Bolsonaro é o ponto obscuro dos atos golpistas
Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
Um mês após o episódio de invasão às sedes dos três Poderes em Brasília, as investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF) e Procuradoria-Geral da República (PGR) avançaram sobre participantes e financiadores dos atos golpistas, mas ainda há lacunas a serem preenchidas. Parte das questões em aberto envolve o papel do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e as possíveis conexões entre os atos do dia 8 de janeiro com a “minuta do golpe” encontrada na residência do ex-ministro Anderson Torres e o plano, relatado pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES), de grampear o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
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Veja a seguir, em seis pontos, o que ainda falta ser esclarecido sobre o 8 de janeiro:
Bolsonaro foi incluído no rol de investigados, a pedido da PGR, no inquérito conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes que apura a autoria intelectual dos atos do dia 8 de janeiro. A motivação do pedido foi o fato de Bolsonaro ter compartilhado um vídeo, dois dias após a invasão aos Poderes, sugerindo fraude na vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e com ataques ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ex-presidente pode ser enquadrado por incitação pública à prática de crime, já que o vídeo em questão repete suspeitas infundadas levantadas por Bolsonaro antes, durante e depois o processo eleitoral, e que também teriam motivado os manifestantes golpistas na invasão em Brasília.
Também há inquéritos em andamento contra outras autoridades, como o governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), o ex-ministro e ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres.
Até agora, a PGR já apresentou denúncias contra 653 pessoas por envolvimento nos atos golpistas. A maioria foi presa em flagrante no dia dos atos e, caso o STF aceite as denúncias, responderá por práticas como organização criminosa e incitação ao crime por estímulo à animosidade entre as Forças Armadas e os poderes constitucionais.
Outro item que ainda pode ser esclarecido nas investigações são as eventuais conexões entre os atos do dia 8 de janeiro com dois episódios que, embora cronologicamente anteriores, só vieram à tona depois da invasão aos Poderes. Um deles é a minuta de um decreto presidencial encontrada com o ex-ministro bolsonarista Anderson Torres, que foi preso em janeiro. O documento propunha a decretação de um “estado de defesa” no TSE com o objetivo de “revisar” o processo eleitoral.
Há evidências de que a minuta foi redigida cerca de 30 dias antes dos atos golpistas de 8 de janeiro. O texto fazia menção à data da diplomação de Lula em 12 de dezembro, definida apenas no começo daquele mês. Torres negou ter conhecimento sobre a autoria do documento. Segundo o blog do jornalista Valdo Cruz, no g1, investigadores da PF encontraram “fragmentos de digitais de diversas pessoas” na minuta.
Também no início de dezembro, aproximadamente um mês antes dos atos golpistas, o ex-deputado Daniel Silveira, preso na semana passada, procurou o senador Marcos do Val (Podemos-ES) para convidá-lo a uma reunião com Bolsonaro. Na reunião, Silveira apresentou um plano para que o ministro Alexandre de Moraes fosse gravado às escondidas por Do Val, com o objetivo de extrair alguma informação que colocasse dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral e da atuação do Judiciário.
Os dois episódios ocorreram em uma janela temporal próxima aos atos golpistas, e tinham objetivos semelhantes, de acordo com informações preliminares: induzir um cenário de instabilidade institucional que pudesse abrir margem à reversão do resultado das urnas.
Até o início de fevereiro, a Advocacia-Geral da União (AGU) já havia obtido na Justiça o bloqueio de bens, no valor total de R$ 18,5 milhões, contra 92 pessoas físicas e sete empresas acusadas de financiamento ou participação nos atos golpistas. Nesta terça-feira, a AGU solicitou que o bloqueio atinja mais 42 pessoas presas em flagrante nos atos, e que suba para R$ 20,7 milhões.
Em janeiro, após analisar a situação de 1,4 mil pessoas presas em Brasília, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, concedeu liberdade provisória mediante medidas cautelares a 464 pessoas, e colocou outras 942 em prisão preventiva. Desde então, novas fases da Operação Lesa Pátria, deflagrada pela PF no dia 20 de janeiro, miraram mais suspeitos de participação nos atos golpistas.
Nesta terça, por exemplo, quatro policiais militares DF suspeitos de omissão e conivência na invasão às sedes dos Poderes foram alvos de mandados de prisão cumpridos pela PF, incluindo o coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, responsável à época pelo departamento operacional da PM. Também foram alvos em outras fases da operação ex-candidatos e empresários que foram identificados em registros da invasão ao Congresso, ao STF e ao Palácio do Planalto.
Após ter identificado falhas operacionais nas forças de segurança do Distrito Federal, outro foco de atenção do governo Lula é a apuração de responsabilidades dentro das Forças Armadas. O general Tomás Paiva — nomeado para o comando do Exército em substituição ao general Julio César Arruda, cuja conduta após a invasão aos Poderes desagradou Lula — disse que o andamento das investigações pode atingir “qualquer militar ou civil” e que “ninguém está acima da lei”.
Desde os atos golpistas, Lula exonerou cerca de 90 militares de postos do Palácio do Planalto, incluindo integrantes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). No fim de janeiro, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, declarou que o comando do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) será punido caso seja comprovada omissão durante a invasão ao Planalto.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou um conjunto de medidas, apelidadas de “pacote antigolpe”, em reação à invasão dos Poderes, com o objetivo de coibir novos atentados contra instituições e contra a democracia. As medidas incluem a criação de uma “Guarda Nacional” e a elaboração de um projeto de lei para punir financiadores de atos golpistas.
A pauta econômica do governo, que inclui o envio de uma proposta de reforma tributária ao Congresso no primeiro semestre, acabou adiando a apresentação do pacote antigolpe. A tendência, contudo, é que o tema ainda seja retomado pelo governo petista.
Afastado do cargo por decisão do STF após os atos golpistas, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), busca reverter a medida e retornar ao cargo. O afastamento de Ibaneis foi estipulado inicialmente em 90 dias. A vice-governador Celina Leão (PP) está no exercício do cargo desde a segunda semana de janeiro.
Segundo a CNN Brasil, Ibaneis pretende pleitear seu retorno ao cargo com base no relatório do interventor federal no DF, Ricardo Cappelli, apresentado no início deste mês, que eximiu o então comandante da Polícia Militar, coronel Fábio Augusto Vieira, de responsabilidade direta nas falhas de segurança.