Bolsonaristas tentaram matar Jean Wyllys
Foto: Agência O Globo
Exilado desde 2019, quando renunciou ao mandato após sofrer ameaças de morte, o ex-deputado federal Jean Wyllys volta este ano ao Brasil. Um dos representantes mais incisivos da esquerda retorna ao país defendendo a urgência de se “desbolsonarizar” a política e a sociedade brasileiras. “Ou nos restará puxar a cadeira, sentar e esperar a história se repetir. Sem responsabilização dos culpados não há reconciliação nem aprendizado para o futuro”, diz, da Espanha, onde vive, em entrevista por aplicativo de troca de mensagens.
Filiado ao PT, ele conta não ter sido convidado a participar do novo governo. Vítima de fake news, escreve tese de doutorado sobre o tema na Universidade de Barcelona e avisa: “não me importa o quanto o PT capitule diante da desinformação, não vou ceder”. Autor, com a filósofa Marcia Tiburi, de “O que não se pode dizer: experiências do exílio”, Wyllys se reuniu com lideranças na última terça-feira, no legislativo espanhol, em Madri, para tratar da solidariedade internacional a vítimas da violência política na América Latina e no Leste Europeu.
Enquanto aguarda o reconhecimento, pelo governo petista, de medida cautelar de proteção à sua vida requerida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, Wyllys trata de política na plataforma Open Democracy, se dedica às artes plásticas, prepara livro com a antropóloga australiana Julie Wark.
Sei que quero voltar e vou voltar. O (professor da UFRJ) Fernando Salis vai levar ao Brasil minha exposição “Desexílio”, que esteve até janeiro no Palau de La Virreina (em Barcelona). Quando tudo fechar, terei a data exata. Espero que (até lá) o novo governo conceda a medida cautelar de proteção à minha vida requerida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e negada por Michel Temer. Negada talvez por eu ter sido central na resistência ao golpe, no Congresso e nas mídias sociais. Espero que o governo Lula, não só no plano simbólico, mas também no prático, dê condições para que eu, Marcia Tiburi, a (antropóloga) Debora Diniz e outros exilados possam retornar e atuar intelectual e politicamente no Brasil.
E como deseja atuar na arena pública nacional?
Hoje, não quero fazer campanha eleitoral. Já dei minha contribuição, cumpri dois mandatos de vanguarda, abri caminho para muita gente bacana. Posso contribuir com o governo Lula pensando políticas públicas nas áreas em que transito, devolver o que acumulei de experiência no exílio.
Aceitaria um cargo no governo Lula?
Não tive convite. Tudo que fiz em defesa do governo Dilma e da inocência de Lula quando ele era considerado radioativo até mesmo por parlamentares do PT na época de sua prisão, na denúncia dos abusos da Lava-Jato, no enfrentamento da extrema-direita quando era sequer reconhecida, na restituição da democracia, não foi esperando algo em troca. Não faço cálculo político. Tenho princípios, paixão. E discernimento: lealdade e gratidão não são os fortes da política no Brasil.
Você tem falado na necessidade de se ‘desbolsonarizar’ o Brasil, não apenas do governo, mas da sociedade…
A desbolsonarização e o combate ao antipetismo são ações que devem ser feitas em conjunto. Se não as fizermos, o que nos restará será puxar a cadeira, sentar e esperar a história se repetir. Enfrentar a extrema-direita e sua ideologia em todos os níveis, inclusive no plano das políticas econômicas, não é revanche política: é justiça. Sem responsabilização dos culpados, não pode haver reconciliação nem aprendizado para o futuro.
O quão difícil foi renunciar ao mandato parlamentar?
Não tinha alternativa. Ou abria mão ou morreria. Em 2016, escapei por pouco de um linchamento na Lapa, no qual morreríamos eu e dois assessores. Após o assassinato da (vereadora carioca) Marielle Franco, a violência contra mim se intensificou. Passei a viver em cárcere privado, acompanhado por seguranças. Você não tem ideia dos danos que essa violência me causou. No Rio, era ameaçado de morte até por taxistas.
Como vê a força do bolsonarismo no Rio, a possível candidatura do senador Flavio Bolsonaro (PL) à prefeitura da capital e a fragilidade da esquerda fluminense?
O Rio virou um narcoestado, em que as fronteiras entre instituições e crime organizado estão borradas. Não me espanta que um escroque como Flávio Bolsonaro pretenda, depois dos crimes que seu pai e seu irmão perpetraram, ser prefeito do Rio. Chocante é a elite fluminense ter se permitido chafurdar nessa merda. Para sorte dos cidadãos, ainda há no Rio uma esquerda ilustrada, que resiste e à qual agradeço os votos.
Há quem perceba o exílio como um tipo de abandono do palco da luta. Mas denunciar as ameaças e seguir vivo, é, por si só, um ato de coragem. Você lidou com esta questão?
A Europa Ocidental abriga intelectuais exilados de democracias destruídas pela extrema-direita e a ninguém aqui ocorre este questionamento. A vida precisa seguir para que a luta continue. Quando se é rico, como (o influenciador digital) Felipe Neto, ou se é hétero, branco, e conta-se com a solidariedade dos demais, imagino que se possa seguir por mais tempo no “palco da luta”. Quando se trata de alguém como eu, Marielle, Tiburi, e que, por nosso gênero, orientação sexual ou classe social, não conta com a empatia, fica mais difícil. Acaba-se morto e, quando muito, convertido em mártir. Mas a quem convém nosso martírio? Segui vivo e lutando. Conseguimos derrubar, juntos, no voto, o governo de extrema-direita. O resto é rancor de quem me queria derrotado.
Como espera ser recebido pelos ativistas que seguiram lutando contra a homofobia no Brasil?
Segui do exílio fazendo mais pelo coletivo do que muita gente daí, que virou ativista de rede social para ganhar dinheiro. Fui atacado na ONU por uma diplomata do Ministério das Relações Exteriores na gestão de Ernesto Araújo por denunciar a homofobia do governo Bolsonaro. (Mas) não sou herói de nada, não espero nada. Lembro bem que parte da comunidade se engajou nas fake news contra mim, do quanto bichas e sapatões, por sua homofobia internalizada, me ofenderam sob a desculpa de que acreditavam nas mentiras.
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Como enfrentar as fake news?
Todos os canalhas, com mandato ou não, que integraram a rede de mentiras contra mim, foram processados. Não me importa o quanto o PT capitule diante da desinformação, não vou ceder, nem esquecer. Decidi fazer desse limão uma limonada ao escrever tese de doutorado sobre o tema na Universidade de Barcelona. A internet e as mídias sociais são territórios onde o império da lei ainda não chegou. Daí criminosos reivindicarem, impunemente, o direito a assassinar reputações, vidas. Mas as sociedades serão capazes de conter este mal, já caminhamos nesse sentido.
Você acompanha o Big Brother Brasil? O programa segue espaço interessante para tratar de temas centrais para sociedade?
Não tenho tempo. Mas acho que o BBB hoje serve à guerra de fandoms e ao tribunal do cancelamento. Creio que pouco se extrai de politicamente efetivo, uma vez que o mundo comum foi destruído em bolhas que falam para si mesmas, e não para fora, como quando eu participei dele. A vida era outra: acho até que era em (cor) sépia e eu usava maria-chiquinha (risos).