MDB se reinventa e ganha capilaridade
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O redesenho da Esplanada dos Ministérios no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reflete a densidade das forças políticas que se uniram para garantir uma base de governabilidade ao novo presidente. Para o partido mais tradicional do país, formado ainda no tempo da ditadura para combater o regime militar “por dentro” dos marcos institucionais de exceção, a nova estrutura de poder também marca a ascensão de uma nova geração de políticos, caracterizada por sobrenomes que há muitas décadas habitam os gabinetes de Brasília. Tebet, Barbalho, Calheiros, Rossi e Sarney são nomes de famílias que se mantêm no topo das decisões nacionais, apesar da inevitável mudança geracional.
Um dos caçulas do time é o governador reeleito do Pará, Helder Barbalho, 43 anos. O pai, senador Jader Barbalho, 78 anos, foi um dos principais caciques do partido, com longa trajetória política: foi vereador em Belém, deputado estadual, deputado federal, governador do Pará, ministro do Desenvolvimento Agrário e da Previdência no governo Sarney e presidiu o Senado Federal no início dos anos 2000. Nas eleições de outubro, Helder catalisou toda a força política do clã ao reeleger-se para o cargo com a maior votação proporcional do país. E ainda ajudou a eleger nove deputados federais, montando a maior bancada regional do MDB. Com essa carteira de votos na Câmara dos Deputados, Helder emplacou o irmão mais velho, Jader Filho, 46 anos, presidente do MDB paraense, no posto de ministro das Cidades.
Com a mesma idade do correligionário paraense e igualmente credenciado por ter exercido mandato de governador de estado está o senador eleito por Alagoas e atual ministro dos Transportes, Renan Filho, herdeiro do senador Renan Calheiros, um dos nomes mais influentes da política brasileira. No quarto mandato consecutivo, Calheiros pai, 67 anos, foi ministro da Justiça no segundo governo Lula e é um dos mais fiéis aliados do presidente. Um dos principais líderes da ala rebelde do MDB nas eleições de outubro do ano passado, Renan Calheiros ignorou a escolha de Simone Tebet como candidata de uma pretensa terceira via para abraçar, desde o início, a campanha de Lula à Presidência.
O filho, no comando do Palácio República dos Palmares desde 2014, encorpou a frente nordestina pró-Lula e, em outubro, elegeu-se para fazer companhia ao pai no Senado. Com um amplo programa de obras, fez de Alagoas um dos estados mais bem servidos de boas rodovias. Segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes, mais de 70% das estradas alagoanas são consideradas boas ou ótimas. Assim, cacifou-se para ganhar o cargo na Esplanada de Lula.
Aos 52 anos, a senadora Simone Tebet, ministra do Planejamento, carrega a herança política do pai, o ex-presidente do Senado Ramez Tebet, morto em 2006, que escreveu uma longa biografia iniciada em Três Lagoas (MS). De família libanesa, Ramez foi prefeito da cidade natal, deputado estadual, senador e ministro da Integração Nacional do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), cargo que ocupou por apenas três meses. Em setembro de 2001, sucedeu Jader Barbalho (que renunciou na esteira do escândalo do desvio de verbas na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – Sudam) na Presidência do Senado. Um ano antes, como presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Casa, Ramez Tebet foi o principal responsável pela primeira cassação de um senador por corrupção — Luiz Estêvão, do DF — e pela renúncia de Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) e José Roberto Arruda (PSDB-DF), envolvidos no caso da quebra de sigilo de votações do painel eletrônico do Senado.
A filha Simone foi a única dos quatro irmãos a enveredar na política partidária. Depois de cursar direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a atual ministra do Planejamento começou a trabalhar como professora universitária em 1992. Dez anos depois, elegeu-se deputada estadual em Mato Grosso do Sul. Em 2004, disputou e venceu a eleição para prefeita de Três Lagoas, ocupando a cadeira que, um dia, havia sido do pai. Reelegeu-se em 2008 e, dois anos depois, renunciou ao cargo para disputar (e vencer) a eleição majoritária como vice do então candidato ao governo estadual André Puccinelli.
Em 2014, mais uma vitória na meteórica carreira: elegeu-se senadora da República, com o apoio do forte agronegócio sul-mato-grossense. Colecionou críticas dos movimentos ligados aos direitos humanos por causa do projeto que previa indenização de fazendeiros acusados de grilagem de terras indígenas. Sua imagem mudou radicalmente quando participou da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, em que foi uma das parlamentares mais críticas à atuação do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia.
A visibilidade que ganhou no colegiado fez com que o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), articulasse sua candidatura à Presidência da República como cabeça de chapa do autodenominado centro democrático, uma tentativa de união de partidos de centro para quebrar a polarização já estabelecida entre Lula e Jair Bolsonaro. Não conseguiu passar para o segundo turno, mas carregou consigo uma carteira de cinco milhões de votos, que ajudaram Lula a derrotar o presidente que buscava reeleição na disputa mais tensa e apertada da história brasileira. Como ministra, Tebet consolida-se como o quadro feminino mais promissor do MDB para as próximas eleições.
Por trás do sucesso eleitoral de Helder, Jader, Renan e Simone está Baleia Rossi, ele próprio mais um herdeiro político de importante nome da agremiação, o ex-deputado estadual, ex-deputado federal e ex-ministro da Agricultura no governo Dilma Rousseff Wagner Rossi, 79 anos. O pai de Baleia teve a carreira política abalada em 2018, quando foi preso pela Polícia Federal por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso no âmbito da Operação Skala, por suposto envolvimento em um esquema de pagamento de propina por empresas do setor portuário a agentes políticos. A investigação, deflagrada a partir das delações de dois protagonistas da Lava-Jato, os empresários Joesley Batista e Ricardo Saud, envolveu também o então presidente da República Michel Temer (MDB-SP).
Hábil articulador, Baleia Rossi, 50 anos, foi o principal responsável não só pela montagem da chapa da terceira via que disputou a Presidência – com a senadora Mara Gabrilli, do PSDB, como vice de Simone – como pela costura que levou a agremiação para a base de apoio do governo Lula. Nas eleições presidenciais, não se indispôs com a ala nordestina que marchou com o líder petista. Apoiou a decisão de Simone Tebet de se aliar a Lula no segundo turno, pavimentando a pacificação do partido. Para integrar o gabinete do governo, mostrou força ao emplacar, além de Tebet, um nome indicado pela bancada do Senado — o senador Renan Filho — e outro pela bancada da Câmara — Jader Filho, com a bênção do governador e irmão Helder Barbalho.
Fora da Esplanada dos Ministérios, mas com grande força política, está a veterana Roseana Sarney, 69 anos, ex-deputada federal e governadora do Maranhão por quatro mandatos, que voltará a Brasília como deputada federal eleita e há anos cumpre o papel de herdeira política do pai, o ex-presidente José Sarney, 92 anos. Dono de uma das mais longevas carreiras políticas do país, Sarney paira acima dos partidos e é um dos principais fiadores do presidente Lula, que costuma visitá-lo para trocar ideias sobre os destinos do Brasil.
Se depender de Baleia, Helder, Jader, Renan, Simone e Roseana, o MDB seguirá um dos ensinamentos do príncipe de Falconeri, da obra O Leopardo, do escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”. A nova geração do MDB, com sobrenomes da velha aristocracia política, seguirá como um partido grande, influente, de forte base parlamentar e com a maior capilaridade nacional entre todas as legendas do amplo espectro político brasileiro. Ou seja, o velho MDB de sempre.