Centrão abocanha 1/3 do fundo partidário
Foto: Aloisio Mauricio/Fotoarena
A expansão política do Centrão vai se refletir este ano na distribuição do Fundo Partidário às legendas. Representantes mais simbólicos do bloco, PP, PL e Republicanos, que no ano passado receberam 16% dos recursos, serão donos agora de mais de um terço da verba pública repassada — o equivalente a R$ 411 milhões do bolo de R$ 1,18 bilhão. O GLOBO calculou os valores a serem destinados a cada partido com base nos percentuais divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Com mais deputados (99), o PL registrou o maior crescimento em relação a 2022. A sigla comandada com mão de ferro por Valdemar Costa Neto saltou de R$ 56 milhões recebidos no ano passado para uma previsão de R$ 213 milhões neste ano. Isso equivale a um aumento de 279%, o que levou o partido a se tornar o dono da maior fatia do Fundo em 2023.
Outros dois de seus aliados no Centrão vêm na sequência na lista de maiores variações no período: o PP, com uma bancada de 49 deputados, pulou de R$ 58 milhões para R$ 104 milhões (alta de 78%), e o Republicanos (41 parlamentares), de R$ 53 milhões para R$ 104 milhões.
A turbinada nos valores ocorre após o bloco aumentar suas bancadas no Legislativo na última eleição. O pleito ocorreu na sequência de um movimento de associação ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que se filiou ao PL e contou com a sustentação política de PP e Republicanos — a divisão do Fundo é proporcional à quantidade de parlamentares. Sem coloração ideológica definida, o Centrão orbita todos os governos desde a redemocratização e atualmente tem poder para barrar ou aprovar projetos que interessem ao Planalto — na Câmara PP, PL e Republicanos somam 189 deputados.
O bloco ganhou ainda mais protagonismo com Bolsonaro, ao trocar apoio no Congresso pelas emendas que ficaram conhecidas por orçamento secreto. O grupo, sob a articulação de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, ajudou o ex-presidente a aprovar seus projetos prioritários na segunda metade do mandato, entre elas uma emenda à Constituição que autorizou o aumento dos gastos em pleno ano eleitoral.
Com a mudança de ventos no cenário político, antes mesmo da posse de Lula, o bloco já negociou com o então governo eleito para aprovar a PEC da Transição, que deu folga fiscal no início da gestão petista e abriu caminho para o cumprimento de promessas de campanha. Agora, em um novo lance, passou a articular cargos com o Planalto para manter o apoio.
Cientista político da FGV, Claudio Couto, aponta uma correlação entre o aumento da participação das siglas do Centrão no Fundão e o orçamento secreto no governo Bolsonaro. Para Couto, essa prática criou uma desproporção na divisão dos recursos.
— Esses partidos estavam próximos ao governo Bolsonaro e tiveram acesso a recursos do orçamento como nunca. Essa desproporção e outros mecanismos, como a PEC que permitiu o aumento de gastos antes do pleito, refletiram também na eleição de uma enorme bancada dos aliados de Bolsonaro, tanto nas disputas estaduais, como na eleição ao Senado.
Um dos caciques do PL e líderes da sigla no Rio, o deputado Altineu Côrtes rebate o argumento.
— A maioria da bancada do PL é um reflexo da polarização do processo eleitoral passado. As emendas não são o motivo do crescimento.
Dono da segunda maior fatia do Fundo Partidário, o PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, receberá R$ 157,3 milhões. Seu crescimento em relação ao ano passado, no entanto, não é tão vistoso quanto o de seus adversários políticos. Em 2022, a legenda recebeu R$ 106,7 milhões, o que representa um aumento de 47%.
Entre os cinco partidos que receberão mais recursos neste ano, o único que verá sua fatia diminuir em relação a 2022 é o União Brasil. Até então a primeira na lista das maiores beneficiadas, a legenda de Luciano Bivar passou para a terceira posição, com R$ 121 milhões, uma queda de 19% frente ao ano passado. Fruto da fusão de DEM e PSL, o União se afastou de Bolsonaro na reta final de seu mandato, perdeu quadros da extrema-direita e agora se aproxima do governo Lula.
