Bolsonaristas, Moro e Dallagnol acusam Appio de “parcialidade”

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Foto: Reprodução

Maior investigação contra a corrupção da história do País, com 79 fases deflagradas ao longo de sete anos, a Operação Lava Jato deu uma guinada contra antigos protagonistas desde que o juiz Eduardo Fernando Appio assumiu a 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba.

Escolhido a contragosto do núcleo duro da Lava Jato, o novo juiz ressuscitou a operação dada como morta e passou a movimentar os processos remanescentes. Em entrevista ao Estadão, logo após assumir o cargo, ele afirmou que não seria o ‘coveiro oficial’ da operação.

Ao antagonizar com nomes como o senador Sérgio Moro (União-PR) e o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), os rostos mais conhecidos da operação, Eduardo Appio iniciou uma espécie de implosão da Lava Jato. Em contrapartida, virou alvo de pressão para deixar o cargo: vem sendo associado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e acusado de parcialidade.

As críticas mais contundentes têm partido de Deltan Dallagnol. O ex-procurador da República acusou o juiz de doar dinheiro para a campanha de Lula e de usar o login ‘LUL22’ para acessar o sistema da Justiça Federal. Também personalizou os ataques ao afirmar que o pai do magistrado, o ex-deputado Francisco Appio (PP-RS), morto em novembro do ano passado, foi envolvido na delação da Odebrecht. Appio nega alinhamento com o petista ou com a esquerda e rejeita a associação do pai com corrupção.

Sem ceder à pressão, o juiz segue despachando. Em meio ao litígio, afirmou sofrer com uma escalada de ameaças e pediu reforço na segurança pessoal. O esquema solicitado inclui carro blindado, pistola Beretta e apoio da Polícia Federal (PF) no prédio onde fica seu gabinete.

A decisão que mais gerou desconforto entre lavajatistas foi a que atendeu ao pedido de audiência feito pelo advogado Rodrigo Tacla Duran, antigo desafeto de Moro. Ele foi ouvido em juízo por autoridades brasileiras pela primeira vez na segunda-feira, 27, em sessão por videoconferência.

Com a justificativa de prestar esclarecimentos e fazer requerimentos, o advogado repetiu acusações feitas em 2017 sobre um suposto pedido de propina na Lava Jato em troca de facilidades para clientes em acordos de colaboração.

A denúncia foi encaminhada por Appio ao Supremo Tribunal Federal (STF), com a menção expressa a possível crime de extorsão e ao foro de Moro e Dallagnol. O juiz também pediu à Polícia Federal a abertura ‘urgente’ de um inquérito sobre o caso.

A guinada da Lava Jato em relação a Tacla Duran sintetiza a inversão de papéis que marca a evolução da operação. O advogado teve a prisão decretada por Moro no auge da investigação e chegou a ser incluído na lista de foragidos da Interpol. Agora pediu para ser colocado no Programa de Proteção a Testemunhas, o que foi atendido por Appio, e voltou a lançar suspeitas de corrupção sobre as delações da Lava Jato.

O mandado de prisão expedido por Moro contra Tacla Duran, em aberto desde 2016, também foi derrubado por Appio. O advogado mora na Espanha e poderia ser preso se voltasse ao Brasil. O juiz afirmou que, como Tacla Duran representa a si próprio nos processos, o advogado pode ser recebido no gabinete se estiver no País.

“Eu sou totalmente imparcial, para mim não tem partido, não tem time de futebol, não tem amizade e inimizade. Aqui a lei vai ser igual para todos”, disse o juiz a Tacla Duran ao conduzir a audiência na última quarta.

Dallagnol e Moro estão hoje no lugar dos políticos que um dia denunciaram e julgaram. Ambos afirmam que as acusações de Tacla Duran são falsas e estão sendo exploradas politicamente.

O senador recorre agora à mesma estratégia que um dia foi usada contra ele. Moro busca impedir o sucessor de despachar nos processos remanescentes da Lava Jato. O ex-juiz defende que Appio seja afastado de todas as ações relacionadas à operação até a análise de um pedido para declarar a suspeição do juiz.

A representação que acusa Eduardo Appio de parcialidade foi apresentada por uma procuradora de Ponta Grossa, no interior do Paraná. O magistrado disse ao Estadão, na ocasião, que a procuradora age como ‘longa manus’ de Dallagnol. Moro, por sua vez, afirma que seu objetivo é ‘prevenir’ atos processuais ordenados por juiz ‘suspeito’. Em 2021, ele próprio foi declarado parcial pelo Supremo Tribunal Federal para julgar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em ações penais na Lava Jato.

A quebra de braço entre Eduardo Appio e antigos expoentes da Lava Jato não se restringe a Moro e Dallagnol. Ele também comprou briga com a juíza Gabriela Hard, que substituiu Moro na 13.ª Vara de Curitiba em 2018, quando ele deixou a magistratura rumo ao governo Jair Bolsonaro (PL).

Em decisão recente, Appio colocou a imparcialidade da juíza em dúvida e afirmou que ‘pode ter existido, de fato, uma associação’ dela com os membros do Ministério Público Federal. O despacho citou as mensagens obtidas a partir da Operação Spoofing, que prendeu os hackers responsáveis pela invasão de celulares de autoridades, incluindo Sérgio Moro e procuradores da Lava Jato.

A força-tarefa de Curitiba foi extinta em 2021 em uma reforma institucional do Ministério Público Federal (MPF) promovida pelo procurador-geral da República Augusto Aras.

Sem procuradores destacados em operação, o que resta hoje são ações e inquéritos que já estavam em curso. Há cerca de 240 procedimentos penais em tramitação.

O acervo em Curitiba também sofreu baixas. Parte das ações foi transferida para a Justiça Eleitoral depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que denúncias de corrupção envolvendo suspeitas de caixa dois de campanha devem ser processadas na esfera eleitoral. Outra parte dos processos foi encaminhada para diferentes Estados a partir do entendimento de que a 13.ª Vara Federal de Curitiba tentou assumir uma ‘super-competência’ para julgar todas as denúncias relacionadas ao esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e cartel de empreiteiras instalado em diretorias estratégicas da Petrobrás, entre 2003 e 2014.

Quando a operação chegou formalmente ao fim, Moro já havia abandado a magistratura. Ele comandava o Ministério da Justiça e Segurança Pública a convite do ex-presidente Jair Bolsonaro. Dallagnol também deixou a coordenação da força-tarefa antes do encerramento do grupo de trabalho, com a justificativa de cuidar da filha, que segundo ele vinha apresentando sinais de regressão no desenvolvimento. Ambos foram eleitos em 2022. A ‘bancada da Lava Jato’ no Congresso conta ainda com a advogada Rosângela Moro (União-SP), mulher do ex-juiz, eleita deputada federal.

Com os protagonistas da Lava Jato no Legislativo, e sem a força-tarefa que entre 2014 e 2021 trabalhou exclusivamente nos casos de corrupção envolvendo a Petrobrás, o que resta da operação está nas mãos de Eduardo Appio, um crítico dos métodos usados na investigação alçado a antagonista pelos lavajatistas.

Estadão