Ministra do Turismo não rendeu votos a Lula
Foto: Fábio Rossi/O Globo
Pivô de um forte desgaste do governo Lula já na primeira semana de mandato pelo apoio recebido de milicianos em eleições, a ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União-RJ) foi a deputada federal mais votada do Rio em outubro sob acusações de curral eleitoral junto ao seu marido e prefeito de Belford Roxo (RJ), Wagner Carneiro, o Waguinho. Mas o embarque do casal na campanha petista no segundo turno não alterou o jogo.
Como mostrou O GLOBO, pelo menos quatro homens suspeitos de integrarem milícias na Baixada Fluminense tiveram participação ativa em campanhas eleitorais da ministra.
Para um importante articulador da política do Rio que mantém diálogo frequente com Waguinho e o União Brasil, a dinâmica eleitoral da Baixada Fluminense “não é novidade para ninguém”, mas o clã Carneiro subestimou o quadro político ao não ponderar que os “esqueletos” poderiam vir à tona – especialmente em um tema caro à esquerda local, como as milícias.
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“Uma cidade com o contexto de Belford Roxo certamente não estaria preparada para um pente-fino esperado para um cargo de relevo como o de ministra”, resume um deles, sob reserva, em referência à simbiose entre milícia e poder público.
A despeito do uso intenso da máquina pública da prefeitura a favor de Lula, como mostramos no blog em outubro, o petista recebeu apenas 4,7 mil votos a mais na segunda rodada – enquanto Bolsonaro, derrotado na eleição nacional, ampliou sua margem em quase 20 mil eleitores.
Eleita nas urnas com o nome Daniela do Waguinho, a ministra recebeu 213.706 votos, dos quais 52% de Belford Roxo, cidade de meio milhão de habitantes – vantagem que, segundo denunciaram opositores, se deveria à intimidação na campanha do primeiro turno pelo prefeito e a então deputada, variando de intimidação a mão armada à desapropriação de partidos de oposição.
Daniela aproveitou o raro comício de Lula no município, em 11 de outubro, para se defender indiretamente.
“Não foi voto comprado, foi voto conquistado”, declarou no palco do evento, à frente de Lula e outras lideranças, ao se referir à sua votação expressiva.
Naquele dia, Lula cruzou parte da cidade em uma caminhonete ao lado de Waguinho, Daniela e a atual primeira-dama, Janja, junto à militância e populares. Ao longo da agenda, a equipe da coluna identificou diversos indícios do uso da máquina municipal a favor do candidato do PT.
Nos dias anteriores ao evento, denúncias de pressão da prefeitura de Belford Roxo sobre funcionários para que apoiassem Lula nas redes e comparecessem ao comício se multiplicaram nas redes. Alguns deles relataram na última sexta-feira terem exercido “jornada dupla” para fazer campanha por Daniela.
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Dezenas de funcionários da rede municipal de ensino compareceram ao evento e acompanharam uniformizados os discursos de lideranças como a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD) e do próprio casal de Belford Roxo.
Estes mesmos servidores, quando abordados e informados sobre a reportagem, encerravam a conversa rapidamente. Em uma das entradas do clube, foi possível testemunhar pessoas sem adereços do PT indagando, aos gritos, qual era a entrada do “pessoal do Waguinho”.
Nos arredores do clube, registramos a saída de vans com adesivos tampados, presumivelmente a serviço de órgãos públicos. A bordo, havia diversos participantes do evento – nenhum com as tradicionais cores do PT.
Havia, ainda, vários ônibus de uma empresa de transporte público sediada em Belford Roxo aguardavam participantes do comício. Um grupo de funcionárias de uma creche, que ainda vestiam seus uniformes, embarcou em um dos ônibus – que não operavam linhas regulares.
A ministra, que passou a utilizar o nome Daniela Carneiro à frente do Turismo, teve sua nomeação atribuída a uma retribuição ao empenho de seu marido e correligionário na campanha do PT no segundo turno. E, mesmo assim, sua ascensão foi considerada surpreendente mesmo para observadores experientes da política fluminense.
Dirigente estadual do União Brasil, Waguinho foi o único mandatário da Baixada Fluminense a apoiar Lula contra Jair Bolsonaro após a articulação do presidente da Assembleia Legislativa do Rio, André Ceciliano (PT) – uma aposta arriscada que, logo após a conclusão da eleição, se mostrou acertada.
Antes, porém, ele chegou a se reunir com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) para acertar os termos de uma possível adesão ao então presidente e candidato à reeleição. O embarque na canoa do PT causou um racha no seu grupo político e seu braço-direito, o deputado estadual Márcio Canella (União), caminhou com o bolsonarismo.
Sua indicação uniu o útil ao agradável na composição da Esplanada lulista: Daniela contemplou a bancada de seu partido, o União Brasil, na Câmara; aumentou a representatividade feminina e garantiu um afago a Waguinho pelo desgate político no Rio ao se atrelar ao PT. Mesmo assim, o líder do União na Câmara, Elmar Nascimento (BA), tem dito que a bancada se manterá independente.