Governo Lula prepara mega plano anticorrupção
Foto: Cristiano Mariz
Após evitar na campanha eleitoral o tema dos antigos casos de corrupção envolvendo o partido, o PT vem intensificando os sinais de que está disposto a tentar reescrever a narrativa sobre os desvios ocorridos em mandatos anteriores e ignorar escândalos como o rombo na Petrobras. Em uma resolução divulgada pelo partido após reunião do Diretório Nacional que teve a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a sigla diz que foi vítima de “falsas denúncias” e criminalizada por um “projeto articulado”.
Nos últimos anos, a legenda vem se debatendo com o tema da corrupção, assunto visto como sensível por seus membros e um dos principais combustíveis do antipetismo. Após a anulação das condenações de Lula em abril de 2021, a tônica das notas e resoluções do diretório do partido vinham batendo na tecla de que ele havia sido “preso injustamente” e que teria sido alvo de um processo de perseguição capitaneado pelo ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União-PR).
Já na última resolução do partido, divulgada na quinta-feira, o partido ampliou essa versão de que foi alvo de uma caçada política. De forma vaga, o texto trata o tema das acusações de corrupção como se tudo fosse falso, sem mencionar casos como do mensalão e os desvios na Petrobras. O enredo petista desconsidera que apenas a estatal, por exemplo, já recebeu devoluções de R$ 6,7 bilhões de empresas e ex-executivos envolvidos com a Operação Lava-Jato.
“As falsas denúncias engendradas contra nossos governos, nosso partido e nossas lideranças, desde o primeiro governo do presidente Lula e que se seguiram nos governos da presidenta Dilma, mostram que está mais do que claro que a criminalização da política e a destruição da democracia constituem um mesmo projeto”, diz a resolução.
O texto prossegue dizendo que esse suposto plano teria sido “articulado de fora, numa guerra ‘soft’”. A nota se refere ainda aos procuradores da Operação Lava-Jato como uma “quadrilha”.
Essa escalada na retórica ocorre junto com um processo de reabilitação de petistas históricos como José Dirceu e José Genoíno, que foram condenados e presos pelo esquema do mensalão. Ex-homem forte de Lula, Dirceu participou da cerimônia de aniversário de 43 anos do PT, onde foi assediado por militantes e recebeu um aceno do presidente, que lhe agradeceu e elogiou em público.
Genoíno foi um dos petistas históricos escolhidos para ser entrevistado num programa especial de aniversário do partido. Além disso, ele vem dando entrevistas e escrevendo para o site oficial do PT.
Na leitura do cientista político e professor da PUC-Rio Ricardo Ismael, a estratégia do partido de ignorar acontecimentos como o escândalo da Petrobras demonstra que o partido trata a pauta da corrupção como um assunto de menor relevância política. Ao não passar a limpo seu passado e insistir em suas versões próprias, o partido estaria evitando desgastes e se concentrando em suas próprias prioridades eleitorais.
— A corrupção é um tema mais caro aos setores de maiores renda, mais escolarizados, onde o PT tem uma rejeição maior e teve menos votos. A vitória do Lula ficou muito concentrada no Nordeste e nas faixas até 2 salários mínimos. Essa base social que o PT tem e não quer perder não quer saber de debate de corrupção. Quer saber de emprego, renda, garantia de auxílio — analisa Ismael.
Após adotar uma postura defensiva sobre o assunto, como ficou explícito nos debates de campanha em que Lula evitava falar sobre o tema, o governo federal trabalha para lançar um plano anticorrupção e tentar mostrar alguma entrega na área. Grupos de trabalho do Ministério da Justiça atuam para apresentar no segundo semestre deste ano um plano com novas medidas de combate à corrupção no país. Os projetos ainda são tidos como embrionários, e os esforços maiores do governo estão direcionados para a área econômica, com a reforma tributária e a definição de uma nova regra fiscal.
Atualmente, as principais estruturas do governo federal que articulam políticas para a área são o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) e a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCLLA). Ambas estão no guarda-chuva da Secretaria Nacional de Justiça, chefiada pelo advogado Augusto de Arruda Botelho. Ele diz que a pasta vê a corrupção e a lavagem de dinheiro como temas prioritários:
— A corrupção é um problema histórico, precisa de enfrentamento eficiente, mas sobretudo com respeito às garantias fundamentais, sem atropelos da lei como ocorreu na Lava-Jato. Não é disputa de narrativa, é a construção de um sistema mais justo. E isso se dará a partir da interlocução com órgãos como CGU, AGU, PF, MPF, para construirmos políticas públicas que tenham como foco prevenção, investigação e punição dos crimes.
Na oposição ao PT, Moro e Deltan Dallagnol (Podemos-PR), que assumiu como deputado, vêm tentando se colocar como representantes da agenda anticorrupção. A primeira proposta de Dallagnol na Câmara é um projeto contra o governo Lula para tentar impedir a mudança do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Banco Central para o Ministério da Fazenda.
Já Moro conseguiu as 27 assinaturas necessárias no Senado para desarquivar o projeto de lei que prevê a prisão em segunda instância. Ele respondeu no Twitter às acusações feitas pelo PT.
— Tenho a consciência tranquila e jamais me envolvi em organizações criminosas — publicou Moro, que foi considerado parcial pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de Lula no caso do tríplex do Guarujá.