STF já pode baixar a guarda
Foto: O Globo
Foco de ataques antidemocráticos durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá um ano marcado pela diminuição de temperatura —ao menos na relação com o governo federal. O cenário, no entanto, pode não ser o mesmo em relação ao Congresso. A decisão do plenário da Corte que sacramentou a inconstitucionalidade do orçamento secreto desagradou parlamentares do Centrão, em especial o presidente da Câmara, Arthur Lira, e pode trazer novos atritos na relação entre os dois Poderes.
— Lula já está dando vários sinais de que pretende ter um bom relacionamento com o Judiciário. Já com o Legislativo, não sabemos. Já vimos um foco de tensão. O Legislativo se queixa, muitas vezes sem nenhuma razão, de intervenção do Judiciário naquilo que seria exclusivo do Legislativo. Pode ser que haja alguma tensão — aponta o professor de Direito Constitucional da Uerj Daniel Sarmento.
O tribunal atuou nos últimos anos para conter medidas controversas do governo Bolsonaro. Agora, na avaliação de Sarmento, ganha condições políticas de avançar em temas constitucionais. Uma das pautas no radar da Corte é a segurança pública, com o julgamento da “ADPF das favelas”, como ficou conhecida a ação em que o tribunal estabeleceu critérios para que sejam realizadas incursões policiais em comunidades, e a crise do sistema penitenciário, em meio à explosão de presos no país.
O marco temporal das terras indígenas, que tramita desde 2016, é outra promessa para 2023. Na ação, os ministros analisam se a demarcação de terras indígenas deveria seguir o critério do marco temporal, no qual indígenas podem reivindicar apenas terras já ocupadas antes da data de promulgação da Constituição de 1988.
Em meio aos atos antidemocráticos, a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, buscou evitar pautar temas sensíveis, estratégia que deve se manter no ano que vem. Exemplos são o reconhecimento do bullying homofóbico e a possibilidade de tornar legal o aborto até a 12ª semana de gravidez, ambos engavetados.
— O Supremo sentiu que há segmentos muito representativos da sociedade brasileira conservadores nos temas morais, o que envolve, por exemplo, direitos sexuais e reprodutivos, como o aborto. Eu não apostaria minhas fichas no Supremo entrando profundamente nessa agenda nesse próximo ano — acrescenta Sarmento
Um dos desafios do Judiciário será, por outro lado, dar uma resposta institucional aos atos antidemocráticos. O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, abriu duas investigações, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para apurar condutas ligadas ao presidente Jair Bolsonaro durante as eleições. Nas duas ações, o PT pede a inelegibilidade de Bolsonaro. Inquéritos sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que miram ataques às instituições, são outro elemento de pressão.
— Há preocupação com o fato de não ter o TSE tão apto assim, como tivemos no período eleitoral, para lidar com o tema das fake news e dos ataques à democracia. A expectativa é justamente que o STF comece a protagonizar mais essa discussão. Um debate que teremos é quem terá a competência nisso. Quem é detentor do julgamento? Quem é o juiz natural dessa discussão? — pondera Samara Castro, da OAB-RJ.
Marco Aurelio Ruediger, da Escola de Comunicação da FGV, destaca que há limites para a atuação do tribunal no tema:
— O Judiciário vai buscar alguns casos exemplares de punição em relação à questão da desinformação, das fake news, das estratégias de construção de ecossistemas nas redes para pressionar a democracia. Existe, porém, toda uma área ainda meio cinzenta sobre os limites desse tipo de regulação.
Há expectativa ainda sobre quais serão as indicações de Lula para o Supremo. Duas vagas serão abertas ao longo do ano com as aposentadorias compulsórias dos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, devido à idade. Ambos foram nomeados para o posto de ministro da Corte em governos petistas. Outra decisão com repercussão no Judiciário será a escolha do novo procurador-geral da República. O mandato de Augusto Aras se encerra em setembro. Lula já declarou não ter o compromisso de seguir a lista tríplice do Ministério Público Federal.