Receita não sabe como joias de Bolsonaro entraram no país
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A Receita Federal (RFB) anunciou, ontem, que investigará de que forma o segundo conjunto presenteado pelos sauditas — e que seria para o ex-presidente Jair Bolsonaro — entrou no Brasil, no retorno da mesma viagem na qual foi apreendido um conjunto de joias, no desembarque da comitiva do governo no aeroporto de Guarulhos. O fisco não localizou o estojo da grife de luxo suíça Chopard que continha um relógio, uma caneta, um par de abotoaduras, um anel e um masbaha (espécie de rosário islâmico).
Como a fiscalização nos aeroportos é feita por amostragem entre os passageiros que desembarcam no Brasil vindos do exterior, para a Receita o segundo estojo entrou ilegalmente e estaria com integrante da comitiva do ex-ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque. “A existência de um outro pacote de joias, que teria ingressado no país, somente seria possível se trazido por outro viajante, diferente daquele alvo da fiscalização aduaneira”, observa o fisco.
Para a Receita, a entrada irregular do segundo conjunto “pode configurar, em tese, violação da legislação aduaneira também pelo outro viajante, por falta de declaração e recolhimento dos tributos”.
Também ontem, a Polícia Federal (PF) de São Paulo abriu um inquérito para investigar a apreensão do conjunto de joias, avaliadas em R$ 16,5 milhões, presenteadas pelo governo saudita para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. O ministro da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Flávio Dino, determinou a apuração do procedimento que aponta como ilegal.
“Os fatos, da forma como se apresentam, podem configurar crimes contra a Administração Pública tipificados no Código Penal, entre outros. No caso, havendo lesões a serviços e interesses da União, assim como a vista da repercussão internacional do itinerário em tese criminoso, impõe-se a atuação investigativa da Polícia Federal”, salientou Dino. Já o Ministério Público Federal em São Paulo (MP-SP) se reuniu com a Receita e solicitou que sejam encaminhadas todas as informações disponíveis sobre a entrada das joias — um processo investigativo será aberto.
Contatado pelo Correio, o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, responsável por organizar os acervos dos presidentes, não se pronunciou se o segundo estojo com os presentes que seriam de Bolsonaro está nos arquivos do setor. Fontes do Palácio do Planalto também não souberam dizer se o presente encaminhado pelo assessor do ex-ministro Bento Albuquerque, Antônio Carlos Ramos de Barros Mello, semanas antes do final do governo, foi localizado.
A justificativa de Mello para a entrega ter acontecido mais de um ano após o ingresso das joias no país foi a suposta demora do GADH em responder ao questionamento, feito pelo Ministério das Minas e Energia — com o qual estava o conjunto presenteado pelos sauditas a Bolsonaro — sobre o destinatário adequado para os bens.
Fontes relatam que o setor responsável por gerenciar os acervos presidenciais, o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), teve suas funções esvaziadas durante o governo anterior, com diversos postos de chefia ocupados por militares. Funcionários afirmam que, dessa maneira, o acervo ficou sem os mecanismos adequados de controle.
Os nomes da trama
Bento Albuquerque
O almirante era ministro das Minas e Energia quando recebeu dos sauditas os presentes para Jair Bolsonaro e Michelle. As joias e a estátua de um cavalo foram retidas pela Receita Federal no aeroporto de Guarulhos — um segundo conjunto da Chopard entrou no Brasil e, em tese, foi incorporado ao patrimônio da Presidência da República. Ao saber que a caixa para a ex-preimeira-dama fora retida, tentou liberá-la com uma carteirada. Ouviu um “não” como resposta. Também pressionou a cúpula da Receita a interceder para liberar os bens — nada conseguiu. O conjunto para Bolsonaro ficou no Ministério das Minas e Energia por mais de um ano e só foi entregue em outubro do ano passado. Deixou a pasta em maio de 2022.
Marcos Andre dos Santos Soeiro
Ex-assessor de Albuquerque, em cuja mochila os fiscais encontraram as joias e a estátua.
Antônio Carlos Ramos de Barros Mello
Ex-assessor especial de Albuquerque, entregou na Presidência a caixa que não foi barrada pela Receita. O conjunto era composto de um relógio masculino, um par de abotoaduras, uma caneta, um anel e um masbaha.
Erick Moutinho Borges
Chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, recebeu a caixa para Bolsonaro, em 29 de outubro de 2021, de Barros Mello. Assinou um recibo dando entrada do conjunto.
Marcelo da Silva Vieira
Chefe de gabinete adjunto de Documentação Histórica do gabinete pessoal do presidente da República, enviou ofício, em 29 de outubro de 2021, para o chefe de gabinete de Albuquerque, o contra-almirante José Roberto Bueno Junior, pedindo o encaminhamento das joias — ainda retidas — para análise a fim de incorporá-la ao “acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República”.
Julio Cesar Viera Gomes
Ex-secretário da Receita Federal, entrou no circuito para tentar liberar o conjunto retido. Enviou um ofício para a alfândega de Guarulhos pedindo a liberação. Nada conseguiu.
Mauro César Barbosa Cid
Ex-ajudante de ordem de Bolsonaro, o tenente-coronel viabilizou a logística para que as joias fossem resgatadas em Guarulhos, a poucas horas do fim do governo Bolsonaro. O militar foi razão de mal-estar no governo Lula por ter sido designado para o comando do 1º Batalhão de Ações e Comando, em Goiânia, pelo ex-presidente. Foi colocado na Chefia do Preparo da Força Terrestre, do Comando de Operações Terrestres do Exército.
Jairo Moreira da Silva
Sargento da Marinha, foi enviado a Guarulhos por Mauro Cid para a derradeira tentativa de liberar as joias. Na solicitação de voo à Força Aérea Brasileira consta que a viagem era para “atender demandas” de Bolsonaro. Na alfândega do aeroporto, teria dito aos auditores-fiscais: “Não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo, tem que tirar tudo e levar”. Foi ignorado.