Bolsonaro continuará inaugurando lanchonetes

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Foto: JOE RAEDLE/ AFP

O ex-presidente Jair Bolsonaro passou ao todo 89 dias nos Estados Unidos, local que escolheu para “descansar” após o fim de seu mandato. De lá, acompanhou crises relacionadas ao seu governo, como o caso das joias doadas pela Arábia Saudita, e os atos golpistas do dia 8 de janeiro, enfrentou problemas de saúde, foi “tietado” por apoiadores e participou de eventos conservadores, como a maior convenção americana de direita, onde foi citado nominalmente por Donald Trump. Durante o período, esteve cercado de seus homens de confiança e dividiu sua estadia em Orlando nas casas do lutador José Aldo e do ruralista Paulo Junqueira.

Bolsonaro deixou o Brasil ainda presidente da República, no dia 30 de dezembro, desembarcando em solo americano no dia seguinte. A postura discreta e reclusa dos primeiros dias foi gradativamente mudando, com o aumento dos passeios pelo condomínio, com direito a sessão de fotos com apoiadores, presença em eventos e palestra, chegando até a participar da inauguração de uma hamburgueria, em Kissimmee, na Flórida. O político brasileiro, inclusive, foi um dos destaques do maior evento conservador dos Estados Unidos, a Conferência Anual de Ação Política Conservadora (CPAC), na qual discursou e foi chamado de “homem muito popular” pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Até o dia 27 de janeiro, o ex-presidente teve a companhia da mulher Michelle Bolsonaro, que optou por voltar mais cedo para o Brasil. Entre as visitas que recebeu, as mais frequentes foram do ex-ministro do Turismo Gilson Machado, e do ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães, além do filho Eduardo Bolsonaro.

Os únicos que permaneceram todos os 89 dias ao lado de Bolsonaro foram os três seguranças: o capitão da reserva Sérgio Cordeiro, o primeiro-sargento da PM do Rio de Janeiro Max Guilherme Machado e o coronel Marcelo Câmara. No exterior, o ex-chefe do Executivo também enfrentou problemas de saúde, fato recorrente durante seus anos à frente do Palácio do Planalto, e chegou a ser internado em um hospital dos Estados Unidos.

Durante seu período nos Estados Unidos, Bolsonaro participou de diversos encontros com apoiadores e palestras. Um dos eventos, inclusive, teve venda de ingressos, com entradas custando entre 10 e 50 dólares. Durante suas falas, era recorrente ouvir o político questionando o resultado das eleições e fazendo críticas a Lula.

Em um evento para empreendedores brasileiros em Orlando, o ex-presidente admitiu a possibilidade de ficar inelegível até as eleições de 2026 e classificou sua “eventual prisão” como “arbitrariedade”. Bolsonaro abordou o tema ao comentar os desdobramentos legais da reunião com embaixadores, em julho passado. Na ocasião, o ex-mandatário atacou, sem provas, as urnas eletrônicas e colocou em dúvida o processo eleitoral brasileiro.

— Existe a possibilidade de inelegibilidade sim, mas a questão de prisão só se for arbitrariedade — disse.

Em outra palesta promovida por uma entidade conservadora de brasileiros emigrados na Flórida, Allan dos Santos, o blogueiro foragido da Justiça brasileira que vive nos Estados Unidos, estava na plateia.

Além de palestras, Bolsonaro chegou até a participar da inauguração de uma hamburgueria na Flórida. O ex-presidente esteve na abertura do restaurante PCG, em Kissimmee, onde cortou a fita do estabelecimento e tirou fotos com apoiadores. No local, ele assinou um carro e tirou foto segurando um cachorro.

O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mencionou Jair Bolsonaro durante sua participação na Conferência Anual de Ação Política Conservadora (CPAC), em Washington. Em seu discurso, o americano afirmou que o ex-presidente brasileiro é um homem “muito popular na América do Sul” e “muito popular” no Brasil. Bolsonaro, que acompanhava da plateia, se levanta e é ovacionado pelos presentes com gritos de “mito”.

