Caso Moro insufla punitivismo no Congresso
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Após a operação da Polícia Federal, nessa quarta-feira (22/3), contra integrantes de uma facção criminosa suspeitos de planejar o sequestro e a morte de autoridades públicas, incluindo um senador, Sergio Moro (União-PR), parlamentares do Congresso Nacional se movimentam para resgatar projetos que endurecem penas contra crime organizado. Na Câmara, a bancada da bala, que reúne deputados mais conservadores, deve sair em apoio às medidas. Ideia do próprio Moro no governo de Jair Bolsonaro (PL), o chamado “pacote anticrime” pode ser ressuscitado. Além disso, outras propostas tendem a ser resgatadas e outras, novas, apresentadas.
Os criminosos, ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), segundo as investigações, pretendiam sequestrar e matar o senador Moro, a esposa dele, a deputada federal Rosângela (União-SP), e o promotor de Justiça Lincoln Gakiya. Ele integra o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo (Gaeco) e é o principal investigador da facção criminosa no país.
Enquanto ministro da Justiça do antigo governo de Jair Bolsonaro (PL), Moro havia apresentado o “pacote anticrime”, uma série de regras que endureciam o sistema penal. A medida, porém, foi desidratada no Congresso por meio de vetos à lei. A ideia, inclusive, não teve amplo apoio do próprio governo Bolsonaro.
Agora, com o tema de volta à tona, o próprio Moro tenta emplacar, no Senado, um projeto de lei para ampliar a proteção dos agentes públicos envolvidos no combate ao crime organizado. O texto prevê que, diante de situação de risco decorrente do exercício da função, autoridades judiciais, membros do Ministério Público e seus familiares tenham parâmetros de proteção pessoal avaliados pela Polícia Judiciária.
Ao Metrópoles alas próximas ao senador avaliam que “há um grande apelo” no endurecimento de regras penais que visam proteger os membros dos Três Poderes diante do “momento enfrentado”.
Líder da bancada da bala, o deputado Alberto Fraga (PL-DF) afirmou ao Metrópoles que os parlamentares que integram a frente apoiarão a retomada de projetos que tratam de crimes, mas veem o atual governo como “empecilho”: “Não há nada que possa ser proposto que já não tenha na Casa. Mas as coisas não acontecem, o PT é contra aumento de pena, e a única coisa que vai frear a criminalidade é a punição”.
Ele completa: “Não vamos descobrir a fórmula agora. Casos como o do Sergio Moro não são novidade, é coisa antiga. Se você observar, os mentores dessas ações são perigosíssimos, que deveriam estar isolados e não estão. Continuam praticando crimes, às vezes, dentro do próprio presídio”.
O senador Sergio Moro defendeu a “reação” do Congresso por meio da aprovação de leis que fortaleçam o combate ao crime organizado:
“A minha avaliação, em relação ao crime organizado, é que ou nós o enfrentamos ou não só as autoridades vão pagar o preço, mas igualmente a sociedade. Isso tem que ser feito com políticas rigorosas, inteligentes, com base na lei contra a criminalidade organizada. Não podemos nos render”, afirmou Moro.
A repercussão do caso do paranaense também resultou na apresentação de um projeto por parte do Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS). O documento tipifica como “qualificadora” o homicídio cometido contra autoridades e servidores públicos no exercício de sua função, aumenta proteção aos agentes públicos e processuais envolvidos no combate ao crime organizado e tipifica a conduta de obstrução de ações contra o crime organizado.
O PL nº 1.342/2023 prevê enquadramento na Lei das Organizações Criminosas, com pena de 4 a 12 anos de prisão, para quem ordenar ataques contra agentes públicos. Caso o ato seja tentado ou consumado, a pena será cominada ao crime correspondente. Na avaliação de Fraga, a iniciativa tem poucas chances de prosperar no Congresso, mesmo diante do apelo causado pelo caso de Sergio Moro e da crise com facções do Rio Grande do Norte.
