Após Tarcísio, Leite se aproxima de Lula
Foto: Bruno Santos/ Folhapress
Novo presidente nacional do PSDB, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, 37, reconhece o momento difícil que o partido atravessa, mas defende que a crise da legenda seja usada como oportunidade para a revisão de suas bandeiras.
“O momento não é fácil, mas talvez nunca tenha sido tão importante fortalecermos e termos o PSDB no cenário político nacional”, afirma.
Em 2022, o partido, assim como outras forças de centro, ficou espremido entre o petismo e o bolsonarismo. Pela primeira vez desde a redemocratização, não teve candidatura presidencial própria. Também perdeu seu principal reduto político, o governo de São Paulo, e viu a bancada na Câmara minguar para apenas 13 deputados.
Leite, político da nova geração, foi guindado ao comando da legenda para tentar revitalizar sua imagem, programa e apelo eleitoral. Ele diz que a ideia é o partido se apresentar como oposição ao governo Lula (PT), mas sem o caráter “destrutivo” do bolsonarismo.
“É uma oposição de forma responsável. Não é a que inviabiliza, é a que se posiciona sobre os temas e apresenta alternativas”, afirma ele, que não descarta se apresentar como candidato a presidente em 2026.
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O sr. está assumindo o PSDB em um dos momentos mais difíceis da sua história, após uma derrota eleitoral e a saída de quadros. Como pretende reerguer o partido? O momento do PSDB não é fácil, mas talvez nunca tenha sido tão importante fortalecermos e termos o PSDB no cenário político nacional. A eleição passada foi da polarização intensa entre o bolsonarismo e o lulopetismo, e o que o país vivenciou foi as pessoas indo às urnas contra um ou outro, contra a volta do Lula ou contra a permanência do Bolsonaro. A eleição tem que ser para as pessoas levarem sonhos, expectativas, para votarem a favor. O PSDB precisa usar o momento de crise como oportunidade para fazer a revisão do seu programa, dos seus posicionamentos e das bandeiras com as quais vai se apresentar para a população. As crises impõem revisão, reformatação.
Como o sr. recebeu a saída da senadora Mara Gabrilli para o PSD? Ela falou que o partido virou um nanico moral e não distribuiu adequadamente recursos para candidaturas femininas. Lamento a saída da senadora Mara Gabrilli, tenho apreço e carinho, mas lamento também a forma com que se comunicou em relação ao partido. O PSDB tem problemas, mas não tenho dúvidas de que continua sendo necessário. Porque não basta estar no centro. Tem que ter posicionamentos em relação aos temas, tem que saber se apresentar à sociedade. Esse é um desafio que a gente vai ter que cumprir agora. Respeito o PSD e o Gilberto Kassab [presidente do partido], mas qual é a agenda do PSD para o Brasil? Quais são os seus projetos? Respeito que a senadora tenha encontrado outro caminho, mas ela teve o atendimento com recursos à sua candidatura de vice-presidente.
O sr. quase foi para o PSD no ano passado. Não é uma crítica ao PSD, que é nosso aliado. Estou chamando a atenção para o fato de que os partidos que estão no centro, inclusive o PSDB, têm tido dificuldades de apresentar uma agenda clara. Um dos fatores que me levaram a não fazer a opção por uma mudança de partido acabou se confirmando: o PSD está na base do governo Lula e está também com o Tarcísio em São Paulo. São posições programaticamente muito distintas. Essa participação no governo Lula não é uma agenda, do ponto de vista ideológico, que eu defendo. Respeito quem o faça, talvez porque tenha outro propósito. A agenda do PT no Executivo federal não atende o que pensamos do ponto de vista de modernização da máquina pública, pois não avançará em privatizações, terá dificuldades com concessões, tem pouca clareza da responsabilidade fiscal, não consegue apresentar compromisso com redução do déficit e de despesas da máquina.
Senadores do PSDB declararam apoio a Rogério Marinho para a presidência do Senado. Esses acenos ao bolsonarismo trouxeram muito desgaste ao partido no passado. Por que repeti-los? Sou governador de um estado, não estou presente nas negociações para votações dentro do Congresso para poder afirmar tudo que se passou. Mas o PT e o PL de Bolsonaro estão juntos na Câmara dos Deputados, e nem por isso estão dizendo que o PT está associado ao bolsonarismo. No caso da eleição do Senado, essa afirmação é feita. Por que são dois pesos e duas medidas? O que pesa nas eleições nas Casas são os componentes internos, muito mais que a replicação da polarização nacional. A condução sobre os temas, o que foi engavetado ou levado adiante nas pautas, são os pontos mais usados pelos senadores como argumentos para os posicionamentos.
