Câmara vota arcabouço fiscal até dia 10
Foto: Diogo Zacarias/MF/Divulgação
O governo encaminhou ontem ao Congresso Nacional o projeto de lei complementar que cria o novo arcabouço fiscal, cujas linhas básicas haviam sido divulgadas no dia 30 de março.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o debate do projeto de lei do novo arcabouço fiscal será feito “com transparência” e que espera votar o texto no plenário até o dia 10 de maio. O relator da proposta, informou, será divulgado na tarde desta quarta-feira entre os nomes do PP que já vêm sendo citados. Os nomes cotados são dos deputados Claudio Cajado (PP-BA), Marcelo Queiroz (PP-RJ) e Fernando Monteiro (PP-PE).
Lira não quis antecipar sua opinião sobre o projeto e afirmou que isso será construído junto com as bancadas partidárias. “Esse texto deve ter, por obrigação, mais de 308 votos pelo menos, apesar de precisar de apenas 257 votos para ser aprovado”, ressaltou.
A proposta flexibiliza a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ao estabelecer que o descumprimento da meta de resultado das contas públicas não configura infração àquela lei e, consequentemente, de acordo com o Ministério da Fazenda, deixa de configurar crime de responsabilidade pelo presidente da República. Além disso, estabelece 13 tipos de gastos que ficarão de fora dos novos limites de despesa.
Além da regra apresentada nessa terça-feira, o governo prepara um conjunto de medidas para garantir o equilíbrio fiscal a partir do ano que vem, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele citou a redução, em um quarto, dos R$ 600 bilhões em renúncias fiscais do governo federal.
“Estamos atuando hoje junto aos tribunais superiores, ao Senado e à Câmara, ao próprio Executivo para garantir essa nova etapa da economia brasileira: orçamento equilibrado, finanças robustas, margem para lá de dada para redução da taxa de juro e o país voltar a crescer de maneira fiscalmente e socialmente sustentável” disse.
Sob o novo arcabouço, o governo terá três balizadores para as contas públicas. Adotará metas de resultado primário (diferença entre receitas e despesas, exceto juros), estabelecerá um intervalo para o crescimento real da despesa (de 0,6% a 2,5%, no período de 2024 a 2027) e limitará o crescimento das despesas a 70% do aumento das receitas. Esse conjunto permitirá um ajuste gradual e a estabilização da dívida pública em 76,54% do PIB em 2026, podendo chegar a 75,05% num cenário de queda de juros futuros. Esse ajuste será mais rápido quanto melhor for o desempenho das receitas.
As metas de resultado primário são: zero em 2024, 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025 e 1% do PIB em 2026. Essas metas possuem intervalo de tolerância de 0,25% do PIB para cima ou para baixo.
O projeto do arcabouço diz que o descumprimento da meta não configura infração à LRF. Esse ponto dividiu as opiniões de especialistas ouvidos pelo Valor.
“A inclusão de intervalo de tolerância para cumprimento da meta, proposta de 0,25% do PIB em relação ao centro da meta, é justificável para não punir o gestor, mas permitir o descumprimento da meta fiscal sem gerar uma infração à LRF enfraquece a robustez da norma”, avaliou Ricardo Volpe, diretor-adjunto da consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados. Ele avalia que a mudança enfraquece o comprometimento do gestor em perseguir o atingimento das metas fiscais – ainda que o menor nível da banda.
O economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, ex-diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), ressalta que o descumprimento da meta não implicará crime de responsabilidade, o que considera correto.
O descumprimento da meta gerará consequências, frisou o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. “Tem consequências práticas, reduzindo espaço orçamentário para frente, e efeitos reputacionais, com o envio de justificativas ao Congresso.”
O texto diz que o presidente da República terá de justificar o descumprimento da meta em uma mensagem a ser enviada ao Congresso Nacional até o dia 31 de maio do ano seguinte.
Explicará por que a meta não foi cumprida e as medidas de correção. Essa sanção reputacional é semelhante à aplicada ao presidente do Banco Central em caso de descumprimento da meta de inflação.
Outra consequência, novidade trazida pelo arcabouço, é que o descumprimento da meta implica a redução do crescimento da despesa no ano seguinte. Em vez de avançar ao ritmo de 70% do crescimento das receitas, avançará a 50%.
Se a meta de resultado primário for superada, o excesso poderá ser direcionado a investimentos. No entanto, no período de 2025 a 2028 esse bônus ficará limitado a R$ 25 bilhões.
É uma trava para evitar crescimentos bruscos, acima de um terço. O nível de investimentos deste ano, de R$ 75 bilhões, será piso para os anos à frente.
Um total de 13 despesas não vão entrar nos limites anuais de gastos estabelecidos pela nova regra. Entre elas, ficam de fora, por exemplo: transferências constitucionais e suas complementações, créditos extraordinários, transferências a fundos de saúde dos entes subnacionais, despesas com projetos socioambientais e despesas de universidades públicas federais.
Além disso, foram retiradas despesas não recorrentes da Justiça eleitoral, despesas com aumento de capital de empresas estatais não financeiras e não dependentes, despesas relativas à cobrança pela gestão de recursos hídricos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), despesas com acordos de precatórios a serem pagos com desconto e despesas com precatórios do Fundef devidos a Estados e município.
Haddad disse que capitalizações do governo em instituições financeiras oficiais serão retiradas da regra constitucional que as exclui do teto de gastos. Isso foi feito, segundo explicou, para deixar a regra “mais ajustada” e evitar ruídos quanto ao uso de eventual capitalização de bancos fora do teto.
As exceções, explicou o ministro, devem-se ao fato de que essas despesas estão fora do teto de gastos, conforme a Constituição. O arcabouço fiscal é uma lei complementar, que não tem força para alterar isso.
Nos cálculos de Salto, o novo arcabouço permitirá um crescimento real das despesas da ordem de 2,3% no ano que vem. Ele explica que o volume de despesas será definido conforme a variação da receita primária líquida do governo central, descontados dividendos, concessões e royalties.