De campo político similar, o PSD, de Gilberto Kassab, elegeu 42 deputados e deverá ter mais de R$ 90 milhões para manter suas atividades partidárias ao longo do ano. O valor ao qual a sigla terá direito supera em 46% a quantia disponibilizada pelo TSE no ano passado.
Já o PSDB amargou queda significativa. Os tucanos, que elegeram só 13 deputados — e além disso perderam o governo de São Paulo pela primeira vez em três décadas —, levarão R$ 35 milhões do bolo, um decréscimo de 44%.
São 15 os partidos que não alcançaram desempenho suficiente nas eleições do ano passado para ter acesso ao dinheiro do Fundo Partidário. Quatro dessas siglas tinham direito às verbas em 2022 e precisarão agora se adaptar à nova realidade, lista que inclui o PTB, de Roberto Jefferson; o PSC, do Pastor Everaldo; e o Patriota, de Adilson Barroso. O Novo também está nesse rol, mas o estatuto do partido veta o uso dos recursos do Fundão.
O Solidariedade elegeu quatro deputados, enquanto o PROS conseguiu três cadeiras na Câmara. Individualmente, nenhuma das siglas superou a cláusula de barreira para ter direito ao dinheiro distribuído pelo TSE. Os caciques das duas legendas, assim, entraram em acordo para que a segunda fosse incorporada pela primeira — processo que foi autorizado pela Corte Eleitoral na semana passada. O percentual ao qual o Solidariedade passará a ter à sua disposição ainda não foi confirmado pelo tribunal.
Nem todos os valores disponíveis no Fundo Partidário, usado para despesas partidárias de água e luz, salários de políticos das legendas e viagens aéreas, chegam efetivamente aos caixas das agremiações. Há casos de valores retidos por conta de multas eleitorais, como ocorreu no caso do PL, que sofreu uma sanção imposta pelo ministro Alexandre de Moraes após contestar a validade dos votos no segundo turno da eleição presidencial.
O PL deve usar parte do dinheiro do Fundão para pagar os salários de R$ 39 mil para o ex-presidente e de R$ 33,7 mil para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. O candidato derrotado no segundo turno de 2022 não é o primeiro ex-presidente a ser bancado pelo Fundão. Antes de voltar ao Planalto, Lula também recebeu salário do PT.
Os partidos são altamente dependentes do Fundo Partidário. O Republicanos, por exemplo, bancou praticamente todas suas despesas no ano passado (97,3%) com esses recursos. A fundação da legenda recebeu a maior parte da verba (mais de R$ 11,5 milhões), que também foi usada para pagar advogados, alugar imóveis, e locar palcos e equipamentos de iluminação e som para convenções.
O montante total do Fundo Partidário escalou desde a minirreforma eleitoral de 2017, quando foi criada a regra da cláusula de desempenho para acesso aos recursos. Naquele ano, o Fundão distribuiu R$ 666 milhões a 35 legendas, sendo que o PT teve a maior fatia, com R$ 88 milhões, seguido pelo PSDB, com R$ 77 milhões. O PL que agora lidera a lista era apenas o sexto em 2017, quando ainda se chamava PR.
Diretor-executivo do Transparência Partidária, Marcelo Issa afirma que o mesmo Centrão que vê sua participação crescer no fundo tem trabalhado em prol de projetos que vão na contramão do controle e fiscalização dos gastos:
— O Fundo Partidário existe desde os anos 1960, e o critério de distribuição sempre foi o tamanho das bancadas. Embora tenha tido avanços como a prestação de contas do Fundo, temos visto projetos de lei que tentam acabar com isso e que são defendidos por grupos desses partidos. Um exemplo é o novo Código Eleitoral (PL 112). Essas propostas só não avançaram ainda por pressão da sociedade.