União Brasil dá pouco apoio e muito problema a Lula
Foto: Ricardo Stuckert/PR
O presidente Lula (PT) segurou o anúncio da conclusão do seu ministério, no final de dezembro, para encaixar o União Brasil. Com 61 deputados e nove senadores, o partido nascido da fusão do PSL, pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu presidente em 2018, e do DEM, adversário histórico do PT desde os tempos de PFL, virou objeto de desejo do presidente pela quantidade de votos que poderia entregar nas votações no Congresso. A manobra de última hora surpreendeu até parlamentares do União e obrigou Lula a reacomodar ministros, inclusive do PT.
Mesmo sem se comprometer a integrar a base, a sigla ganhou três ministérios (Comunicações, Turismo e Integração Nacional e Desenvolvimento Regional), número igual ao do MDB e do PSD, legendas mais contempladas na Esplanada depois do PT. Dois meses após o início do governo, o saldo da aliança com o União é desanimador para o Planalto: o partido rende mais dor de cabeça do que votos para o novo governo. Os três ministros da cota da legenda viraram uma usina de problemas, em decorrência do histórico de condenação, ligação com milícia e outras irregularidades. Por outro lado, a bancada continua majoritariamente oposicionista.
O líder na Câmara, Elmar Nascimento (BA), dado quase como certo como ministro, mas barrado pelo PT baiano, é um dos principais focos de resistência. O deputado tenta manter o controle sobre a Codevasf, companhia responsável por obras hídricas no Nordeste e em áreas da região Norte e Sudeste. Um eventual acordo do Planalto com Elmar pode dar novo rumo à relação.
Criticado inicialmente por não ter qualquer vínculo prévio com a área, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União-MA), corre o risco de ter de se explicar à Comissão de Ética da Presidência e também está na mira de Lula, que pretende cobrar esclarecimentos do auxiliar sobre as acusações de ter utilizado emenda do chamado orçamento secreto para se beneficiar pessoalmente, de ter omitido da declaração de bens possuir animais de raça avaliados em mais de R$ 2 milhões e de ter viajado, em avião da Força Aérea Brasileira (FAB), para um leilão de cavalos. Na bolsa de apostas de aliados, o deputado licenciado é considerado favorito a ser o primeiro ministro a ser demitido por Lula.
Um dos vice-líderes do governo na Câmara, o deputado Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ) defende que as acusações contra Juscelino sejam devidamente investigadas. “Somos base de sustentação política do governo com a tarefa de defender a nossa democracia de isolar e derrotar a extrema direita e ajudar na construção de politicas publicas e legislação para melhorar a vida do povo, mas precisamos seguir parâmetros políticos e éticos”, disse o deputado ao Congresso em Foco. “Não temos problema em pedir investigação. Isso não é contradição. Quando houver divergência devemos, com transparência e lealdade, pedir investigação e responsabilização”, acrescentou.
Vice-presidente do União Brasil, o ex-deputado Junior Bozzella reconhece que a maior parte da bancada da Câmara ainda resiste ao governo. “Talvez a proporção hoje seja de 60% a 70% para a oposição”, estima Bozzella, que é aliado do presidente da sigla, Luciano Bivar, e defensor da participação do União na base governista. Para ele, as denúncias contra Juscelino Filho não reverberam na bancada porque sua indicação não foi discutida internamente. “Não houve um debate com os deputados”, reconhece.
A nomeação de Juscelino teve influência direta do senador Davi Alcolumbre (União-AP), também padrinho da indicação de Waldez Góes para o Ministério da Integração Nacional e Desenvolvimento Regional. O ex-governador do Amapá se licenciou do PDT para assumir o cargo na cota do União – na verdade, na cota pessoal de Alcolumbre. Waldez foi condenado em 2019 a seis anos de prisão pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por desvio de recursos. A decisão, no entanto, foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Bozzella acredita que o União Brasil possa assumir uma postura mais governista nas próximas semanas com a distribuição do comando das comissões e de relatorias importantes. O partido também tem avançado nas discussões sobre a construção de uma federação com o PP, de Arthur Lira (AL). “Não vejo sentido em fazer uma federação para ser oposição. Pelo contrário, já que os dois partidos estão grandes o suficiente para se saírem bem nas próximas eleições municipais”, disse o ex-deputado, que não conseguiu se reeleger e foi um dos principais opositores de Jair Bolsonaro dentro da legenda.
