Militares prometem não permitir novos Pazuellos
Foto: Ministério da Defesa
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e os comandantes das Forças Armadas decidiram ser duros e rápidos na punição de militares que tenham participado dos atos golpistas de domingo (8), que terminaram em depredação aos prédios dos três Poderes.
A decisão se deu após reunião dos militares com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na segunda-feira (9). No encontro, segundo relatos feitos à Folha, o petista demonstrou preocupação com uma possível insubordinação de praças e oficiais de baixa patente que, na visão dele, podem ter sido complacentes com golpistas.
Na reunião, os comandantes Júlio César de Arruda (Exército), Marcos Sampaio Olsen (Marinha) e Marcelo Kanitz Damasceno (Aeronáutica) afirmaram que não há problemas com as tropas, que seguem disciplinadas e com respeito à hierarquia.
Para além do discurso feito a Lula, houve um entendimento entre os militares que uma resposta rápida sobre os participantes do ato golpista deveria ser dada para aplacar as suspeitas de que há conivência nos comandos.
Logo após a reunião na segunda, Múcio enviou um ofício ao Comando da Marinha para solicitar a demissão do capitão de mar e guerra reformado Vilmar José Fortuna. Ele participou da invasão aos prédios públicos e tirou fotos, como mostrou o portal Metrópoles.
Segundo a Marinha, Fortuna atuava desde outubro de 2013 em um cargo como prestador de Tarefa por Tempo Certo —tipo de contratação utilizada pelas Forças Armadas para empregar militares da reserva ou reformados para funções temporárias e específicas.
A Força contou que o militar reformado atuava como “assessor na Divisão de Programas e Projetos do Departamento de Desporto Militar da Secretaria de Pessoas, Ensino e Desporto do Ministério da Defesa”, em regime de 40 horas de trabalhos semanais.
Fortuna ainda acumulava função em conselhos sobre esporte no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, quando comandado por Damares Alves. Também perdeu a função. Como militar reformado, ele recebe cerca de R$ 30 mil por mês de aposentadoria.
O Comando do Exército também agiu para demitir o coronel da reserva Adriano Camargo Testoni, que ocupava cargo comissionado no Hospital das Forças Armadas.
Ele gravou vídeo durante os atos golpistas no qual aparece proferindo ofensas contra a Força e os generais. Testoni recebe R$ 25 mil de aposentadoria, valor que não é afetado pela demissão
Além das demissões, os comandantes das três Forças demandaram a seus subordinados a tarefa de ver vídeos dos atos golpistas e identificar se militares que estavam presentes. O objetivo é abrir processos administrativos disciplinares contra os participantes.
Em nota, o Exército informou que analisa gravações dos atos de domingo para abrir os processos administrativos. “Os vídeos sobre o assunto estão sendo encaminhados para as autoridades competentes para verificação”, completa.
Além das demissões, o Comando Militar do Planalto abriu um procedimento para apurar a conduta dos militares do Batalhão da Guarda Presidencial que atuaram para retirar os golpistas do Palácio do Planalto.
São analisadas dezenas de vídeos e devem ser solicitadas as imagens das câmeras de segurança do Planalto para verificar a atuação da tropa, diante das suspeitas levantadas pelo presidente Lula e outras autoridades de que pode militares podem ter ajudado os vândalos.
Procurada, a FAB (Força Aérea Brasileira) não se manifestou.
Oficiais ouvidos pela Folha afirmam que as demissões e aberturas de processos seguem o estatuto militar. Eles dizem que a responsabilização seria feita mesmo sem uma necessidade de demonstrar a Lula que não há conivência das Forças com os atos golpistas.
Dois deles admitiram, no entanto, que se trata de uma operação para reverter o “precedente Pazuello” —uma referência ao ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello, que foi absolvido pelo comando do Exército após participar de ato político ao lado de Jair Bolsonaro (PL) em 2021.
Pazuello foi eleito em outubro deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro.
Os detalhes do processo contra Pazuello foram colocados em sigilo pelo Exército.
Em resposta a pedido via LAI (Lei de Acesso à Informação) nesta semana, o Exército apenas enviou à Folha um extrato do processo, no qual não está presente a argumentação da defesa de Pazuello.
“No dia 2 de junho de 2021, o Comandante do Exército decidiu acolher as justificativas/razões de defesa apresentadas e, considerando os normativos de regência, decidiu pelo arquivamento do processo”, limitou-se a dizer a Força.
Mesmo com o esforço para manter a coesão das Forças, militares, especialmente os de patentes mais baixas, têm feito críticas à vitória de Lula e à forma como o Alto Comando do Exército, da Aeronáutica e o Almirantado conduziram a transição.
O caso mais marcante foi o do ex-comandante da Marinha Almir Garnier, que, por questões políticas, se negou a participar da cerimônia de passagem de comando.
Foi a primeira vez desde a redemocratização que um comandante deixou de participar da tradicional solenidade. O fato que criou receios entre oficiais de que uma possível insubordinação de marinheiros, insuflados por Almir Garnier, pudesse vir à tona.
A insatisfação de oficiais e praças também ficou demonstrada com a assinatura de diversos militares da ativa de uma carta apócrifa com recados contra o Poder Judiciário e a favor dos manifestantes golpistas nos quartéis.
No caso, a insubordinação ocorreu mais pela manifestação política de oficiais da ativa —o que é proibido— do que pelo teor da carta, visto que os ex-comandantes das Forças Armadas haviam, pouco antes, divulgado nota com discurso semelhante.
Com as suspeitas de possível insubordinação de militares e as críticas sobre a atuação das Forças Armadas no último domingo, José Múcio Monteiro passou a ser alvo de fritura de aliados de Lula.
Na terça-feira (10), ele chegou a desmentir boatos espalhados pelo deputado federal André Janones (Avante-MG) de que renunciaria. “É hora das pessoas responsáveis se juntarem para ajudar o presidente Lula a governar o país”, disse Múcio.
Na manhã de quarta (11), ex-ministros da Defesa participaram de uma reunião para defender Múcio e criticar a pressão que o PT tem feito sobre o ex-presidente do TCU (Tribunal de Contas da União).
Participaram da reunião ex-ministros dos governos Lula (Nelson Jobim), Dilma Rousseff (Jaques Wagner e Aldo Rebelo), Michel Temer (Raul Jungmann) e Jair Bolsonaro (Fernando Azevedo).