“Um homem muito popular na América do Sul, muito popular no Brasil, o ex-presidente do Brasil, presidente Bolsonaro. É uma grande honra”, falou Trump.

O ex-ministro Gilson Machado chegou a anunciar que Bolsonaro e Trump se reuniriam durante o evento, mas o encontro não se confirmou. O ex-mandatário brasileiro também discursou na convenção e colocou em dúvida o resultado da eleição no Brasil e nos EUA. Enquanto falava, eram mostradas imagens dele com apoiadores durante a campanha presidencial do ano passado.

— Se olharem as imagens ao lado, eu tive muito mais apoio em 2022 do que em 2018. Não sei por que os números mostraram o contrário — disse.

Ele destacou que mantém um excelente relacionamento com o ex-presidente Donald Trump e, em uma referência à eleição do atual presidente americano, o democrata Joe Biden, Bolsonaro lembrou que demorou a reconhecer a vitória de Biden. Assim como aconteceu no Brasil no último dia 8 de março, quando bolsonaristas golpistas depredaram os prédios dos Três Poderes em Brasília, eleitores de Trump, ligados à extrema direita, invadiram o Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021. No evento, ele também sinalizou que ainda pretende se candidatar à Presidência do Brasil no futuro.

Durante seu período em terras estrangeiras, o ex-presidente se encontrou com políticos bolsonaristas, entre eles integrantes de seu governo. Além do filho Eduardo Bolsonaro, ele apareceu em eventos ao lado do ex-ministro do Turismo, Gilson Machado, o ex-presidente da Caixa, Pedro Guimarães, e seu ex-assessor Tércio Arnaud.

O ex-presidente também se encontrou nos EUA com parlamentares bolsonaristas, como Márcio Frias (PL-SP), Bruno Engler (PL-MG), Julia Zanatta (PL-SP) e os vereadores Paulo Chuchu (PL-SP) e Gil Diniz (PL-SP).

Além de políticos, Bolsonaro recebeu familiares e amigos nas casas em que se hospedou nos Estados Unidos. Em um primeiro momento, ele se acomodou na residência do lutador José Aldo e depois foi para a propriedade do líder ruralista Paulo Junqueira, que preside o Sindicato Rural de Ribeirão Preto (SP).

Entre as visitas, esteve o sertanejo Rick, que faz dupla com Renner, que aparece em um vídeo cantando louvor ao lado de Bolsonaro. No registro, Bolsonaro chora ao ouvir a música.

“Não vá desistir agora, não perca a tua fé. Ele tarda, mas não falha, e no fim desta batalha, você vai ser vencedor. Então não perca a tua fé, acredite em você, um escolhido do Senhor”, diz trecho da canção.

O ex-presidente estava nos Estados Unidos acompanhou à distância duas grandes crises relacionadas ao tempo em que foi presidente do Brasil. A primeira foi logo em sua segunda semana de viagem, no dia 8 de janeiro, quando bolsonaristas inconformados com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições invadiram e depredaram os prédios do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto.

À época, Lula apontou Bolsonaro como um dos responsáveis pelos atos, alegando que o ex-presidente “passou quatro anos instigando o povo a ter ódio”. Ele, por sua vez, em publicação nas redes sociais, associou o atos de vandalismo à esquerda e disse que depredações “fogem à regra”.

“Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra”, escreveu Bolsonaro.

