Bolsonarista do BC quer BNDES emprestando só a ricos
Foto: Edilson Dantas/O Globo e Sergio Lima/AFP
Depois de meses em crise com o governo federal em razão da alta dos juros, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mudou de estratégia.
Passou a elogiar o arcabouço fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e adotou um tom mais “humilde” ao dizer que “às vezes” tem “alguma deficiência na comunicação” e que tenta melhorar.
Só uma área da política econômica de Lula tem merecido críticas públicas e privadas por parte do BC, e pelo jeito sem a menor preocupação com possíveis “deficiências de comunicação”: o BNDES.
Além dos alertas públicos contra as propostas do banco de retomar as linhas de crédito subsidiado dos primeiros mandatos de Lula e de Dilma, Campos Neto tem procurado aliados na equipe econômica para combatê-las.
Nas conversas com Fernando Haddad, o presidente do BC vem insistindo no argumento de que as políticas do banco de desenvolvimento podem prejudicar a eficácia do arcabouço fiscal do governo.
O ministro da Fazenda tem demonstrado que não ignora esse risco, mas por enquanto está tentando manter a disputa com o BNDES apenas nos bastidores.
Segundo o que a equipe do blog apurou com fontes do próprio Banco Central e da Fazenda, entre os diretores da instituição se costuma dizer que a equipe do BNDES só os procura para discutir “ideia ruim”.
Um exemplo teria sido uma sondagem feita por integrantes do banco de fomento sobre a proposta já anunciada pelo diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do banco, Nelson Barbosa, de lançar no mercado títulos públicos isentos de imposto. “O BNDES quer competir com o próprio Tesouro?”, questionaram os diretores do BC, de acordo com seus interlocutores.
Para Campos Neto e seu time, quanto maior o volume de crédito subsidiado concedido pelo BNDES, maior será o esforço do BC – em forma de aumento na taxa de juros – para manter a economia em equilíbrio e segurar a inflação, já que, quando há muito crédito subsidiado, os setores beneficiados não são afetados e continuam tomando empréstimos.
Na semana passada, em um evento do Bradesco BBI, Campos Neto disse que “qualquer tipo de medida onde você gera crédito subsidiado, toda essa parte do parafiscal, direcionamento de crédito” dificulta a estabilidade da taxa e dos juros.
Esse mesmo alerta foi dado nas atas do Copom de dezembro de 2022, antes da posse de Lula, e na do final de março.
No último documento, o comitê afirma que “a possível adoção de políticas parafiscais expansionistas” têm o potencial de elevar a taxa neutra e diminuir a potência da política monetária, especialmente a partir do segundo semestre de 2024.
O texto técnico não reflete, porém, o tamanho da preocupação no BC com a expansão do BNDES, que os interlocutores de Campos Neto na Fazenda descrevem como “gigantesca”.
No próprio evento do Bradesco, porém, Nelson Barbosa respondeu a Campos Neto e disse não ver motivo para preocupação. “Não é uma volta daquele BNDES que tinha subsídio muito elevado do Tesouro, principalmente ali entre 2008 e 2014”, disse Barbosa. “Só a magnitude (da expansão do banco) já daria tranquilidade a quem se preocupa com a eficiência da política monetária”, acrescentou.
No mesmo dia em que Campos Neto alertou sobre “ruídos” na equipe econômica, Lula fez propaganda da plataforma do BNDES.
“Mercadante passou a vida inteira falando de financiamento, crédito e desenvolvimento. Pois bem, está com a faca e o queijo na mão para fazer o BNDES voltar a ser um banco de desenvolvimento”, declarou Lula durante a assinatura dos decretos do marco legal de saneamento, na última quarta-feira (5).
Já nesta segunda-feira, no evento comemorativo dos 100 dias de governo, o presidente elogiou o arcabouço fiscal de Haddad. Disse que ele “traz soluções realistas e seguras para o equilíbrio das contas públicas”, “dá á um fim às amarras irracionais – e sistematicamente descumpridas – do falido teto de gastos”, “garante a volta do pobre ao orçamento” e “possibilita a aplicação de recursos no desenvolvimento econômico do país”.
Tudo indica, portanto, que Lula deve continuar tocando o governo em meio à divergência entre fiscalistas e heterodoxos, sem fazer questão de arbitrá-la. Se isso acontecer, a campanha do presidente do BC contra as “ideias ruins” do BNDES vai cair no vazio.