Servidores que foram a atos golpistas poderão ser demitidos
Foto: Gabriela Biló – 8.jan.2023/Folhapress
Estados e municípios de várias partes do país apuram se servidores participaram da invasão em Brasília no dia 8 de janeiro. Entre os suspeitos, estão professores e guardas municipais.
O envolvimento em atos golpistas viola estatutos locais do funcionalismo, com penas que incluem suspensão, multa ou demissão.
Esses estatutos estabelecem não só os direitos e deveres do servidor, mas as consequências por infringi-los e a forma como a investigação deve ser feita.
Em Belo Horizonte, por exemplo, a Controladoria-Geral investiga um dos fiscais da cidade por participação nos atos golpistas. Uma comissão de três membros vai ouvir a defesa do servidor e avaliar as provas, como imagens e vídeos.
Depois, o grupo decidirá sobre a possível infração. Leonardo de Araújo Ferraz, controlador geral do município, explica que, no Estatuto do Servidor Público Municipal, há mais espaço para interpretação do que no Código Penal.
Uma das possibilidades previstas no estatuto da capital mineira é a demissão em casos de crime contra administração pública ou dilapidação de patrimônio.
Foz de Iguaçu (PR) também investiga se um guarda municipal participou da invasão do dia 8 de janeiro. O secretário da Segurança Pública da cidade abriu uma apuração preliminar, na qual a corregedoria da pasta vai examinar o caso.
“Ele [o servidor] poderá sofrer penalidade desde advertência ou suspensão, até uma possível demissão. Mas sempre prezando pelo devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa”, afirmou Alessandro Chichoski, corregedor da Secretaria de Segurança Pública.
O estatuto da cidade diz que comportamentos imorais, além de lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio, são atos que podem levar à remoção do cargo.
Na avaliação de Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM, os possíveis crimes praticados por servidores no dia 8 de janeiro podem incluir prevaricação, dano ao patrimônio público e tentativa de golpe de Estado.
As consequências administrativas podem variar dependendo da quantidade de atos praticados, dos momentos em que aconteceram e de quais pessoas participaram.
Sobre as penas, Crespo disse que variam de acordo com carreira, seja ela municipal, estadual ou federal. “Condutas golpistas antidemocráticas e de depredação do patrimônio público podem levar à expulsão da carreira”, continuou o advogado.
Ele ressalta que não existe demissão sem processo administrativo, a não ser quando se trata de funcionários comissionados —cargos em que as pessoas são nomeadas independentemente de concurso público. Esses podem ser destituídos de forma imediata, segundo Crespo.
Nem sempre isso acontece. É o caso do chefe de serviço das ambulâncias de Penápolis (SP), que ocupa cargo de confiança. Ele estava em Brasília durante a invasão dos Poderes e postou vídeos participando das manifestações, mas ainda não foi exonerado.
A Procuradoria Geral do Município afirma que, apesar de considerar repugnante o que aconteceu em Brasília, ainda não pode punir o servidor. “Os servidores municipais de Penápolis são regidos pela CLT, que estabelece normas para demissão, seja servidor do quadro efetivo, seja denominado gerente”.
O servidor tem faltado ao trabalho, o que pode resultar em demissão caso ultrapasse 30 dias sem justificativa, segundo a Procuradoria. “Um erro nosso pode custar verbas indenizatórias a favor do atingido”, afirma o órgão.
Servidores estaduais também enfrentam investigações. Em Goiás, a participação nos atos golpistas de uma coordenadora regional da Secretaria de Estado da Educação (Seduc) está em apuração. De acordo com a pasta, foi aberto um processo administrativo disciplinar para investigar as responsabilidades da servidora efetiva da pasta.
O rito deve seguir as regras do Estatuto do Servidor Público do Estado, que estabelece qual tipo de infração gera advertência, suspensão ou demissão. Nesse último caso, pode ser aplicada quando houver crime contra a administração pública.
Em São Paulo, a Universidade Estadual Paulista (Unesp), do campus de Botucatu, investiga se uma professora do Instituto de Biociências participou nas invasões, depredações e ameaças à ordem democrática, segundo Trajano Sardenberg, presidente da Comissão de Ética da universidade.
“Cabe à Comissão, após amplo estudo, estabelecer se houve ou não infração ética; havendo, o processo é enviado à instância administrativa da Unesp para providências cabíveis, dentro de seu estatuto e do Estatuto do Funcionário Público de Estado”, afirmou o presidente da comissão.
Entre as proibições da lei estadual, está a de praticar atos de sabotagem contra o serviço público ou cometer crime previsto nas leis relativas à segurança e à defesa nacional, além de lesar patrimônio.
Os funcionários que participaram das depredações contradizem princípios da atuação no setor público, diz Annita Calmon, doutora em administração e especialista em ética.
“Ideais como zelo, moralidade, cortesia e serviço ao povo são valores necessários para um serviço público de excelência, mas que não foram internalizados”, disse Calmon.
Na visão da especialista, houve desvio ético claro na conduta desses servidores, o qual está longe de ser princípio subjetivo. “Ética é prática”, afirmou a especialista, “não é uma virtude que se alcança no âmbito das ideias”.
Cabe às comissões de ética, avalia ela, fazer a promoção desse ideário. “É um trabalho de formiguinha. Não adianta ter o código de ética e guardar na gaveta. Ele vai ser só mais um papel”, disse.