“Não podemos legislar por espasmos, diante de casos com grande repercussão pública”, comenta o deputado.
Além disso, na Câmara dos Deputados, um PL altera progressão de regime para condenados por homicídio. O texto estabelece que, nos casos em que a vítima seja autoridade ou integrante das forças de segurança, o condenado deverá ter cumprido no mínimo 80% da pena para pretender a progressão de regime.
No Senado, por exemplo, tramita um projeto que veda a audiência de custódia, realizada nas prisões em flagrante, para que o juiz decida sobre a legalidade do ato e sua possível conversão em prisão preventiva. Há, ainda, um projeto que põe fim às saídas temporárias coletivas, os chamados “saidões”, geralmente em datas comemorativas.
Outro documento pretende alterar as penas e tipificar como “ato terrorista” as condutas toleradas em nome ou em favor de grupos criminosos organizados.
Durante coletiva de imprensa na noite de quarta, o senador Moro afirmou que espera que o governo federal apoie o projeto, apresentado por ele, como um pedido de desculpas. A fala do ex-ministro se refere à declaração de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que alimentava uma ideia de vingança ao senador quando estava preso em Curitiba.
Para Moro, a fala de Lula — de que “só vai ficar bem quando eu f… com o Moro” — expõe o senador e a família dele a uma situação de “vulnerabilidade”.
“Espero mais do que palavras, espero gestos. Gostaríamos de ter o apoio do governo federal neste projeto, para que a gente possa superar esse episódio”, disse.
Na terça-feira (21/3), o presidente Lula manifestou, em entrevista ao Brasil 247, ter sentido vontade de “se vingar” de Moro quando foi preso por ordem do então juiz federal. Na manhã de quarta, a PF deflagrou a operação contra o plano do PCC.
Lula, que participou de agendas em estados do Nordeste, não comentou a ação da PF. Já Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública, criticou a politização do caso e disse que pessoas “tentam levar o debate político brasileiro ao nível da lama”.
“Não aceitamos isso. (…) Cumprindo a lei, protegemos a vida do nosso adversário. Se nós não tivéssemos agido, poderia haver alguma ilação. Mas a Polícia Federal agiu de modo exemplar. Foi uma decisão da direção da PF atuar de modo exemplar. (…) É repugnante a ação política dessa extrema direita desvairada, aloprada, querendo desqualificar um trabalho sério da PF, que deve ser homenageado”, destacou Dino.
O objetivo da operação deflagrada pela PF na quarta foi desarticular o plano feito pelo PCC para sequestrar e matar servidores públicos e autoridades.
Os mandados de prisão e busca e apreensão são cumpridos em cinco unidades da Federação: Rondônia, Paraná, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
De acordo com as diligências da PF, os ataques poderiam ocorrer de forma simultânea, e os principais investigados estão nos estados de São Paulo e Paraná. Nove pessoas foram presas.
O nome da operação – Sequaz – refere-se ao ato de seguir, vigiar, acompanhar alguém, devido ao método utilizado pelos criminosos para fazer o levantamento de informações das possíveis vítimas.
O PCC é uma facção comandada por Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola. Em 2018, o promotor Lincoln Gakiya pediu a transferência de Marcola de São Paulo para um presídio federal. No início do ano seguinte, o chefe do PCC foi transferido para a Penitenciária Federal de Brasília. Essa seria uma das motivações do plano articulado pelo PCC.
Além disso, durante atuação como ministro da Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro, Moro propôs, entre outras medidas, a vedação da visita íntima e o monitoramento dos contatos dos presos, inclusive com os seus advogados, em presídios federais. As ações desagradaram membros da facção.
De acordo com as investigações, o sequestro e a morte de Moro e de outras autoridades seriam executados para obter dinheiro e conseguir o resgate de Marcola, que, no início deste ano, foi trazido do Presídio Federal de Porto Velho (RO) para o de Brasília.