A terceira via não conseguiu encontrar espaço entre Lula e Bolsonaro em 2022. O que leva a crer que esse cenário mudará em 2026? Temos que construir as condições para chegar lá apresentando ao país uma alternativa à polarização. Não sabemos se Bolsonaro ou Lula serão candidatos em 2026. A gente tem a oportunidade até as próximas eleições para mostrar não apenas o “nem um, nem outro”, mas algo que as pessoas desejam. Esse é o nosso desafio.
O desgaste do bolsonarismo pode ajudar o PSDB a se reposicionar como maior opositor ao PT? Acho que sim, e no sentido de oposição não destrutiva, que cria obstáculos simplesmente. Mas oposição que critica, sugere alternativas, faz um debate profundo sobre os posicionamentos do governo e suas consequências. Esse é o diferencial. A gente quer ajudar a fazer com que o país vá melhor. O presidente Fernando Henrique uma vez falou algo que acho interessante: o centro precisa polarizar. Não precisa deixar de ser centro, mas tem de ter posições.
Como o sr. acompanhou a invasão às sedes dos três Poderes? Acha que o ex-presidente Bolsonaro contribuiu para isso? Foi um fato lamentável, que precisa ser repudiado. Foi rechaçado, os governadores se uniram para estarem juntos lá em Brasília no dia seguinte, com o presidente Lula, a presidente do STF, manifestando sua solidariedade. Houve um efeito colateral de gerar o entendimento entre os diferentes líderes sobre as nossas instituições e a nossa democracia. É preciso apurar as responsabilidades, de quem financia e quem insufla. Não posso afirmar de maneira objetiva o envolvimento de Bolsonaro, mas seguramente posso dizer que no mínimo não cumpriu o que se esperava moralmente de um ex-presidente da República de buscar apaziguar os ânimos. Ele não cumpriu com essa função e merece as investigações sobre seu envolvimento ou não.
Como o sr. vai conciliar o seu papel de governador que precisa se relacionar com o governo federal com o de presidente de um partido que faz oposição a esse mesmo governo? Dá para compatibilizar esses dois Eduardos Leites? Só existe um Eduardo Leite, não tem dois. O segredo para isso é justamente ter coerência de fazer a oposição de forma elevada, republicana, sem buscar inviabilizar o governo. Se fosse para encarnar outro papel, nem merecia a minha participação. Porque não é a forma de fazer política em que eu acredito, que é melhorar a vida das pessoas. Tenho divergências do ponto de vista ideológico e programático com o PT e com o presidente Lula e o governo que ele virá a fazer, mas eu não gero suspeitas sobre as suas intenções. Porque o grande problema da política é de que o debate está muito mais centrado em tentar convencer a sociedade sobre más intenções de um adversário. Eu não desconfio das intenções do presidente Lula. Só acho equivocadas.
O PSDB será oposição, então? Ou terá independência com relação ao governo? É uma oposição de forma responsável. Não é a que inviabiliza, é a que se posiciona sobre os temas e apresenta alternativas. Assumo a presidência do partido para fazer uma discussão interna e depois ali na frente vamos fazer uma convenção, e nem sei se serei eu que ficarei. Vou coordenar um processo de revisão de bandeiras, agenda do partido e depois vamos definir quem conduz o partido nos próximos anos.
O sr. pretende se candidatar a presidente em 2026? Perguntar isso para alguém que já foi prefeito e governador é como perguntar para um jornalista de um jornal no interior se quer trabalhar num grande veículo como a Folha. É natural, é legítima a aspiração. Mas tenho absoluta consciência e compreensão de que a política é muito dinâmica e sabe-se lá qual será a circunstância que teremos em 2026. Talvez a população esteja procurando outro perfil de candidatura. O Brasil teve de escolher nas últimas eleições se nós íamos nos atrasar para o século 18 do ponto de vista civilizatório ou se iríamos voltar só aos anos 80 do ponto de vista econômico. Eu acho que a gente precisa sair dessa. Vou buscar ajudar lá em 2026 para constituir uma força no centro. Se o meu nome ajudar a aglutinar, perfeito. Mas se não for, não tem problema, vamos ajudar outra pessoa que possa capitanear esse projeto.