Lula se cacifa para o Nobel da Paz
Foto: Jonathan Ernst/AFP
Com 45 dias de governo, ainda falta saber muita coisa sobre os planos de Luiz Inácio Lula da Silva para os próximos anos. Está claro desde a campanha, porém, que ele busca duas coisas principais neste terceiro mandato. Uma é reparação. A outra, consagração.
Lula quer aproveitar a nova chance na presidência para completar o que acha que ficou faltando, reconstruir o que foi destruído nos últimos anos e corrigir o que considera injustiças – contra ele, preso pela Lava-Jato, contra Dilma Rousseff, que sofreu impeachment, contra seus aliados, muitos expurgados da máquina pública sob a acusação de corrupção.
A indicação de Dilma para presidir o banco do Brics faz parte desse esforço, assim como a reabilitação de aliados de outros tempos. O ex-ministro Paulo Bernardo é cotado para uma vaga no conselho de Itaipu. José Dirceu, que andou na geladeira por anos, mereceu menção especial de agradecimento de Lula no início da semana, no evento de aniversário do PT.
É fácil entender por que o presidente faz tais movimentos. Mas também é fácil ver que, embora satisfaçam um mal disfarçado revanchismo, não são essas reparações, pautadas pelo passado, que renderão ao presidente a desejada consagração. Há oportunidades no próprio governo que podem recolocar Lula no patamar que ele julga merecer, na arena global e na nossa história. Mas, para isso, é preciso manter os olhos no futuro.
É imprescindível resgatar os ianomâmis do abandono. Contudo, se não houver um plano que dê à Amazônia alternativas econômicas que impeçam os garimpeiros de voltar a ocupá-la, o problema da exploração predatória continuará.
Para crescer, é crucial aumentar a produtividade da nossa economia. Mas a melhor forma de fazer isso, certamente, não será retomando políticas que já deram errado — como subsídios com reserva de mercado para o setor naval ou o financiamento a obras e serviços em países com economia muito mais debilitada que a nossa.
Lula demonstra compreender que o Brasil pode se recolocar na arena global como potência ambiental. É nossa capacidade de contribuir com soluções para a questão climática que faz brilhar os olhos do mundo. Só que fazer isso sem abdicar do papel de um dos maiores produtores de alimentos do planeta não é um desafio simples.
Virou moda no governo falar em transição energética, mas o próprio presidente demonstra querer retomar políticas de controle de preços para subsidiar combustíveis fósseis. Até agora, não deu para entender o que terá mais força, mas já deu para perceber que faltam planos para chegar lá.
Algo semelhante parece estar ocorrendo com a política externa. De olho no Nobel da Paz, o presidente elegeu como prioridade habilitar-se como negociador entre Estados Unidos e Rússia para acabar com a guerra na Ucrânia.
Lembrou, em entrevista recente, que já fez isso no caso das tensões entre americanos e iranianos em torno dos arsenais nucleares. Ficou parecendo que Lula busca, aí, outra reparação, para tentar no conflito da Ucrânia o que não conseguiu com o Irã.
Naquele caso, porém, o Brasil foi deixado de mãos abanando na última hora pelos Estados Unidos, como se os americanos estivessem dizendo aos brasileiros que, naquele palco, não poderiam pisar. Não há motivos para achar que agora será diferente, com tantas potências e interesses geopolíticos de pesos pesados envolvidos.
Enquanto isso, na nossa vizinhança prospera uma ditadura que produziu uma das maiores diásporas do planeta, que tortura opositores nas cadeias e que já foi alvo de diversas denúncias da ONU por violações de direitos humanos.
A Venezuela, comandada por um presidente ideologicamente próximo a Lula, é uma mancha autoritária no mapa latino-americano. O país sofre sanções dos Estados Unidos e de outras nações que não reconhecem a legitimidade de Nicolás Maduro, mas têm interesse em negociar um acordo que dê acesso ao petróleo venezuelano em troca do restabelecimento da democracia.
Não seria esse um objetivo muito mais tangível para Lula e igualmente importante para o fortalecimento da democracia no mundo? Ignorar essa oportunidade em nome de uma lealdade forjada há décadas não equivale a manter os olhos no retrovisor?
Por enquanto, uma das tônicas do governo Lula tem sido o embate entre a busca por reparação que nem a volta ao poder satisfez e a necessidade de abandoná-la para conseguir a tão almejada consagração. Esse é um conflito que só o próprio Lula pode resolver. Se ele não fizer isso, capaz de não ter nem uma coisa nem outra.