A segunda grande crise enfrentada por Bolsonaro nos Estados Unidos é mais recente e está longe de seu final. O político tem sido alvo de críticas e de pedidos de investigações após serem divulgadas suas tentativas para reaver um colar de diamantes recebido de presente do governo da Arábia Saudita quando ainda era presidente. A joia, por ter sido declarada incorretamente, foi retira pela Receita Federal. Bolsonato teria recebido ainda, outro dois estojos de joias dos representantes árabes, e os teria incorporado ao acervo presidente. Um dele já foi devolvido ao Governo Federal após determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) e o outro, segundo a defesa do próprio Bolsonaro, está à disposição também para entrega. Juntas, as joias recebidas por Bolsonaro e integrantes de seu governo são avaliadas em aproximadamente R$ 18 milhões.

O ex-presidente e a mulher, Michelle Bolsonaro, comemoram seus aniversários juntos em Orlando, no dia 17 de março. O casal ganhou uma festa organizada pelo amigo pessoal da ex-primeira-dama, o maquiador Agustin Fernandez, e pela chef de cozinha brasileira Karlota Fonseca, que se autointitula a “chef das estrelas”. Michelle compartilhou uma foto do momento em suas redes sociais.

Na comemoração, o ex-presidente ganhou um bolo com o escudo do time de futebol Palmeiras, enquanto o da ex-primeira-dama tinha uma foto de um dos cachorros do casal. Bolsonaro e Michelle fizeram aniversário nos dias 21 e 22 de março, respectivamente. O ex-presidente completou 68 anos, e a ex-primeira-dama, 41.

A comemoração precisou ser adiantada por conta do evento onde Michelle de posse no cargo de presidente do PL Mulher, realizada no dia do aniversário de Bolsonaro.

O ex-chefe do Executivo foi internado no AdventHealth Celebration, um hospital em Orlando, na Flórida, após fortes dores abdominais. Ele ficou dois dias na unidade e depois teve alta.

Segundo o colunista Lauro Jardim, o político deixou o hospital nesta terça, apesar da recomendação contrária da equipe médica. A indicação era de que ele ficasse ao menos mais três ou quatro dias internado, até que começasse a se alimentar ao menos com uma dieta pastosa.

O médico de Bolsonaro, doutor Ricardo Peixoto Camarinha, chegou a visitar o político no condomínio Encore Resort, em Orlando, onde estava hospedado.

Durante sua estadia nos Estados Unidos, Bolsonaro por diversas vezes foi abordado na rua para tirar fotos com apoiadores. Principal e mais influente semanário de notícias dos Estados Unidos, a revista Time publicou uma reportagem sobre a rotina dele na Flórida, na qual chamou a nova vida do ex-presidente como “surreal”.

A reportagem mencionou que o ex-presidente recebia visitas constantes de brasileiros em casa e que as “famílias sorridentes” entregavam “cestas de pão, morangos, flores e Nutella”. Para a publicação, a presença de Bolsonaro na Flórida era “um espetáculo bizarro, mesmo para um estado com uma longa história de refúgio para personagens excêntricos”.

A ex-primeria-dama, que foi para os Estados Unidos junto com o marido em dezembro de 2022, optou por retornar antes ao Brasil. Ela ficou no país norte-americano até o dia 17 de janeiro, data em que desembarcou novamente em solo brasileiros.

Desde então, o casal só se reuniu uma vez agora em março, quando Michelle visitou o ex-presidente. Ela passou menos de uma semana com o marido, tempo suficiente para eles alinharem a estratégia sobre o caso das joias das arábias.

O último contato público do casal foi no dia cerimônia de posse de Michelle no cargo de presidente do PL Mulher, da qual Bolsonaro participou por videoconferência. No telão, o político chorou e afirmou que aquele era um “momento difícil”.

— Hoje é um dia muito especial. Estamos ai com o PL Mulher. Obviamente que eu gostaria de estar presencialmente nesse evento ao lado da minha esposa e da minha família, mas a vida se faz em momentos felizes e momentos tristes. E tudo passa a ser ensinamento para nós. E creio eu que esse momento difícil para todos os brasileiros teria que ser dessa forma. Por vezes temos que sofrer para darmos valor ao que esta em nosso lado — disse o ex-presidente.

O Globo