Ministro da Defesa diz que militares foram controlados
Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles
A semana que passou foi a primeira, depois de quase dois meses, em que as Forças Armadas deixaram de ocupar as manchetes do noticiário. Não há acampamentos golpistas na frente de quartéis nem sinais de insubordinação na tropa. Os novos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica assumiram a defesa da legalidade e trabalham para que suas corporações retomem as tarefas constitucionais, afastando da caserna as paixões políticas. A mais grave crise envolvendo militares e o poder civil desde a redemocratização está sendo superada pela política.
Este fim de semana é o primeiro em que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, consegue descansar após os tormentosos dias que culminaram no 8 de janeiro. Ao Correio, ele confirmou a virada no clima.
“Espero que todos os meus fins de semana sejam tranquilos a partir de agora”, disse, após assegurar que o ambiente nas Forças Armadas “está totalmente pacificado” porque os militares “sabem o papel que desempenham como instrumento do Estado brasileiro”. “Estamos confiantes de que as relações com as Forças Armadas serão cada vez mais tranquilas, em prol do país.”
A troca de comando no Exército, na Marinha e na Aeronáutica foi marcada por chás de cadeira e gestos mal educados. Múcio traçou como estratégia isolar os bolsonaristas radicais e atrair os oficiais legalistas. Os três chefes das Forças decidiram deixar os cargos em 22 de dezembro, para não terem que bater continência ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O então comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior, foi o primeiro a distensionar o diálogo. Ficou no cargo até a designação do sucessor e, em 2 de janeiro, passou o comando ao tenente-brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno.
Quem barrou o diálogo com o novo governo foi o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos. Recusou-se a conversar com Múcio — que fez vários pedidos de audiência, todos negados — e sequer participou da cerimônia de posse do sucessor, Marcos Sampaio Olsen, que o deixou mal ante seus pares. Segundo relatos de quem acompanhou as tentativas de aproximação, o ministro ligou várias vezes para Garnier, “quase se humilhando, pedindo apenas uma brecha na agenda para que pudesse se apresentar”.
O clima pesado entre os dois só se desfez depois que o almirante se arrependeu, após a posse do sucessor. Militares ligados a Garnier fizeram a ponte para que se encontrasse com Múcio no almoço com o almirantado. O convite para que o ex-comandante comparecesse foi feito por Múcio.
O Exército foi a Força que mais demandou costuras políticas para a pacificação. Os acampamentos antidemocráticos nas portas de unidades militares estavam na mira da equipe do novo governo desde a tentativa de invasão à sede da Polícia Federal (PF), em 12 de dezembro, por radicais acampados em frente ao Quartel General do Exército.
O então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, passou o posto para Júlio Cesar de Arruda às 11h do dia 30, antevéspera da posse de Lula. Visto como “afável e educado”, o novo comandante manteve uma relação de cordialidade com Múcio nos poucos dias em que ficou no comando, mas se recusou a retirar os acampamentos. O terrorismo de 8 de janeiro atropelou a tolerância de Lula com o comandante do Exército. Os carros blindados obstruindo a entrada da Polícia Militar no acampamento no QG, onde se refugiou boa parte dos golpistas, é considerado um episódio ainda “obscuro”, segundo fontes ouvidas pelo Correio.
O ponto final para Arruda foi a recusa em revogar a nomeação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, para comandar o 1º Batalhão de Ações e Comandos, em Goiânia. A exoneração foi “uma decisão difícil de tomar”, segundo um alto funcionário do governo que participou das negociações.
Favoreceu a troca de Arruda o discurso do então comandante Militar do Sudeste, Tomás Ribeiro Paiva, no evento de homenagem aos militares mortos no terremoto do Haiti, em 2010. “Alguém me arrume o telefone desse cara, preciso do telefone dele”, pediu Múcio a assessores.
A primeira missão de Paiva, já comadante do Exército, foi resolver a situação de Mauro Cid. Convenceu o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro de que seria melhor enfrentar uma investigação da Polícia Federal — por suposto uso de caixa 2 envolvendo cartões corporativos da Presidência da República no governo anterior — sem estar no comando de uma unidade estratégica.
Na terça-feira, Paiva reuniu a cúpula do Exército e demarcou o território da legalidade. Não recebeu nenhuma objeção dos colegas. “São todos disciplinados e hierarquizados”, assegurou uma fonte ligada ao Alto Comando.
O temor de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) estivesse insuflando sua base de apoiadores nos quartéis para deflagrar um golpe de Estado ganhou corpo em 2021 quando, no feriado de Sete de Setembro, em São Paulo, quando o então chefe de governo afirmou, em discurso aos apoiadores, que só deixaria o Palácio do Planalto “preso ou morto”. A partir daquele momento, com a popularidade em queda, principalmente por causa da errática política de enfrentamento da pandemia de covid-19, ele intensificou os ataques à Justiça Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal. E fazia questão de dizer “meu Exército” sempre que se referia à Força, como se fosse a garantidora de seu governo e de suas decisões.
No feriado da Pátria do ano passado, Bolsonaro misturou comemoração cívica com palanque eleitoral, sem constrangimento. Promoveu comícios pela reeleição (ao arrepio da legislação eleitoral) em São Paulo e em frente ao Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, com direito a exibição da Esquadrilha da Fumaça e dos paraquedistas do Exército. Dali participou de uma motociata, pediu votos na “luta do bem contra o mal”, chamou o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu principal oponente, de “ladrão” e destacou ações de seu governo, como a queda do preço da gasolina e do diesel.
Com a derrota do projeto de reeleição, bolsonaristas radicais começaram a se reunir na frente dos quartéis para reivindicar uma intervenção militar no país que impedisse a posse de Lula. Depois do terrorismo de 8 de janeiro, todos foram desmontados pelas polícias militares dos estados, mas as marcas da contaminação da extrema direita entre os militares permaneciam expostas.
A suspeita de que o Exército não se preparou para defender o Palácio do Planalto dos vândalos bolsonaristas pôs em xeque o comando do chefe do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), coronel Paulo Jorge Fernandes da Hora. Imagens gravadas durante a invasão reforçam a suspeita de leniência do grupamento diante dos invasores.
A substituição de Da Hora já estava prevista para meados de fevereiro, de acordo com a lista de promoções aprovada pelo Alto Comando do Exército em maio do ano passado, a mesma que designou o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, para comandar o 1º Batalhão de Ações e Comandos, em Goiânia. Mas o próprio Da Hora decidiu antecipar sua saída.
O governo também espera que o comandante Militar do Planalto, Gustavo Henrique de Menezes, tome a mesma atitude, já que a saída dele está prevista apenas para março. Até o fim da semana passada, mais de 80 militares perderam os cargos na estrutura da Presidência da República.