Ele foi o autor do convite que resultou na filiação de Sergio Moro ao União Brasil. “Defendi, na eleição, uma terceira via. Como não foi possível, apoiei Lula no segundo turno. Precisamos defender a democracia e não deixar a extrema-direita avançar”, explicou. “Não podemos ficar na lacração, ser contra tudo o que é do PT. Defendemos que haja convergência entre o partido e as boas propostas para o país”, emendou.
Em sua primeira reunião ministerial, em 6 de janeiro, Lula deu uma declaração dúbia sobre a forma com que vai lidar com acusações contra auxiliares. Por um lado, disse que não vai deixar nenhum deles “no meio da estrada”. Por outro, afirmou que quem errar “vai ser convidado a deixar o governo”.
“Estejam certos que eu estarei apoiando cada um de vocês nos momentos bons e nos momentos ruins. Não deixarei nenhum de vocês no meio da estrada. Não deixarei nenhum de vocês”, disse Lula, em discurso na abertura da reunião. Em seguida, falou sobre possíveis erros. “Todo mundo sabe da nossa responsabilidade. Todo mundo sabe que a nossa obrigação é fazer coisas corretas, é fazer as coisas da melhor forma possível. Quem fizer errado, sabe que tem só um jeito: a pessoa será simplesmente, da forma mais educada possível, convidada a deixar o governo. E se cometeu algo grave, a pessoa terá que se colocar diante das investigações e da própria Justiça.”
Na ocasião, as declarações foram vistas como um recado a outra ministra do União Brasil, Daniela Carneiro, alvo de reportagens que mostravam que sua candidatura à Câmara havia sido apoiada por milicianos. Dois meses depois, Daniela continua à frente do Ministério do Turismo. Enquanto isso, os representantes do seu partido seguem se revezando no noticiário negativo do governo, sem qualquer garantia de retorno para o Planalto no Congresso. Até o momento, ninguém ficou no “meio da estrada”.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, no começo de fevereiro, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), questionou o espaço dado por Lula ao União Brasil. Segundo ela, o partido não está fazendo a “entrega”. “Tem que chamar e conversar porque, se não estiver fazendo entrega, não tem porque permanecer onde está”, disse.
As acusações mais recentes envolvem o ministro das Comunicações, Juscelino Filho. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Juscelino não informou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um patrimônio de pelo menos R$ 2,2 milhões em cavalos de raça. O ministro foi reeleito como deputado federal em outubro de 2022 para um terceiro mandato.
De acordo com a reportagem publicada nesta terça-feira (28), o ministro possuía ao menos 12 animais Quarto de Milha comprados em leilão quando registrou sua candidatura. Os cavalos são criados em um haras em Vitorino Freire (MA), reduto eleitoral de Juscelino. A propriedade está no nome da prefeita da cidade, Luanna Rezende, irmã do ministro.
O jornal também apontou que o ministro utilizou um voo da Força Aérea Brasileira (FAB) para uma viagem “urgente” e foi a um leilão de cavalos de raça na capital paulista. Juscelino saiu de Brasília no dia 26 de janeiro em direção a São Paulo e teve apenas duas horas e meia de compromissos oficiais na cidade.
Juscelino passou o fim de semana participando de leilões e assessorando compradores, além de receber o “Oscar” dos criadores. “Na função de ministro de Estado, agora no Poder Executivo, mas também como deputado federal reeleito para o terceiro mandato, tenham certeza: cada um de vocês, senhores e senhoras, amantes e apaixonados pelo cavalo Quarto de Milha, terão sempre o meu compromisso, enquanto estiver com uma função pública, de poder defender cada vez mais o cavalo e os esportes equestres no nosso país”, afirmou no evento.
