Parentes de políticos inundam tribunais de Contas
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Responsáveis por fiscalizar o uso do dinheiro público, tribunais de contas têm sido aparelhados. Dos atuais 232 conselheiros dessas cortes, 30% são parentes de políticos — sendo que alguns foram nomeados por seus próprios irmãos, sobrinhos ou cônjuges governadores. A grande maioria (80%) chegou a esses órgãos indicada por aliados após fazer carreira em cargos políticos. Além disso, 32% são condenados na Justiça ou alvos de investigações por crimes que vão desde improbidade administrativa até peculato e corrupção.
É papel dos membros desses tribunais, por exemplo, aprovar ou rejeitar as contas dos chefes dos Executivos — o que pode, inclusive, deixar políticos inelegíveis. Uma vez no cargo, o nomeado tem estabilidade até a aposentadoria compulsória, aos 75 anos, salário de R$ 41,8 mil e foro privilegiado.
A prática de ocupar essas cortes com nomes de confiança de lideranças políticas é adotada tanto pela direita como pela esquerda, assim como nas esferas municipal, estadual e federal, conforme levantamento feito pelo GLOBO. Atualmente, o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), tenta emplacar sua mulher, a enfermeira Aline Peixoto, em uma vaga de conselheira no Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia. Caso seja bem-sucedido, será o quarto ministro do governo Lula a ter sua mulher como conselheira de uma dessas cortes.
Em janeiro, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias (PT), emplacou sua mulher, Rejane Dias, para conselheira do Tribunal de Contas do Piauí (TCE-PI). Dias governou o estado até março de 2022 e conseguiu a nomeação em uma articulação com a Assembleia Legislativa, onde segue influente.
Atual ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes nomeou sua mulher, Marília Góes, no Tribunal de Contas do Amapá em fevereiro de 2022, quando ainda era governador do estado. A indicação chegou a ser suspensa pela Justiça sob acusação de nepotismo, mas a decisão foi revertida.
O cenário se repetiu com o ministro dos Transportes, Renan Filho. Em dezembro do ano passado o emedebista, que havia deixado o governo de Alagoas em abril, conseguiu garantir a vaga aberta no Tribunal de Contas do estado para sua mulher, Renata Calheiros. Após ser indicada, ela teve a candidatura aprovada no dia seguinte.
Contestadas na Justiça, as nomeações de familiares para tribunais de contas acabam sendo mantidas. Apesar da proibição de nepotismo no serviço público, as decisões favoráveis seguem jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu parentes em funções políticas, como ministros ou secretários.
Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), José Carlos Vasconcellos defende que deveria existir uma mudança nesse entendimento:
— O papel de conselheiro de corte de contas é atuar como julgador imparcial e independente. Ele não pode estar manipulado ou subordinado à chefia do Executivo ou do Legislativo. É muito diferente de um ministro, que é um cargo de confiança do Executivo, atuando irmanado.
Em São Paulo há uma disputa que pode resultar na indicação de mais um familiar de político para uma vaga de conselheiro. O presidente da Câmara Municipal da capital paulista, Milton Leite (União), tem pressionado para indicar um de seus filhos ao TCM-SP. Ele trava uma queda de braço com o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que, por sua vez, tenta emplacar um aliado no órgão onde vem sofrendo uma série de reveses.
Já no Pará o governador Helder Barbalho (MDB) emplacou nas últimas duas vagas que foram abertas no TCM sua tia, Mara Lúcia Barbalho, e seu ex-vice-governador, Lucio Vale. Este último é réu em uma investigação que apura desvios de R$ 39,6 milhões em dez municípios paraenses.
Assim como numa capitania hereditária, uma vaga no Tribunal de Contas do Amazonas foi passada de pai para filho em 2020. Após Josué Cláudio de Souza Filho antecipar sua aposentadoria da corte, o então deputado e presidente da Assembleia Legislativa, Josué Cláudio de Souza Neto, convocou uma reunião e aprovou sua própria nomeação.
Além de parentes, a nomeação de condenados pela Justiça ou alvos de investigações por crimes que vão de improbidade administrativa até corrupção suscita debate. A Constituição exige que a indicação de ministros ou conselheiros de um tribunal de contas atenda a critérios como idoneidade moral e reputação ilibada, notório conhecimento de administração pública e mais de dez anos de exercício em uma função análoga.
Para a diretora-executiva da Transparência Brasil, Juliana Sakai, a atual composição desses tribunais provoca conflitos de interesses, com parentes julgando as contas dos próprios familiares, e aliados responsáveis por fiscalizar seus padrinhos políticos.
— O tribunal se torna ineficiente e desacreditado porque está completamente aparelhado. Há uma estrutura de auditores de excelente formação, mas no final quem assina mexe algumas cartas e invalida esse trabalho — diz Sakai.