“Moro de saias” pode cassar “Moro de calças”

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Foto: Rodolfo Buhrer/Reuters

Na ação em que pede anulação do mandato do senador eleito Sérgio Moro, o PL argumenta que as acusações que pesam contra o ex-juiz se assemelham às que justificaram a cassação da ex-senadora Selma Arruda, conhecida como “Moro de saias”, em 2020. O processo, movido em novembro de 2022, teve o sigilo levantado nesta semana pelo desembargador Mário Helton Jorge, do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR).

O partido de Jair Bolsonaro quer que a cadeira do Estado no Senado seja assumida interinamente pelo deputado federal Paulo Martins (PL-PR), segundo colocado na disputa que elegeu o ex-juiz, e alega que o braço-direito e primeiro suplente de Moro, o advogado Luís Felipe Cunha, se beneficiou com contratações que ultrapassam R$ 1 milhão do União Brasil e do Podemos. A acusação diz ainda que o senador obteve vantagem com a estrutura e a exposição midiática de sua pré-candidatura à Presidência, comprometendo o equilíbrio com os demais candidatos ao Senado.

A ex-juíza Selma Arruda ganhou o apelido “Moro de saias” após ficar conhecida em Mato Grosso pelo histórico de decisões em casos de corrupção. Eleita para o Senado em 2018, foi cassada por caixa 2 e abuso de poder econômico, dada a “vultosa quantia de gastos que aconteceram antes da campanha sem a devida contabilização”, segundo entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A ex-juíza realizou despesas com fins eleitorais, como a contratação de empresas de pesquisa e de marketing, antes do início oficial do período de campanha, e, segundo o julgamento da Corte, saiu com vantagem em relação aos demais candidatos. Na ação, o PL lembra que a ex-juíza “perdeu o mandato eletivo justamente por ter se beneficiado de serviços tipicamente eleitorais em período vedado”, relacionando o caso à conduta de Moro.

Segundo o PL, os gastos iniciais de Moro no Podemos, legenda pela qual concorreria à Presidência, resultaram em benefícios eleitorais e, se levados em consideração, ultrapassam o teto da campanha para senador, que é de cerca de R$ 4,4 milhões. Como mostrou o Estadão, a pré-campanha presidencial de Moro custou ao menos R$ 2 milhões para o Podemos. O partido pagou a contratação de pesquisas, segurança privada, viagens, aluguéis de carros e um salário de R$ 22 mil ao ex-juiz. Essa despesa, porém, não foi incluída na prestação de contas, pois ocorreu antes do período oficial de campanha.

“O conjunto das ações dos investigados (Moro e seus suplentes) é orquestrado de forma a usufruir de estrutura e exposição de pré-campanha presidencial para, num segundo momento, migrar para uma disputa de menor visibilidade, menor circunscrição e teto de gastos vinte vezes menor (a disputa pelo Senado), carregando consigo todas as vantagens e benefícios acumulados indevidamente. O estratagema culminou no colapso irremediável da igualdade de condições entre os concorrentes ao cargo de senador no Estado do Paraná”, diz o PL no processo.

Procurado, Moro afirmou que ele e seus suplentes aguardam notificação pela Justiça Eleitoral, mas disse ter certeza da lisura de suas ações. Ele chamou de “absurda” e “fantasiosa” a alegação de que sua pré-campanha à Presidência o teria beneficiado na disputa pelo Senado, dizendo que, na verdade, a desistência da corrida pelo Planalto causou “óbvio desgaste político e emocional”.

“Tentam nos medir com a régua deles. Mas nossa retidão moral é inabalável e inquestionável, como será novamente demonstrado. Ao final serão processados, eles sim, pelas falsidades levantadas”, disse, em nota. Procurado, o Podemos afirmou que “o partido não tem qualquer relação com a ação do PL contra Moro”.

Outra frente de argumentação do PL é que a contratação de empresas ligadas a Luís Felipe Cunha, que viria a ser o primeiro-suplente de Moro, indica o uso de recursos públicos para interesses pessoais e a existência de um “caixa 2″ na campanha. O ex-juiz nega.

Em dezembro de 2021, mês seguinte à filiação de Moro ao Podemos, o partido contratou a empresa Bella Ciao Assessoria Empresarial, de Cunha, para “elaboração de plano de governo”. O contrato previa o pagamento de R$ 360 mil em parcelas mensais de R$ 30 mil, mas foi encerrado quando Moro desistiu da disputa pelo Planalto e saiu da legenda, em março de 2022. Segundo o PL, a interrupção “confirma que o serviço se prestava exclusivamente à pré-campanha”. O processo também reúne atas da Junta Comercial do Paraná que apontam que a empresa de Cunha alterou formalmente sua área de atuação para supostamente se adequar à contratação pelo Podemos.

Após a saída de Moro do Podemos, Luís Felipe Cunha se filiou ao União Brasil junto com o ex-juiz, no fim de março. O novo partido de Moro, então, contratou outra empresa de Cunha, a Vosgerau e Cunha Advogados Associados, para prestar consultoria jurídica pelo valor de R$ 1 milhão, pago em quatro parcelas de R$ 250 mil. Cunha foi eleito primeiro-suplente do senador em outubro pelo mesmo partido.

“As contratações e movimentações financeiras entre partido, suplente e empresas relacionadas impelem irrefreavelmente na direção de fundada suspeita de ‘caixa 2′. O indício se agiganta com o contrato de empresa de advocacia do segundo investigado (Cunha) pelo partido que acolhe os candidatos, no valor de R$ 1 milhão, justamente no mês da mudança partidária (abril de 2022)”, diz o PL no processo.

Consultado pelo Estadão, o advogado especialista em direito eleitoral Alberto Rollo afirmou que a contratação, a princípio, não é ilegal, desde que os valores não sejam exagerados e que o serviço seja efetivamente prestado. Porém, segundo ele, o caso demanda investigação, pois as condutas de Moro e Cunha “podem parecer favorecimento a um interesse de filiado pago com recursos públicos”.

Moro e Luís Felipe Cunha negaram a existência de caixa dois na campanha e disseram, em nota conjunta, que o PL tenta sustentar a acusação “apenas com matérias de blogs e notícias plantadas”. “Não houve aplicação ilegal de recursos, tampouco caixa 2, triangulação ou gastos além do limite”, afirmaram.

Estadão