Brasil lucrará mais com a China sob Lula

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Foto: Sarah Silbiger/The New York Times

Depois do encontro com Joe Biden em Washington, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acelerou os preparativos para desembarcar em março na China. A viagem ao principal parceiro comercial do Brasil expõe de forma acentuada a mudança de rota da política externa, marcada nos últimos anos pelos atritos e provocações do governo de Jair Bolsonaro (PL) com os chineses.

A aposta da diplomacia brasileira agora é retomar protagonismo em fóruns internacionais e alavancar os Brics, bloco que inclui também a Rússia, a Índia e a África do Sul. A ida de Lula a Pequim é tratada no Itamaraty com “senso de prioridade” e dá sequência a um roteiro eminentemente político nos Estados Unidos e mesmo na Argentina e Uruguai.

Pela distância do deslocamento, a expectativa é de que Lula fique quatro dias na China. A viagem está prevista para a última semana de março. As atividades principais com o líder chinês, Xi Jinping, devem se concentrar no dia 28.

Os diplomatas dos dois países discutem a programação da viagem no momento da escalada de tensões entre China e Estados Unidos, que vão das disputas comerciais à geopolítica, passando pela questão de Taiwan e pela recente guerra de narrativas sobre os “balões-espiões”. O Brasil não quer ser envolvido no caso. A impressão de diplomatas, brasileiros e americanos, é a de que se trata apenas de uma questão bilateral. De qualquer forma, a diplomacia de Biden acompanha atenta a visita de Lula, dado o avanço da presença chinesa na América Latina.

Em entrevista durante a visita aos Estados Unidos, presidente também afirmou não querer entrar na ‘guerra fria’ entre EUA e China

Lula visitou a China em 2004, 2008 e 2009. Desde que as relações diplomáticas foram estabelecidas, em 1974, outros seis presidentes brasileiros pisaram no país: João Figueiredo, José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro. O momento-chave dos preparativos da viagem de março será um encontro entre o chanceler Mauro Vieira e seu homólogo chinês, Wang Yi, em Nova Délhi, no fim deste mês, à margem da reunião do G-20, presidido pela Índia. Esses diálogos costumam acertar os detalhes finais da visita.

Na avaliação de um embaixador envolvido nos preparativos da ida a Pequim, o que definiu a visita do presidente brasileiro aos Estados Unidos, de caráter mais político, foi a defesa da “democracia”. Já na China, a expectativa é ir além da discussão política. O tema estará presente na defesa da reforma de fóruns multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, mas também nas conversas para discussão ampliada sobre a guerra na Ucrânia. Lula tem dito que deseja trazer os chineses à mesa. Ele considera a China ator essencial no esforço para sensibilizar a Rússia e chegar a um acordo de paz.

Apesar de ter visitado Pequim, Bolsonaro fomentou crises com representantes chineses, protagonizadas por seus filhos e ministros. A própria diplomacia presidencial foi abalada, com visita anterior de Bolsonaro a Taiwan, ainda na campanha eleitoral de 2018, e as acusações de que os chineses desejavam “comprar o Brasil”. A ilha é considerada um território “rebelde” que Pequim deseja anexar. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) chegou a responsabilizar a China pela pandemia.

A ida à China nos primeiros meses de mandato de Lula vinha sendo preparada pela equipe do petista desde a transição. Na ocasião, o grupo das relações exteriores sugeriu os preparativos para que ocorresse durante os primeiros cem dias de governo. No diagnóstico da equipe, até então sigiloso, o movimento de afastamento político da China verificado na era Bolsonaro foi “fundado por motivações ideológicas” e a cooperação deve ser retomada com base nos interesses concretos em comum.

O relatório obtido pelo Estadão destaca que o governo Bolsonaro, “ao hostilizar ostensivamente a China, criou constrangimentos desnecessários com nosso principal parceiro comercial e país produtor de produtos hospitalares essenciais, vacinas e seus insumos básicos”. Entre os objetivos traçados estão retomar a cooperação em ciência, tecnologia e inovação, como inteligência artificial e biotecnologia, e o apoio a iniciativas conjuntas de produção de imunizantes, medicamentos e insumos farmacêuticos em geral.

Embora não tenha comparecido à posse de Lula, Xi Jinping mandou sinais de bom relacionamento: escreveu uma carta ao petista e despachou para Brasília o vice-presidente Wang Qishan. Ele também se reuniu na ocasião com o vice-presidente Geraldo Alckmin e o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS).

A expectativa do setor privado é de que a viagem à China tenha viés comercial mais forte, favoreça a abertura de mercados no agronegócio e destrave discussões que dependem da interação entre governos. Em janeiro, por exemplo, Pequim anunciou que três frigoríficos brasileiros foram reabilitados para exportação.

A viagem do presidente Lula à China ganhou mais importância com a sua decisão de indicar a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) para presidir o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), instituição financeira dos Brics. A sede do banco fica em Xangai.

Dilma sofreu impeachment em 2016 e, desde então, não voltou a ocupar cargos públicos. Durante a campanha eleitoral do ano passado, circularam rumores de que Lula esconderia a ex-presidente para que a rejeição dela não colasse nele, mas isso não ocorreu.

Do lado brasileiro, há interesse em ampliar o atual patamar de US$ 70 bilhões de investimentos chineses em setores estratégicos, como energia e infraestrutura. O comércio bilateral, da ordem de US$ 150 bilhões, é favorável ao Brasil, com superávit de US$ 28 bilhões, no ano passado. Os produtos-chave são commodities, soja e minério, mas também se busca aumentar esse relacionamento com exportações de alto valor, como aviões.

Na lista de entregas está a abertura de um consulado em Chengdu, decidida ainda na gestão de Bolsonaro. A cidade é um polo tecnológico. Embora trabalhem para acelerar a abertura, postergada por causa da pandemia, diplomatas dizem que a inauguração talvez não se concretize a tempo da visita de Lula.

A viagem ainda pode se dividir em até duas cidades: Pequim e Xangai. O pacote oficial inclui um jantar e visitas ao presidente Xi Jinping, ao primeiro-ministro Li Keqiang e à Assembleia Popular Nacional, além de passagem na Grande Muralha e um seminário organizado pela Apex-Brasil.

Há acordos em diversas áreas sendo levantados pelo Itamaraty. Uma possibilidade é expandir a cooperação espacial, com o lançamento de um novo satélite produzido em parceira. O programa Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres já produziu e colocou em órbita seis satélites.

Lula levará à China numerosa comitiva. Uma mostra foi a presença de vários ministros na reunião preparatória da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação, na quarta-feira, no Itamaraty. Coordenador da comissão, o vice-presidente Geraldo Alckmin deverá ficar no Brasil para assumir o Executivo na ausência de Lula.

Em janeiro, Lula se encontrou com Alberto Fernández e participou da Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac)

O brasileiro se reuniu, ainda no mês passado, com Lacalle Pou e visitou José Mujica.

Lula foi a Washington no dia 10 deste mês. Reuniu-se com Joe Biden e com deputados democratas e líderes sindicais

Viagem de quatro dias está prevista para março. Lula deve se reunir com o presidente Xi Jinping e com o primeiro-ministro Li Keqiang

Em abril, o presidente brasileiro deve participar de evento com autoridades portuguesas

Visita prevista para maio deve marcar a retomada de relações com países africanos

Em agosto, Lula deve participar de reunião de cúpula dos Brics, com Rússia, Índia, China e África do Sul

Em setembro, está prevista reunião de cúpula do G-20

Ainda em setembro, Lula deve comparecer à Assembleia-Geral da ONU

Estadão