Extrema-direita já busca substituto para Bolsonaro
Foto: Roberto Schmidt/AFP
A possibilidade de Jair Bolsonaro ficar inelegível e não disputar a Presidência em 2026 já acende as discussões sobre quem poderá substituir o ex-presidente no campo da direita na próxima eleição. No grupo bolsonarista, quatro nomes despontam como favoritos a postulante a herdeiro: a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL); o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto (PL); e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).
As chances de Bolsonaro ficar impedido de concorrer tornaram-se maiores na semana passada, após a Procuradoria-Geral Eleitoral defender sua inelegibilidade devido a indícios de abuso de poder político em ataques feitos ao sistema eleitoral em reunião com embaixadores. Há ainda outras 15 ações contra ele no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Caso a inelegibilidade se concretize, o eleitorado bolsonarista tende a migrar em bloco para o nome indicado pelo ex-presidente, avalia a cientista política Camila Rocha, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
— Para se tornar viável, essa pessoa precisará manter um certo equilíbrio entre as pautas que o bolsonarismo defende e uma comunicação e postura menos belicosas — analisa Camila, para quem essa estratégia seria necessária para atrair os apoiadores não convictos do ex-presidente.
Segundo pesquisa Datafolha divulgada na semana passada, 22% dos brasileiros se declaram bolsonaristas.
Em entrevista ao GLOBO, Tarcísio foi citado como opção a Bolsonaro pelo ex-ministro e senador Ciro Nogueira (PP-PI). Ele chegou aos cem dias à frente do governo de São Paulo com uma boa aprovação, de 44%, segundo o Datafolha.
Sempre que questionado sobre a possibilidade de ser candidato, Tarcísio desconversa. Segundo interlocutores, a antecipação do assunto poderia ser lida como oportunismo e traição a Bolsonaro. A expectativa é que o governador paulista aguarde um cenário definitivo para avaliar se concorre ou não. Mas pesa na balança o fato de ele ainda poder disputar a reeleição.
A socióloga Esther Solano, que fez pesquisas qualitativas com o nome do governador paulista, diz que ele tem boa performance entre eleitores ideologicamente indefinidos e bolsonaristas moderados que estão cansados do radicalismo do ex-presidente.
— Tarcísio é conservador, mas não radical, e consegue navegar entre os valores (do bolsonarismo). Em São Paulo, ele aprovou a cannabis medicinal no SUS e, por outro lado, está tentando aprovar privatizações. Ele ainda conseguiu sair na frente no tema da violência escolar, conjugando o discurso da segurança nas escolas com o da saúde pública — exemplifica Esther.
O problema é que o governador paulista tem encontrado desconfiança de bolsonaristas pelos seus posicionamentos mais ao centro e o pouco espaço dado à ala ideológica na máquina estadual. Tarcísio preteriu o próprio partido nas nomeações ao Palácio dos Bandeirantes e quase não cedeu cargos ao PL. Ao mesmo tempo, abriu um canal de diálogo com o presidente Lula e fez de Gilberto Kassab (PSD), figura rejeitada por apoiadores de Bolsonaro, um dos quadros mais influentes de sua gestão.
Um nome que hoje é mais palatável para a base é o da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Além de ser da família, ela desempenhou papel central na campanha do ex-presidente em 2022, principalmente para fidelizar o eleitorado evangélico e tentar reduzir a resistência do público feminino a Bolsonaro.
No mês passado, ela assumiu a presidência do PL Mulher com a missão de manter o bolsonarismo engajado e atrair mais mulheres para esse campo político. O presidente do partido, Valdemar Costa Neto, disse, em entrevista ao GLOBO, que a ex-primeira-dama “pode ser candidata até a presidente”. Mas a ideia é rechaçada pelo próprio Bolsonaro, que vê a mulher sem “vivência política” para disputar uma eleição.
Além de não ter o apoio do marido, Michelle tem contra si o fato de acumular episódios controversos mesmo sem nunca ter ocupado um cargo público. A ex-primeira-dama recebeu em sua conta cheques depositados pelo ex-assessor Fabrício Queiroz, acusado de comandar um esquema de “rachadinhas”, e foi um dos pivôs do episódio envolvendo conjunto de joias, dado pelo governo saudita, que foi alvo de tentativas irregulares de liberação pelo antigo governo junto à Receita Federal.
Outro nome próximo a Bolsonaro que surge como seu possível sucessor é o de Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e que foi candidato a vice na chapa do ex-presidente.
