‘Pai’ do real volta a criticar postura do BC
Foto: Leonardo Rodrigues/Valor
A proposta do novo regime fiscal deveria ter aberto a pauta econômica do governo no Congresso. A proposta de reforma tributária do governo é boa, mas está na praça há algum tempo e enfrenta muita resistência. Para aprová-la, o governo corre o risco de queimar cartuchos que podem lhe faltar no debate do regime fiscal.
Ao se expor nesta contestação aos métodos do atual governo, sem aviso prévio aos titulares da economia, André Lara Resende não aceita a visão de que esteja a atropelar o Ministério da Fazenda, instância responsável pela condução do debate com o Congresso. “Não sou governo, mas torço pelo bem do Brasil e não sou obrigado a concordar com tudo”, diz, em conversa de vídeo com o Valor na tarde desta segunda-feira (13).
Integrante da equipe da transição na economia, ao lado do ministro Fernando Haddad, Lara Resende foi insistentemente convidado para integrar a Pasta, mas preferiu compor um comitê consultivo do BNDES que discute estratégias de desenvolvimento.
Resolveu se manifestar de maneira mais contundente porque vê uma equipe econômica conciliatória enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deveria atuar como mediador, fica excessivamente exposto no debate.
Não entende como Lula passou a ser visto como um radical 40 dias depois de ter escolhido não apenas Haddad como Simone Tebet para o Planejamento e o vice-presidente Geraldo Alckmin para o Ministério da Indústria e Comércio. “Ele montou um ministério conciliador que não estava enfrentando a arrogância do Banco Central e ele foi obrigado a sair a campo”.
Não há tema na economia em que se veja impedido. Vai da Fazenda – “Haddad não precisa concordar comigo. O ministro é ele. Tem opiniões divergentes dentro do governo, dirá fora” – ao Planejamento – “Simone disse que o déficit é insustentável e que o país deve evitar gasto desnecessário. Se alguém propôs gasto desnecessário não deveria ser ministro”.
Haddad ficou de apresentar o regime fiscal até abril e aposta na tramitação conjunta. Lara Resende não apenas descrê disso como vê o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tramando para queimar os cartuchos do governo. Na inexistência da proposta de regime fiscal, deu prioridade à reforma tributária, onde há contestações encasteladas como a dos escritórios de advocacia.
Alinha-se, no regime fiscal, ao que propõe o ex-economista chefe do FMI, Olivier Blanchard, hoje professor no Massachussetts Institute of Techology (MIT), que reputa como o melhor economista da atualidade. Em artigo de 2021, Blanchard diz o seguinte: “Padrões, ao contrário de regras, distingue o bom e o mau comportamento fiscal em termos qualitativos e não numéricos”. Frouxo demais? O autor diz que não: “A Comissão Europeia deve bloquear orçamentos não condizentes com os padrões fiscais”.
Lara Resende migra com muito mais contundência para a política monetária quando diz que só o Brasil continua fixado na ideia de que juro combate inflação. Retoma o argumento do último artigo publicado no Valor (“O precipício fiscal e a realidade”, 07/02/2023), quando diz que entre 2021 e 2022, a elevação da taxa de juros pelo BC teve um impacto fiscal equivalente ao triplo da PEC da transição.
E apesar de tudo isso, diz, o Brasil fez superávit de 1,3% e tem uma relação dívida/PIB de 73%. Seu artigo despertou reações e mobilizou argumentos como o de que isso só foi possível porque o Brasil cresceu mais no ano passado do que se prevê que cresça este ano. E também que o país contou com dividendos de estatais, o que não acontecerá em 2023, ou, ainda, que haverá reajuste real do salário mínimo e do funcionalismo.
Mal ouve a contraposição, acusa os proponentes de “terroristas fiscais” movidos pela má-fé: “Só gosto do debate inteligente, não do indigente”. Não aceita, por exemplo, que os mesmos que preveem crescimento menor advoguem a manutenção da taxa de juros reais em 8%, “o dobro da segunda maior do mundo (México e Chile)”.
Cita o balanço dos bancos e a crise do varejo como sinais da gravidade da contração de crédito e evidências pela redução do juro. Recorre ao economista americano Jeffrey Sachs, que, em passagem recente pelo Brasil, se mostrou inconformado com as razões pelas quais um país saneado fiscalmente e com dívida quase integralmente nas mãos de residentes, tenha taxas de juros tão altas.
Credita ao “pânico das expectativas” a posição do Brasil, em ratings de investimento, inferior a Peru e Turquia. É “patético” diz, que a expectativa seja ditada pelo mercado e não pelo formador de preços.
Diz que o BC está capturado pelos interesses que deveria regular. Vê o rentista se financiar lá fora e aplicar na taxa de juro brasileira três vezes maior e sem risco cambial. Não vê embate com o mercado que o banco não possa enfrentar com reserva e derivativo.
“Deixa eu sentar lá pra ver se o mercado vai encarar”. A frase leva à óbvia constatação de que aceitaria a presidência do BC. “Isso é pergunta que se faça? Qualquer pessoa competente que sente lá não ficaria refém do mercado”.
Partidário da autonomia do BC, Lara Resende vê-se numa preleção pedagógica. Diz que Campos Neto deve permanecer no cargo. “Ele não é o único voto no Copom e está submetido ao Conselho Monetário Nacional. Basta que ele, inteligente como é, não confronte um governo legitimamente eleito”.
Atribui o silêncio dos empresários contra os juros, solitariamente rompido pelo presidente da Fiesp, Josué Gomes, nesta segunda, ao encolhimento da indústria e ao desaparecimento, na finança, de grandes banqueiros que também foram homens públicos, como Olavo Setúbal e Walter Moreira Salles. “Hoje o sistema financeiro é o lúmpen de assets”.
Surpreende, portanto, que, indagado sobre o voto que daria na reunião do CMN, diz que não mudaria a meta. “Só gera ruído. Não se deve ser condescendente com inflação. Você pode explicar se não atingir a meta. O que está errado é a taxa de juro”.
Lembrado que Lula elegeu-se por uma coalizão de forças que extrapola a esquerda, diz que o presidente só pode liderar a reconciliação do país e a reconstrução de um centro político se colocar o país na rota do crescimento.
A um amigo que o acusou de ser anti-establishment, disse: “Sou establishment. Minha cruzada é contra a burrice e o dogmatismo suicida”. E se despede citando o ex-ministro Pedro Malan, que, ao vê-lo exaltado, lembrou-lhe de um político inglês. Em trechos de seu discurso, ele anotava: “Aumentar o tom de voz porque o argumento é fraco”. No seu caso, espera que o tom só reflita a indignação.