Cresce número de versões sobre Joias das Arábias
Foto: PR e Reprodução
As histórias, justificativas e contradições envolvendo joias e presentes milionários dados pelo príncipe da Arábia Saudita para o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) e, supostamente, para sua esposa, Michelle Bolsonaro, formam uma teia de idas e vindas de versões. São versões que, em linguagem popular, seriam um “disse me disse” no qual, a cada personagem, a história é contada de um jeito.
Desde quando o caso foi revelado, na sexta-feira (3/3), pelo jornal O Estado de S.Paulo, os relatos mudam de acordo com a exposição de documentos por jornalistas.
Em um primeiro momento, Bolsonaro disse, em entrevista à CNN, que estava sendo acusado injustamente de “um presente que eu não pediu, nem recebeu”, afirmou. Em seguida, completou: “Não existe qualquer ilegalidade da minha parte. Nunca pratiquei ilegalidade. Veja o meu cartão corporativo pessoal. Nunca saquei, nem paguei nenhum centavo nesse cartão”.
Nova reportagem, agora da Folha de S.Paulo, mostrou que além das joias avaliadas em mais de R$ 16,5 milhões, retidas pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos, um segundo pacote de joias teria sido enviado pelo governo da Arábia Saudita a Bolsonaro.
Diante do recibo, Bolsonaro mudou a versão e confirmou ter incorporado ao seu acervo privado alguns dos presentes. O segundo pacote, que não foi barrado pela Receita, tinha um estojo com uma caneta, um anel, um relógio, um par de abotoaduras e um terço.
Esses, sim, Bolsonaro disse ter “seguido a lei” ao incorporado os itens ao acervo pessoal. “Segui a lei, como sempre fiz”, endossou.
O ex-presidente reiterou, no entanto, não ter recebido outros presentes enviados pelo príncipe Mohammed bin Salman Al Saud. Nem ele, nem a esposa, destacou. Michelle Bolsonaro negou, com veemência, o conhecimento das joias antes da reportagem ser publicada.
Em um primeiro momento, Michelle ironizou a denúncia feita por jornalistas. “Tenho tudo isso e não estava sabendo?”, disse nos stories do Instagram. “Estou rindo da falta de cabimento dessa imprensa vexatória”, completou.
Em seguida, requerimentos formais do governo para reaver os objetos retidos pela Receita vieram à tona, confirmando que o colar, o par de brincos, o anel e o relógio da marca Chopard, no valor de 3 milhões de euros, o equivalente a R$ 16,5 milhões estavam retidos na Receita Federal, existiam e teriam sido enviados a ela. A partir daí o discurso muda. Michelle pede investigação, leva o assunto a sério e diz que “como mulher traída” foi “a última a saber”.
As joias desconhecidas pela ex-primeira dama foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, no dia 26 de outubro de 2021. Os objetos estavam na mochila de um militar, assessor do então ministro, Bento Albuquerque, das Minas e Energia, Marcos André dos Santos Soeiro. De outubro de 2021 até o final de seu mandato, em dezembro de 2022, Bolsonaro tentou, por diversos meios, reaver as joias, sem sucesso.
A única forma de liberar os objetos seria pelo pagamento do imposto de importação, equivalente a 50% do preço das joias, além do pagamento de uma multa de 25%, o que custaria R$ 12,3 milhões.
Imagens mostraram Albuquerque dizendo a auditores da Receita Federal que as joias dadas de presente pela Arábia Saudita ao Brasil eram para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. O vídeo, obtido pela GloboNews e pela TV Globo, foi registrado pelas câmeras de segurança do Aeroporto Internacional de Guarulhos, no dia 26 de outubro de 2021, data em que Albuquerque desembarcou no Brasil. “Isso tudo vai entrar lá para a primeira-dama”, disse.
EXCLUSIVO: então ministro de Minas e Energia do governo de Bolsonaro, Bento Albuquerque, disse aos auditores da Receita Federal que as joias de R$ 16,5 milhões eram para a Michelle.
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— GloboNews (@GloboNews) March 9, 2023
O ex-ministro também se complicou nas explicações. Em 4 de março, disse que a comitiva de Jair Bolsonaro cumpriu os protocolos oficiais ao desembarcar no Brasil com as joias.
Segundo Albuquerque, o Ministério de Minas e Energia encaminhou uma solicitação para que os bens tivessem o adequado destino legal. O ex-ministro também alegou que a Receita Federal foi informada durante o desembarque da procedência das joias, “sem nenhuma tentativa de induzir, influenciar ou interferir nas ações adotadas”.
A Receita Federal, no entanto, informou que os bens foram trazidos para o Brasil de forma irregular e que a comitiva não regularizou a situação aduaneira dos itens mesmo após orientações do órgão fiscalizador.
Investigações
As versões conflitantes serão apuradas em diversas linhas de investigação. A Polícia Federal abriu investigação que será conduzida pelo delegado Adalto Ismael Rodrigues Machado, da delegacia de Repressão a Crimes Fazendários da Polícia Federal de São Paulo.
Nessa frente, está marcado para a próxima terça-feira (14/3), depoimento do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque sobre joias recebidas pela comitiva brasileira na Arábia Saudita. De acordo com o ministro da Justiça, Flávio Dino, o fato pode configurar crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis delitos.
O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma investigação para apurar se houve tentativa de descumprir as regras de entradas de bens no país e “afronta à diferenciação do que seja bem público e do que seja bem pessoal”.
O ministro Augusto Nardes, relator do caso, proibiu o ex-presidente de usar, dispor ou vender das joias da Arábia Saudita até o fim das investigações. A medida é cautelar (temporária) e atende ao pedido do Ministério Público junto ao TCU e da deputada Sâmia Bomfim, do PSOL de São Paulo.
Segundo revelou o colunista do Metrópoles, Guilherme Amado, Nardes também determinou a realização de uma diligência Polícia Federal e à Receita Federal e que seja colhido o depoimento de Bolsonaro e do ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
A Receita Federal também ressaltou que vai tomar “as providências cabíveis”, no âmbito de suas competências, para investigar as circunstâncias de entrada do segundo pacote de joias, essas em posse Bolsonaro.
Essas joias foram entregues por um assessor especial do Ministério de Minas e Energia ao Palácio do Planalto apenas em novembro de 2022, e permaneceram sob guarda da pasta desde o desembarque no Brasil, em 2021.
Em nota, a Receita diz que esse pacote somente poderia ter ingressado no país se trazido por outro viajante diferente daquele alvo da fiscalização aduaneira.
No Senado Federal, o senador Omar Aziz (PSD-AM), recém eleito para a presidência da Comissão de Transparência e Fiscalização da Casa Alta, afirmou, nesta quinta-feira (9/3), que o colegiado vai investigar a possível relação entre a venda de uma refinaria e as joias.
A refinaria em questão é a Petrobras Landulpho Alves (RLAM), localizada na Bahia. Criada em 1950, foi a primeira refinaria nacional de petróleo. Avaliada em aproximadamente US$ 3 bilhões de dólares, foi vendida por US$ 1,8 bilhão, em 2021.
Segundo o senador, a comissão já ingressou com um ofício solicitando documentos da Petrobras sobre a avaliação de preço da refinaria Landulpho Alves. Situada no Recôncavo Baiano, a RLAM, produz diesel, gasolina, óleo combustível e bunker, além de produtos especiais, como parafina e propeno.
Aziz quer um relatório na espécie de um “pente-fino” acerca dos negócios fechados pelo antigo governo com os árabes, em especial, com fundos de pensão ligados ao governo da Arábia Saudita.