Até oposição critica ataques a ministros pela oposição

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Foto: Bruno Spada

As audiências com ministros na Câmara aumentaram a percepção entre deputados de que a oposição está despreparada para o debate. Programadas por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para fustigar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, sabatinas nas comissões da Casa viraram palco para bate-boca e xingamentos. Agora, até mesmo adversários de Lula admitem rever a estratégia.

“As convocações fazem parte do jogo político de quem está na oposição. Elas devem continuar, sempre embasadas em assuntos sérios, polêmicos e que exponham alguma mazela do governo. Mas não podemos cair na pilha, não devemos escorregar em ‘cascas de banana’. É preciso equilíbrio”, disse ao Estadão o deputado Marco Feliciano (PL-SP), que é pastor e aliado de Bolsonaro. “Estamos nos ajustando. É início de mandato. Muita gente nova.”

Na semana passada, comissões da Câmara ouviram sete ministros. Agora, mais oito auxiliares de Lula foram convidados para prestar depoimento à Comissão de Fiscalização e Controle, presidida por Bia Kicis (PL-DF), também aliada de Bolsonaro. A lista é liderada pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, que já esteve tanto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) como na de Segurança Pública e Combate ao Organizado. Desta vez, ele foi chamado pela de Fiscalização e Controle e também comparecerá à Comissão de Segurança Pública do Senado, em 2 de maio.

Além de Dino, há datas acertadas para depoimentos na Câmara dos ministros Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda), Paulo Pimenta (Comunicação Social), Carlos Fávaro (Agricultura), Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional), Jader Filho (Cidades) e Camilo Santana (Educação).

Sem uma base sólida no Congresso, articuladores políticos do Palácio do Planalto não têm conseguido impedir as audiências. Mesmo assim, a oposição não obteve bom desempenho na tentativa de emparedar os ministros, segundo parlamentares. Até o momento, houve mais “lacração”.

Brigas, xingamentos, respostas irônicas e muita confusão têm marcado as sessões. Na semana passada, por exemplo, a audiência na qual Dino era questionado pela Comissão de Segurança teve de ser interrompida.

Na ocasião, Feliciano foi um dos que lamentaram o nível dos debates. Disse que, naquela audiência, a oposição não conseguiu nem mesmo avançar no objetivo do convite ao ministro que, oficialmente, era saber o que o governo tinha de informação sobre os ataques de vandalismo ocorridos na Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro.

Poucos dias antes de ir à Comissão de Segurança Pública, Dino havia comparecido à de Constituição e Justiça. Ao longo das quase cinco horas de sessão, ele recorreu à ironia nas respostas a perguntas provocativas. Em uma delas, expôs a falta de conhecimento do deputado André Fernandes (PL-CE), autor do requerimento da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) de 8 de janeiro, que até hoje não saiu do papel.

“O senhor acabou de responder que não responde a um processo. O JusBrasil diz que o senhor responde a 277 processos. Mas são poucos. Acredito que tenha esquecido”, alfinetou Fernandes.

Dino não se conteve e abriu um sorriso. “Um deputado da CCJ da Câmara dizer que pesquisou no JusBrasil (site de consultas jurídicas)? Eu sou professor de Direito. Eu vou contar para os meus alunos como piada”, devolveu. “Dizer com base no JusBrasil que eu respondo a 277 processos se insere mais ou menos no mesmo continente mental que a Terra é plana.”

Outros ministros, como Silvio Almeida (Direitos Humanos), também renderam episódios polêmicos, que mobilizaram a base petista nas redes sociais. Aliados de Lula editaram os “melhores momentos” da sessão, nos quais a oposição recebeu respostas desconcertantes.

Almeida disse, por exemplo, que quem comprou a refeição da Papuda, onde se encontram os presos pelos atos golpistas de 8 de janeiro, foi Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Torres era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal na época dos ataques e estava nos Estados Unidos. Foi preso depois que a Polícia Federal encontrou na casa dele uma minuta do golpe.

“Quero manifestar de uma maneira muito sincera a minha alegria em saber que os deputados e deputadas dessa comissão estão olhando para o problema grave da população carcerária no Brasil”, disse Almeida. A qualidade da comida na Papuda é alvo de muitas reclamações, até hoje, por parte de apoiadores do ex-presidente.

Um levantamento feito pela empresa de análise de dados Codecs, a pedido do Estadão, mostrou que as audiências com os ministros nas comissões têm servido para propagar desinformação, além de esvaziar o debate público nas redes sociais. Até agora, seguidores de Bolsonaro conseguiram maior engajamento do que a esquerda, em grande medida por meio de fake news recicladas e especulações.

O clima de troca de ofensas na Câmara incomoda o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que já advertiu colegas. O bate-boca entre parlamentares do governo e da oposição chegou até mesmo ao Conselho de Ética. As duas visitas de Dino à Câmara renderam acusações de homofobia.

Ao tentar discursar recentemente na CCJ, Nikolas Ferreira (PL-MG), o deputado mais votado do Brasil, foi interrompido inúmeras vezes, chamado de “chupetinha” e “Nikole”. Era uma referência ao codinome usado por ele mesmo em 8 de Março, Dia da Mulher, quando ocupou a tribuna da Câmara exibindo uma peruca loira para criticar o feminismo.

Estadão