General da reserva do Exército, o ex-ministro conta com a simpatia da parcela do eleitorado que nutre admiração pelas Forças Armadas e tem no currículo o comando da intervenção federal na segurança pública ordenada pelo então presidente Michel Temer (MDB) no Rio de Janeiro em 2018. A experiência, no entanto, pode render críticas de adversários políticos por causa do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), ocorrido durante esse período, e declarações exaltando a ditadura militar, o que afasta eleitores de fora do bolsonarismo.
Tanto Braga Netto quanto Michelle, apesar de mobilizarem a ala mais radical de Bolsonaro, não demonstram hoje ter uma capacidade unificadora, segundo as especialistas ouvidas pelo GLOBO.
O governador mineiro, Romeu Zema, corre por fora dessa disputa. De um partido que não faz parte do núcleo bolsonarista, ele aposta mais no antipetismo do que nas pautas ideológicas, e tem feito uma gestão se equilibrando entre moderação e acenos à direita.
— Zema é considerado um liberal na economia, característica que não cria consenso no Brasil. Ele também não é um sujeito que tem capacidade mobilizadora em torno de outros valores, como Braga Netto tem com a ideia do militarismo, e Michelle com as temáticas da fé, moral e família. Por último, não tem carisma, que é o capital pessoal — avalia Esther Solano.
Zema ou Tarcísio, caso um deles assuma a missão de encabeçar a oposição à esquerda em 2026, tem a promessa de apoio do governador do Rio Grande do Sul e presidente nacional do PSDB, Eduardo Leite. O tucano afirmou na última semana que pretende “estar junto” dos governadores de Minas e São Paulo para construir uma alternativa a Lula e Bolsonaro na próxima disputa presidencial.
Veja os pontos fortes e fracos dos possíveis herdeiros do bolsonarismo
Michelle Bolsonaro (Ex-primeira-dama e presidente do PL Mulher)
Prós:
É casada com Bolsonaro e tem a simpatia do bolsonarismo
Adere integralmente às pautas ideológicas do bolsonarismo
Foi citada pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, como possível candidata à Presidência
Foi considerada ‘trunfo eleitoral’ na campanha de Bolsonaro à reeleição, ajudando a atrair o eleitorado feminino e evangélico
Contras:
Nunca exerceu mandato
Precisa responder sobre casos negativos, como o das joias sauditas e as suspeitas de rachadinha
O próprio Bolsonaro disse que ela não tem “vivência” para disputar a eleição
Mantém rusgas com os filhos de Bolsonaro
Tarcísio de Freitas (Governador de São Paulo e ex-ministro da Infraestrutura)
Prós:
Está à frente do estado com o maior orçamento do Brasil
Foi bem avaliado em seus cem primeiros dias de governo, aprovado por 44% dos paulistas
Em função do perfil liberal, tem o apoio do empresariado
Pode usar obras tocadas no seu período como ministro da Infraestrutura para atrair eleitores de outras regiões
Contras:
Distanciou-se da base bolsonarista após assumir o governo
Não adere integralmente às pautas ideológicas
É criticado por ter participado de encontros com Lula e políticos da esquerda
Bolsonaro já disse a aliados que não o vê pronto para disputar uma eleição contra Lula
Walter Braga Netto (Ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro)
Prós:
Foi vice em uma chapa presidencial que recebeu mais de 58 milhões de votos
Comandou a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro em 2018
É homem de confiança de Bolsonaro, que já o chamou de ‘vice dos sonhos’ antes de definir sua chapa em 2022
Por ser militar, consegue herdar a admiração que parte do eleitorado tem pelas Forças Armadas
Contras:
Seria a volta de um general à cadeira de presidente da República, fato que não acontece desde a ditadura militar
Assassinato de Marielle Franco, ocorrido durante sua intervenção no Rio, pode virar munição para adversários
No relatório final da CPI da Covid, foi indiciado por “epidemia com resultado morte”
Falta construir uma identidade política
Romeu Zema (Governador de Minas Gerais)
Prós:
Conseguiu se reeleger no primeiro turno em MG contra um adversário apoiado por Lula
Conquistou apoio de partidos do Centrão como o PP e o MDB em 2022
Histórico como administrador de rede varejista pode atrair confiança do empresariado
Tem como reduto político o segundo maior colégio eleitoral e de onde saíram oito presidentes da República
Contras:
Só apoiou Bolsonaro no segundo turno
Já criticou o governo Bolsonaro
É de um partido pequeno e que não faz parte do núcleo bolsonarista
É desconhecido fora de Minas Gerais