Sauditas seguem dando presentes ao bolsonarismo
Foto: Edgegroup no Twitter
De olho no mercado de defesa brasileiro, os Emirados Árabes Unidos convidaram uma alta autoridade do Ministério da Defesa no governo de Jair Bolsonaro (PL) para dirigir no país a filial da estatal do setor.
Como secretário de Produtos de Defesa, Marcos Degaut fez diversas viagens ao país árabes e outros, visando abrir mercados para empresas brasileiras. Em maio do ano passado, esteve ao lado do então filho presidencial Eduardo Bolsonaro em uma reunião no Edge Group, em Abu Dhabi.
O conglomerado emirati reúne 25 empresas de diversas áreas e agora chegará ao Brasil. Segundo Degaut disse à Folha, ele ainda não assumiu o cargo porque o Edge Group está em processo de instalação no país.
Questionado acerca do fato de ter deixado um cargo estratégico na Defesa e agora ir trabalhar para um potencial cliente do governo federal, ele descarta conflito de interesses. “Para isso que serve a quarentena. E a Seprod [Secretaria de Produtos de Defesa] não faz aquisições, ela trabalha em formulação de fomento da indústria”, diz.
Degaut deixou o governo em agosto de 2022, e seu período de quarentena de seis meses já foi cumprido. Ele era conhecido no Itamaraty como o homem de Bolsonaro nos Emirados, um dos países mais próximos do então clã presidencial —ficaram famosas as nebulosas visitas de Eduardo, deputado federal pelo PL-SP, a Dubai e Abu Dhabi.
Em 20 de abril do ano passado, o presidente enviou ao Senado mensagem indicando Degaut para ser o novo embaixador do Brasil no país árabe. A cúpula da Casa travou a indicação, em um episódio nunca totalmente esclarecido que dois presidentes de empresas de defesa importantes atribuem a rixas políticas, elogiando as qualificações técnicas do ex-secretário na área.
“Eu renunciei à indicação em agosto por motivo de saúde”, afirmou Degaut. Na mesma época, quatro meses após o Senado protelar a análise de seu nome, ele deixou o governo.
“Jamais pedi para ser indicado. Acho que a indústria nacional via os Emirados como uma grande aposta, ressentia algo mais proativo, e fez a indicação ao presidente”, afirmou. Degaut também nega proximidade com os filhos do ex-chefe. “Não sou, nem nunca fui amigo do Eduardo. Ele foi muito cordial nas reuniões em que participamos”, disse.
Uma das empresas controladas pelo Edge Group é a Beacon Red, conhecida anteriormente como Dark Matters, estrela de teorias conspiratórias envolvendo empresas de cibersegurança usadas por governos para espionar seus cidadãos.
Ela havia sido fundada em 2014 por Faisal Al Bannai, presidente do Edge desde a fundação da estatal, em 2019. A empresa rejeita acusações de malfeitos com as capacidades tecnológicas que domina.
Juntar o sobrenome Bolsonaro e reunião com uma firma com esse perfil alimentou rumores óbvios, ainda mais no auge da campanha do presidente e seus aliados contra o sistema eletrônico de votação no Brasil. Nenhum deles foi provado.
Segundo Degaut, nas reuniões que teve com o Edge Group, atividades da Beacon Red “jamais foram discutidas com o Ministério da Defesa”.
O tema, contudo, segue em pauta. A primeira prioridade do grupo emirati no Brasil será negociar uma parceria com a Kryptus, a principal empresa brasileira de cibersegurança, que cuida de certificação de urnas eletrônicas a criptografia para as Forças Armadas e Abin, passando por bancos, órgãos públicos e clientes privados.
“Há um início de conversas”, afirmou Degaut. “A Kryptus exporta tecnologia brasileira para mais de 20 países e para isso ativamente procura e mantém parcerias com as principais empresas globais, tanto para negócios no segmento enterprise [soluções de alta complexidade a pedido do cliente] como no segmento governo e defesa”, disse o presidente da empresa, Roberto Gallo.
“Atualmente, a Kryptus não possui parceria com o Edge Group e nem confirma conversas neste sentido”, completou. Em 2020, a empresa já havia recebido um aporte de R$ 20 milhões coordenado pela Embraer Defesa.
Sobre os rumores de mercado de que o Edge poderia se interessar pela combalida Avibrás, fabricante de mísseis e sistemas de armas paulista que está em recuperação judicial, Degaut é ambíguo. “Não existe nada sobre a Avibrás, mas isso não impede que possa haver”, afirmou.
O futuro executivo, que foi servidor federal por 32 anos e trabalhou nas Presidências de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Michel Temer (MDB), afirma que sua prioridade é capacitar empresas brasileiras com potencial exportador, não a compra delas.
“Eu entendo que empresas como a Kryptus têm de permanecer estratégicas, e pela lei isso significa 2/3 de controle nacional”, afirmou. Ele disse ter recebido propostas “de empresas de diversos países que visitei, americanas, italianas, do Egito”, mas que todas tinham um viés “predatório” sobre a indústria nacional.
Os Emirados, afirma, não. O plano é trabalhar com empresas de defesa de diversos países para triplicar o faturamento global da companhia, que foi de US$ 7 bilhões em 2021 [R$ 40,4 bilhões já corrigidos, no câmbio de hoje], até 2025. “O Edge quer estar entre as cinco maiores empresas do setor no mundo”, disse.
“Aqui no Brasil, precisamos superar o gargalo do financiamento. É muito difícil competir com o americano, o chinês, o europeu”, afirmou, dizendo que o Edge poderia trazer o abundante dinheiro emirati para parceiros nacionais que tenham algo a dar em troca, como tecnologias específicas.