Tráfico pagou campanha de candidata bolsonarista
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A Polícia Federal (PF) apontou, em inquérito que apurou a interferência do tráfico nas eleições de 2022, “fortes indícios” de que a advogada Flávia Fróes, que concorreu ao cargo de deputada federal no Rio pelo União Brasil, tenha recebido dinheiro da maior facção criminosa do estado para sua campanha. Os investigadores apontam, ainda, suspeitas de que parte desse valor tenha sido usado pela advogada para a compra de um carro BMW zero quilômetro por R$ 280 mil. Como o GLOBO revelou nesta segunda-feira, Flávia pediu apoio à sua candidatura a chefes do crime organizado em visitas ao presídio federal de Catanduvas, no Paraná.
Segundo a PF, em uma das idas à unidade prisional, no dia 6 de junho do ano passado, a advogada pediu “ajuda financeira” a Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, chefe do tráfico no Complexo do Alemão, para sua campanha eleitoral. Um mês antes, o criminoso já tinha prometido apoio à candidatura da advogada. No diálogo, Flávia alega que o valor solicitado não seria para a campanha, devendo ser pago a título de serviços advocatícios que poderiam ser descontados no futuro. No entanto, de acordo com as investigações, os criminosos dispensaram posteriormente que houvesse contrapartida por parte da advogada.
O diálogo foi gravado em áudio e vídeo no parlatório da unidade federal, onde os advogados atendem os detentos. Nos presídios da União, todas as conversas são gravadas. “Eu tô entrando em processo eleitoral agora. Tô super enforcada, porque eu preciso respirar. Não é pra nada, pra eleição não, preciso respirar, pra trabalhar (…) Mas é o valor de um júri que eu tô te pedindo. Não tô te pedindo o que você já vai me dar, eu tô te pedindo se você pode me dar o valor de um júri. Vê com eles aí quem pode se cotizar pra me ajudar só pra eu poder me desafogar pra a eleição”, afirmou a advogada, em conversa com Marcinho VP.
No dia seguinte, ela tem a resposta positiva sobre a liberação do dinheiro, em conversa no parlatório com Fabiano Atanásio da Silva, o FB, chefe do tráfico no Complexo da Penha, que também concordou em apoiar sua candidatura. O criminoso afirma para a advogada que o valor seria pago em razão de sua atuação em uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), mas que ela não precisaria “ressarcir nada”.
Para a PF, os criminosos dispensaram a prestação de serviços pela advogada, dando o dinheiro a título de doação. “Obrigada, agradeço, vem em boa hora. Eu tô em pleno processo de campanha”, disse Flávia.
Durante a investigação, a Polícia Federal identificou ainda que, no mês seguinte ao encontro, ela comprou uma BMW por R$ 280 mil. Segundo dados do inquérito, R$ 240 mil foram pagos à vista, enquanto o restante foi financiado. Os investigadores apontam que há fortes suspeitas de que o dinheiro usado para adquirir o veículo seja oriundo do tráfico de drogas. Eles acrescentam, ainda, que no mês anterior à compra do carro, ao declarar seus bens para a Justiça Eleitoral, Flávia não mencionou possuir qualquer valor em espécie.
Os investigadores acrescentam que ao solicitar “ajuda financeira” a Marcinho VP, durante a campanha eleitoral, Flávia afirmou que o valor pago poderia ser o referente a um júri popular, e a advogada já declarou, em entrevista, que não cobra menos do que R$300 mil para esse tipo de serviço advocatício. A PF aponta, então, semelhança entre o valor pleiteado e o pago na BMW.
“Fortes são os indícios de que Flávia Pinheiro Fróes utilizou dinheiro entregue a ela pela cúpula do Comando Vermelho para a aquisição de veículo automotor”, diz um dos relatórios da PF.
Ao GLOBO, a advogada negou que tenha recebido qualquer “ajuda financeira” do tráfico de drogas em sua campanha e alegou que o valor solicitado por ela foi a título de honorários advocatícios, que seriam descontados em serviços efetuados depois.
Segundo ela, a ação a que o criminoso se refere trata da regulamentação de visitas de presos nas unidades federais, de 2018, pela qual ela não teria sido paga, e na qual ainda continua atuando. A advogada argumenta, entretanto, que sequer recebeu o dinheiro prometido pelos traficantes.
— Comprei a BMW porque sofri um acidente com meu carro, então precisava de outro para me locomover. E não paguei R$ 240 mil à vista como a Polícia Federal está dizendo. Isso é uma vergonha. Vendi um carro da minha filha e dei entrada de R$ 40 mil. Financiei o restante — alega.
O inquérito da PF deu origem a um processo, na Justiça Eleitoral, que pode torná-la inelegível por abuso de poder econômico, justamente por suspeitas de que o tráfico tenha ajudado a financiar a campanha. A ação ainda está em andamento.