Provas de premeditação de golpe atingem Bolsonaro
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Depoimentos, documentos, postagens nas redes sociais e imagens gravadas durante o ato do último dia 8 obtidos por investigadores apontam que a ação de golpistas ao invadir as sedes dos três Poderes foi muito além de uma manifestação que saiu do controle, e pode configurar uma tentativa premeditada de depor o governo eleito. Essas evidências têm sido usadas pela Polícia Federal (PF) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para avançar sobre instigadores e mentores dos atos golpistas. Os indícios colhidos até aqui são considerados fundamentais para individualizar as condutas dos investigados, deixando claro qual era o objetivo final de cada um dos mais de mil presos.
Ao autorizar novas prisões na sexta-feira, o ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos que tratam dos atos no Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou já haver provas suficientes da participação dos alvos em organização criminosa que atuou para “tentar desestabilizar as instituições republicanas”. Naquele dia, cinco pessoas foram presas. Uma delas foi Renan Sena, ex-funcionário terceirizado do governo Bolsonaro que, dias antes, alertava em vídeos nas redes para uma “grande ação neste fim de semana”, em referência à ofensiva golpista do dia 8.
Segundo o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, que chefia o grupo criado pela PGR para investigar os atos, há quatro linhas de apuração simultâneas — dos executores, dos instigadores, dos financiadores e das autoridades — e a premeditação dos crimes será checada individualmente.
— Optamos por essa divisão para facilitar a coleta de provas. Sobre a premeditação, nós temos que analisar caso a caso, pessoa por pessoa— afirmou ao GLOBO.
Escolhido pelo presidente Lula para ser o interventor na segurança pública do Distrito Federal, Ricardo Cappelli chama a atenção para o preparo demonstrado pela linha de frente dos golpistas, indicando que seus movimentos já estavam planejados quando chegaram à Esplanada dos Ministérios. “Imagens mostram o momento em que homens se aproximam da primeira fila de gradis e, ao invés de empurrar, puxam, de forma sincronizada, derrubando a contenção. Segundo policiais, ‘manifestantes’ usavam rádios para se comunicar. Estamos apurando tudo. O dia 8 ainda não acabou”, afirmou Cappelli, em uma rede social.
Entre os principais indícios de premeditação colhidos até agora estão os próprios depoimentos de presos durante as invasões e no dia seguinte, no Quartel-General do Exército, onde o grupo se concentrou antes de se dirigir à Praça dos Três Poderes. Um dos presos relatou, por exemplo, que, desde a saída do QG, manifestantes afirmavam que a intenção era invadir o Congresso.
Em outro depoimento, obtido pelo GLOBO, um dos presos admite que o objetivo da manifestação era criar um tumulto a ponto que “as Forças Armadas fizessem algo para salvar o Brasil, e não deixasse que o presidente (Lula) acabasse com as Famílias e com a religião”.O rol de provas à disposição inclui uma série de publicações nas redes sociais que convocavam manifestantes com o claro propósito de confronto. Em um deles, encontrado pelo GLOBO, há a recomendação para “deixar idosos e crianças no QG”. Segundo o criminalista Aury Lopes Junior, professor de Direito Processual Penal da PUC-RS, outras evidências poderão ser obtidas a partir da quebra de sigilo telemático dos investigados.
— Se você está num grupo onde está sendo falado abertamente o que vai ser feito, você faz parte dessa associação criminosa. Se foi tudo desenhado, premeditado, se está acompanhando, significa dizer que você está premeditando, está planejando e, se foi preso, está executando — diz Lopes Jr.
De acordo com o advogado criminalista Taiguara Libano Soares, professor de Direito Penal da Universidade Federal Fluminense e do Ibmec-RJ, o fato de um crime ser premeditado não o torna mais ou menos grave, mas seus indícios permitem identificar de forma clara qual era o objetivo final. Segundo o Código do Processo Penal, toda conduta que incorra em um crime deve ser individualizada. Em outras palavras, é impossível imputar a todas as pessoas que participaram dos atos o crime de golpe de Estado apenas porque estavam presentes.
— Caso exista um acervo probatório que permita revelar que os agentes que participaram da invasão tinham interesse não apenas em depredar prédios públicos, mas depor o governo, isso permitiria a acusação por esse crime (golpe de Estado) — diz o criminalista.
Para o especialista, a tese de crime premeditado encontra mais dificuldade para ser comprovada no caso da atuação das forças de segurança no dia das invasões. Vídeos mostram pouca resistência e, em alguns casos, até mesmo conivência por parte de policiais que atuavam no dia. Para Soares, a exemplo dos invasores, o grau de premeditação teria que ser comprovado para além de uma possível prevaricação, isto é, omissão em relação ao seu dever funcional. Isso seria possível por meio da identificação de um eventual plano prévio de sabotagem.
Nesta segunda-feira, o Ministério Público Federal divulgou uma das denúncias apresentadas em relação aos atos. No documento, a Procuradoria inclui três imagens de convocação que confirmam que a invasão era planejada.