Aliados de direita já viram problema para o governo
Foto: Reprodução
Na véspera de deixar o governo do Amapá, em 30 de dezembro do ano passado, o ministro da Integração Nacional, Waldez Góes, anunciou a contratação mais cara de sua gestão: a pavimentação de uma rodovia que liga a capital, Macapá, ao Sul do estado. A obra, avaliada em R$ 100 milhões, foi entregue a uma empresa que pertence a um suplente do senador Davi Alcolumbre (União-AP) e terá a maior parte financiada por recursos do orçamento secreto enviados pelo próprio parlamentar. Um dia antes do anúncio, Góes havia sido apresentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como integrante do primeiro escalão do governo federal, indicado por Alcolumbre.
O empreendimento no Amapá será tocado pela Construtora e Reflorestadora Rio Pedreira, pertencente a Breno Chaves Pinto, segundo suplente do senador, que atuou de forma decisiva para Góes virar ministro. A cadeira estava reservada a um nome do União Brasil, mas Alcolumbre articulou para que o aliado ficasse com o posto, mesmo sendo filiado ao PDT — ele se licenciou do partido após a posse. Ao anunciar o nome do então governador, Lula deixou claro que a vaga era da “cota” de Alcolumbre, que se tornou um dos parlamentares mais influentes após presidir o Senado e comandar a distribuição do orçamento secreto. O mecanismo, proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do ano passado, repassava recursos públicos de forma desigual e sem transparência a congressistas, que os direcionavam para seus redutos eleitorais.
— Eu quero agradecer inclusive ao senador Alcolumbre pela inteligência e competência de encontrar esse companheiro no Amapá — disse Lula, em referência a Góes, durante evento de apresentação dos novos ministros, em 29 de dezembro.
Após a contratação no apagar das luzes de seu governo, Góes voltou ao Amapá há 15 dias para assinatura da ordem de serviço da obra, desta vez já como ministro da Integração. O empreendimento será executado por meio de convênio do governo local, agora comandado por Clécio Luís, seu aliado, com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), subordinada à pasta da Integração Nacional.
Na Câmara: Líder integralista amigo de Damares assume mandato de deputado federal
Lava-Jato: Flávio Bolsonaro pede para CNJ afastar novo juiz por suposta ‘afinidade’ com Lula
Alcolumbre chegou a incluir na sua agenda a participação no evento, mas precisou ficar em Brasília e foi representado pelo irmão, Josiel Alcolumbre, derrotado ao se candidatar à prefeitura de Macapá em 2020. Nas redes sociais e em seu site, o senador comemorou a iniciativa, frisando ter sido responsável pelo envio do dinheiro federal. “Os recursos no valor de R$ 58,7 milhões são fruto da articulação do senador”, diz trecho da notícia em destaque.
Essa não foi a primeira vez que uma empresa do suplente de Alcolumbre recebeu dinheiro público por meio de contrato com o governo de Góes. Além de responsável pelas obras de pavimentação avaliadas em R$ 100 milhões, ele aparece como administrador de outra firma que recebeu recursos do governo do Amapá nos últimos anos, a LB, integrante de um consórcio que cuida da manutenção de rodovias estaduais.
No dia 1º de dezembro, menos de um mês antes de o então governador anunciar a Construtora Rio Pedreira como responsável pela pavimentação da AP-010, Breno Chaves Pinto foi alvo de uma operação da Polícia Federal. Na ação, os agentes apreenderam cerca de R$ 800 mil em dinheiro vivo na sede da empresa durante a investigação que apura fraudes e superfaturamento em outra obra rodoviária no Amapá, na BR-156. Desta vez, a contratação foi feita por meio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), em 2020.
A investigação começou em razão de um inquérito sobre a inserção de informações falsas no sistema do Ibama para a movimentação de créditos florestais para “esquentamento” de madeiras de origem ilegal. A PF verificou a ocorrência de suposto superfaturamento no valor de R$ 6,1 milhões nas obras tocadas pela firma do segundo suplente do senador, que é investigado pelos crimes de organização criminosa, peculato, corrupção ativa e passiva, fraude à licitação, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Procurado, o empresário Breno Chaves Pinto disse que o contrato de R$ 100 milhões, anunciado no fim do ano passado, foi firmado de maneira legal e negou conflito de interesses ao sua empresa receber recursos destinados pelo parlamentar do qual é suplente:
— A família é do ramo (construção). Não é o fato de entrar para a política que indica que teve favorecimento ou alguma coisa — afirmou, em referência às obras na rodovia AP-10, que leva o nome de seu tio Josmar Chaves Pinto, morto em 2019.
Em relação à operação da Polícia Federal, o empresário afirmou que a Justiça já autorizou a devolução dos bens apreendidos e disse que a acusação de compra de madeira ilegal aconteceu em razão de um erro na aquisição do produto, com a compra endereçada para a sede da empresa e não para o local da obra, o que contrariaria as regras do Ibama.
Já Alcolumbre negou, por meio de nota, ter influenciado na escolha da empresa, feita por meio de licitação pública, e diz esperar que o processo tenha “seguido todos os trâmites legais, cuja observância há de ser verificada pelos órgãos de controle”.
Questionado, Góes afirmou que “qualquer despesa pública está submetida aos mecanismos de controle interno e externo com fundamento de dar ampla transparência à sociedade”. A Codevasf, por sua vez, pontuou que eventuais relações sociais ou familiares de seus sócios “não integram o rol de critérios de classificação ou desclassificação” de uma empresa em concorrências públicas.
O governo do Amapá também afirmou que “atua com embasamento e segurança jurídica que a obra necessita”. Em nota, citou que a licitação vencida pelo suplente de Alcolumbre foi feita de forma pública e enviou um link para que a ata do procedimento pudesse ser acessada. O endereço eletrônico, porém, está fora do ar desde o início da semana. O GLOBO solicitou há dois dias os detalhes do processo de escolha da empresa e se houve outras concorrentes, mas não obteve resposta.
O ministro da Integração Nacional, Waldez Góes, foi condenado a seis anos e nove meses de prisão, em regime semiaberto, pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em novembro de 2019. A ação, contudo, foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que acolheu um pedido de habeas corpus apresentado pela defesa. Os advogados de Góes, que negam as acusações, também recorrem da decisão. Na ação penal, o ex-governador do Amapá é acusado de desviar valores de empréstimos consignados dos servidores estaduais.
Em dezembro de 2020, nos seus últimos dias como presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) destinou R$ 71 milhões do orçamento secreto à Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). O dinheiro foi usado na contratação da construtora Engefort para a realização de obras de pavimentação em cidades do Amapá. Passados dois anos, a Controladoria-geral da União (CGU) identificou indícios de superfaturamento nos dois contratos firmados com a empresa, que somam R$ 54 milhões.