“O ministro foi a São Paulo em agenda oficial, com claro interesse público, o que justifica o uso do transporte da FAB, assim como retornou a Brasília em voo solicitado por outro colega ministro. Não houve qualquer ilegalidade por parte do ministro Juscelino nas agendas e, como forma de demonstrar seu zelo com o dinheiro público e seu compromisso com a transparência, o ministro determinou apuração sobre os procedimentos administrativos relacionados à viagem”, disse a defesa de Juscelino.
O ministro retornou a Brasília dia 30 e recebeu quatro diárias somando R$ 3.006,68, fora os custos de operação do voo da FAB, apesar de só ter tido compromissos oficiais no primeiro dia da viagem. A única proposta que o deputado apresentou em 2022 foi para criar o “Dia Nacional do Cavalo”.
Em outra denúncia, o ministro direcionou R$ 5 milhões do orçamento secreto para executar obras que beneficiaram fazendas de sua família em Vitorino Freire, incluindo o haras que abriga os cavalos não declarados.
O dinheiro foi utilizado para asfaltar uma estrada de terra de 19 km que passa em frente à fazenda do ministro e em terras de propriedade dos seus familiares. A empresa Construservice, responsável pela execução da obra, disputou a licitação sozinha e foi contratada em fevereiro de 2022 por Luanna Rezende.
Amigo de longa data de Juscelino, Eduardo José Barros Costa, conhecido como Eduardo Imperador, é apontado como o verdadeiro dono da empresa contratada. Em julho de 2022, Eduardo foi preso pela Polícia Federal, acusado de pagar propina a servidores federais da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) para liberar obras na região. A estatal é controlada pelo União Brasil
Casada com o prefeito de Belford Roxo (RJ), Wagner Carneiro, Daniela Carneiro foi a responsável pela primeira crise envolvendo o União Brasil no governo Lula. Conhecida como Daniela do Waguinho, a ministra foi reeleita deputada federal com o apoio de famílias de milicianos do Rio de Janeiro.
A primeira denúncia foi o apoio da ex-vereadora Giane Prudêncio, esposa de Juracy Alves Pinheiro, o Jura, condenado a 26 anos de prisão por chefiar uma milícia da Baixada Fluminense. Preso há pelo menos quatro anos, Jura chegou a ser nomeado em 2017 para um cargo comissionado na Secretaria Municipal de Defesa Civil e Ordem Urbana da prefeitura de Belford Roxo.
O terceiro-sargento bombeiro Márcio Pagniez, conhecido como Marcinho Bombeiro, é acusado de integrar uma milícia. A irmã e o pai de Marcinho também foram nomeados na prefeitura de Belford Roxo e apoiaram a campanha da ministra. Réu na Justiça acusado de comandar uma milícia, o vereador Fabinho Varandão (MDB) atuou diretamente na campanha de Daniela.
Daniela e Wagner já foram alvos de diferentes investigações do Ministério Público por nepotismo, abuso de poder político e econômico em disputas eleitorais, organização criminosa, concussão, fraude em licitações, dispensa ilegal de licitações e peculato.
Ex-governador do Amapá, Waldez Góes foi condenado por peculato em um processo que ainda está em curso, e teve as contas bloqueadas em uma ação por improbidade. A nomeação de Waldez foi criticada pela Transparência Internacional, que afirmou que a indicação “acende todos os alertas”.
Segundo o Ministério Público, o então governador teria desviado recursos reservados para o pagamento de empréstimo consignados adquiridos por funcionários públicos estaduais para arcar com outras despesas do governo.
O ministro foi absolvido pela Justiça do Amapá em 1ª Instância. O MP recorreu e Waldez foi condenado em 2019 pelo Superior Tribunal de Justiça (STG) a seis anos e nove meses de prisão em regime semiaberto e uma multa de R$ 6,3 milhões.
Em 2020, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli deferiu uma liminar favorável ao ministro que questionava a competência do STJ analisar o caso uma vez que os fatos haviam ocorrido durante o mandato de Waldez, que se encerrou em 2018. O julgamento foi interrompido após o ministro Alexandre de Moraes pedir vista do processo.