Europa e EUA criticam Lula por nivelar Rússia e Ucrânia
Foto: Ricardo Stuckert/ Planalto
Às vésperas da primeira viagem oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Europa, a posição do brasileiro sobre a guerra na Ucrânia abre um intenso debate e gera até um mal-estar entre certas diplomacias do Velho Continente. Neste fim de semana, a declaração de Lula na China e nos Emirados Árabes Unidos, equiparando o comportamento de russos e ucranianos na guerra, foi mais um capítulo de um processo que têm sido visto na Europa como uma vontade do governo brasileiro de assumir uma postura independente diante da crise.
Bruxelas e as principais capitais europeias entendem a proposta de Lula de criar um grupo de países que possam servir como facilitadores de um diálogo, ainda que o projeto esteja sendo acolhido com frieza e, em alguns casos, com desdém. Mas foi recebida com insatisfação a declaração de Lula de que europeus, juntos com os americanos, estariam contribuindo para a prolongação da guerra ao apoiar Kiev, inclusive militarmente. Se a situação já é delicada, diplomatas europeus organizando a viagem de Lula admitem que as falas abrem a possibilidade de que a visita seja repleta de “campos minados”. Lula viaja para Portugal e Espanha a partir da sexta-feira, no que deveria ser o restabelecimento de uma relação positiva com o continente europeu. As principais capitais europeias correram para certificar o processo eleitoral no Brasil, condenaram as tentativas de ruptura democrática por parte de Jair Bolsonaro e se precipitaram para se reunir com o novo presidente do país. Mas a esperança também era de que o bloco ocidental pudesse capitalizar com a defesa da democracia e trazer Lula para mais perto do grupo das potências da Europa e EUA. Inclusive para apoiar o bloco contra a invasão russa contra a Ucrânia. Com pouco mais de cem dias de governo, a UE já entendeu que a relação com o Brasil não será fixada apenas com parâmetros europeus. Se nos corredores diplomáticos muitos sabiam que Lula buscaria uma diplomacia sem alinhamentos automáticos, a independência da política externa tem causado ruídos em Bruxelas e dúvidas nas principais capitais sobre o papel que Lula deve receber.
Existem duas tendências hoje na Europa:
Uma ala dos governos europeus defende que não se reaja às falas do brasileiro e que Lula seja mantido como um coringa capaz de ser escutado por ocidentais e russos. Para esse grupo, o presidente estaria apenas fazendo acenos ao Kremlin de que pode ser o interlocutor que os russos esperavam para encontrar uma saída para a guerra. Mas uma ala mais radical de apoio aos ucranianos insiste que Lula pode estar se deslegitimando ao tomar tais posturas. Não há espaço para relativizar a invasão. Nos bastidores, os governos europeus buscam caminhos para calibrar a relação com o Brasil. Um foco especial será dado ao encontro entre o chanceler russo, Sergei Lavrov, e as autoridades brasileiras, nesta segunda-feira em Brasília. Com uma relação completamente rompida com Moscou, os europeus precisam de reconstruir caminhos de diálogo com o Kremlin e a opção de passar pelo Brasil não é descartada. Mas, por mais que existam diferenças entre os países europeus, há uma convergência entre os 27 países do bloco de que a invasão foi um ataque contra a segurança da UE. Ouvir do brasileiro, portanto, que existe da parte da Europa um incentivo à guerra não seria adequado. Mesmo para dois países governados pela esquerda, como Portugal e Espanha. Em defesa do presidente brasileiro, diplomatas no Itamaraty destacam que o Brasil votou ao lado de europeus e americanos em uma resolução na ONU condenando a Rússia. O Itamaraty também acatou propostas da Alemanha e dos EUA em declarações conjuntas entre Lula e Olaf Scholz, e durante sua visita para a Casa Branca. No Palácio do Planalto, a postura de Emmanuel Macron de se recusar uma “vassalagem” aos EUA foi considerada como um elemento que favoreceu o espaço para que Lula pudesse também deixar claro sua insatisfação com os americanos. Mas poucos europeus acreditavam que iriam também ser acusados frontalmente por parte de Lula. Tanto os europeus como os americanos querem garantias por parte de Lula de que o Brasil sabe que foram os russos quem invadiram o território ucraniano e que, se existe alguém que violou a Carta das Nações Unidas, foi Moscou. Já uma parcela da imprensa ocidental – como a revista The Economist – insiste que a tentativa de Lula de buscar se posicionar como mediador pode refletir sua “ingenuidade” da parte do líder brasileiro, conceito rejeitado pela alta cúpula em Brasília. Para embaixadores de diferentes partes do mundo, a aposta de Lula pode marcar sua política externa. Seja como um grande êxito de negociação ou como uma decepção.