando golpe”.
Segundo Lula, será investigado quem custeou os atos. “Eles querem golpe, e golpe não vai ter”.
Destacado para falar em nome dos governadores, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), disse que os mandatários estaduais estão unidos na defesa da democracia, independente de diferenças ideológicas. “Estamos aqui não para defender ideias de esquerda ou de direita, mas para defender a democracia deste país”, afirmou. Helder disse que 16 Estados enviaram tropas de elite para apoiar a decisão do governo federal de intervenção na segurança pública do Distrito Federal. Helder lembrou ainda que os Estados estão “articulados e imbuídos” a cumprir decisões proferidas pelo ministro da Corte, Alexandre de Moraes.
Concluída a reunião, os presentes atravessaram a Praça dos Três Poderes em direção ao Supremo Tribunal Federal. O gesto foi feito a convite de Lula, numa sinal de solidariedade também ao Poder Judiciário. Na sede do Judiciário, Lula fez uma ponderação em relação aos seus opositores. “A maioria dos que votaram no Bolsonaro são direitos, tem caráter. O que aconteceu aqui tem a ver com uma minoria de vândalos.Tem gente financiando”, disse.
O Supremo também reagiu. A presidente da Corte pediu a presença dos demais ministros em Brasília e decidiu abrir uma sessão plenária virtual permanente, até o dia 31 de janeiro, para julgar casos urgentes durante o recesso do Poder Judiciário. Já o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a abertura de uma investigação contra o governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e outra para apurar a eventual omissão do comando da Polícia Militar do DF.