Cartões corporativos de Bolsonaro ainda surpreendem
Foto: Isac Nóbrega
Foram amplamente noticiados, pela imprensa profissional, os elevados valores atribuídos aos cartões corporativos da Presidência da República, durante o mandato do Presidente Jair Bolsonaro. As comparações subsequentes, entre governos que o antecederam, em certa medida, minimizaram o ocorrido. Isso porque durante o governo do Presidente Lula os valores foram mais elevados.
Foram, então, apresentados cálculos comparativos, entre os totais de despesas com cartões corporativos, durante os governos dos presidentes Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Essas comparações ocorreram com base em valores corrigidos pela inflação e por meio da média dos valores. Tais comparações são justas e precisas, pois evitam eventuais distorções de valores no tempo e, por serem nas médias, permitem também comparações mais ponderadas.
Cartões corporativos são meios eletrônicos para realizar despesas públicas em situações em que o processo normal de aplicação não ocorra. Isso significa – conforme o expresso no Art. 68, da Lei Federal 4.320/64 -, que há objetos de despesa cujos valores a serem pagos decorrem de suas características e das condicionalidades que a compra impõe. São despesas particularizadas pelo o quê será comprado e a peculiaridade da compra, o que permite maior celeridade.
É bom destacar que promover rapidez nas compras públicas não é o mesmo que permitir flexibilidades indevidas. Essa necessária ressalva evita dar força à permissividade de atribuir aos cartões corporativos a condição de instrumentos de burla.
Para bem entender isso, é forçoso saber que na contabilidade aplicada ao setor público há despesas para as quais se utiliza o “regime de adiantamento”. Nesse regime, primeiro há a entrega de valor à responsável para a posterior compra ou aquisição e, na sequência, é que haverá a prestação de contas. A usual entrega de valor, a quem quer que seja na administração pública – responsável ou credor -, somente ocorre quando após a efetivação da aquisição. No regime de adiantamento, como o termo induz, antes há entrega e posteriormente a comprovação.
Para bem compreender isso, se faz necessário saber que os meios legais de processamento da despesa pública, ou seja, as etapas que o dinheiro público normalmente cumpre para realizar pagamentos são as licitações, as emissões de notas de empenhos e as liquidações (o mesmo que comprovações). Somente após essas etapas é que o valor em espécie será transferido para responsável e aí será realizado o pagamento junto ao credor. Isso tudo ocorre para que haja a devida cautela e controle para bem efetivar compras ou pagamentos de serviços. O importante a notar é que os valores devidos somente são liberados após a entrega do bem ou serviço.
A diferença disso tudo pode ser ilustrada entre o desejo de um consumidor qualquer pela compra de uma geladeira e o de compra de um litro de leite. O primeiro objeto, a geladeira, permite pesquisas de preços, escolhas e, consequentemente, determinações anteriores a compra. Busca-se com tais cautelas vantagens comparativas em termos de preço e qualidade do bem. O litro de leite é comprado por outros motivos. Pesquisas de preços não são tão determinantes quanto a facilidade de acesso ou a rapidez da necessidade do consumo. Em outras palavras, escolho um bem por meio de maior precaução e acurácia e outro com base na necessidade imediata.
Na realidade, o verdadeiro montante das despesas dos três cartões corporativos à serviço do Presidente Jair Bolsonaro – que talvez ultrapassem R$ 75 milhões ao longo dos quatro anos de mandato presidencial – ainda estão sendo levantadas. Essa imprecisão decorre da desinformação administrativa, característica do governo Bolsonaro, como o observado no caso de óbitos decorrentes da COVID 19, estoques de vacinas, valores do orçamento público e muitas outras que ainda serão apuradas. Por decorrência disso, ainda é cedo para comparações quanto a totais. O que já se sabe é que os saques em espécie ocorreram com regularidade e as comprovações de uso ainda não existem.
O importante desta situação toda é poder observar que os cartões corporativos permitem identificar com precisão no que ocorreu a despesa, quem a autorizou, quando foi realizada e outras informações e sobretudo identificar lacunas de informação. No caso dos cartões corporativos podem ocorrer desvios, porém, quando comprovados, podem ser devidamente punidos.
Só para haver ideia do que está aqui sendo analisado, um cartão corporativo permite saques mensais em espécie de R$ 25 mil. Havia três à disposição do Presidente Jair Bolsonaro, sendo assim, ao longo de quatro anos foi, talvez, possível sacar, em espécie e em valores nominais, até R$3,6 milhões. Esses valores exigem comprovantes de despesas, caso esses inexistam os valores deverão ser ressarcidos.
Nesse aspecto – e daí decorre a precisão que os cartões corporativos oferecem -, há que se notar a simultaneidade temporal entre eventos promovidos, como foram alguns dos passeios de motocicleta do Presidente Jair Bolsonaro, e as despesas de seus cartões corporativos. Fica possível fazer a associação entre dinheiro público e finalidade, pois a coincidência com o período eleitoral permite. Penso aí haver potencial de ilícito ou desvio de finalidade, porém, essa certeza depende de justo julgamento e, no momento, não se deve acreditar que isso ocorreu com absoluta certeza. É obrigatório haver a prévia plena verificação e comprovação e o amplo direito de defesa.
De qualquer forma, a lição maior é que atualmente, com bases nas tecnologias de informação, desvios pequenos ou mesmo relevantes do dinheiro público são evitáveis ou passíveis de punição. A tecnologia atual impossibilita eliminar rastros nas movimentações financeiras ou de valores. Sorte a de todos nós, os honestos!