Investigação contra Moro e Dallagnol bomba no STF
Foto: Mateus Bonomi/AGIF/AFP
No fim do ano passado, o recém-eleito senador Sergio Moro (União-PR) demonstrava preocupação com a conjuntura que emergia das urnas. A um interlocutor, desabafou que a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva iria colocá-lo na mira do presidente. Àquela altura, ele já havia experimentado o desmoronamento da imagem do herói nacional dos tempos de auge da Lava-Jato, quando era aplaudido de pé em restaurantes, provocava temor em poderosos nas audiências em Curitiba e dava palestras sobre o combate à corrupção no Brasil e no exterior. A decisão de ingressar no ministério de Jair Bolsonaro tisnou sua reputação, que acabou sendo depois irremediavelmente arranhada com a revelação dos diálogos da Vaza-Jato, que serviram de base para a anulação de processos e a decisão do Supremo pela suspeição dele contra Lula. Fatos recentes demonstram que a previsão de Moro sobre a proximidade de uma tempestade política perfeita sobre ele se concretizou. Nos últimos dias, questionamentos sobre o ex-juiz atingiram novo patamar, com uma decisão do STF que o deixou a um passo de se tornar investigado na Corte por suspeitas de crimes como extorsão. O mesmo caso atinge outro ícone da Lava-Jato, o ex-chefe da força-tarefa e hoje deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR).
Como um fantasma que reaparece de tempos em tempos para atormentar Moro e Dallagnol, o personagem que os acusa é um velho conhecido. Trata-se do advogado Rodrigo Tacla Duran, apontado pela Lava-Jato como operador da Odebrecht. Enrolado na Justiça por operações ilegais junto à empreiteira, Tacla Duran tentava havia anos emplacar uma delação premiada, sem sucesso. Na época da Lava-Jato, integrantes da força-tarefa justificavam a rejeição dizendo que ele não tinha credibilidade, pois havia mentido nas negociações. Nos últimos anos, a PGR também achou por bem não levar adiante o que ele tinha a dizer. No fim do mês passado, no entanto, o advogado foi ouvido pelo juiz federal Eduardo Appio, novo responsável pela Lava-Jato no Paraná. Diante de denúncias envolvendo personagens agora com foro privilegiado, no caso, o deputado Dallagnol e o senador Moro, Appio encaminhou a história para avaliação do STF. Em um de seus últimos atos como ministro, na segunda 10, Ricardo Lewandowski concordou com uma manifestação da PGR de que o caso deve seguir adiante, e na alçada do STF. O passo seguinte e mais provável será a instalação do inquérito criminal para que Polícia Federal em Brasília inicie os trabalhos de investigação. Isso depende ainda de uma manifestação da PGR e do aval na sequência do STF. Os relatos com potencial aparentemente mais explosivos de Tacla Duran são os de que ele teria sido vítima de extorsão promovida por pessoas próximas a Moro e a Dallagnol. Um dos casos envolve a suposta atuação do advogado Carlos Zucolotto, amigo de Moro e de sua mulher, a deputada Rosângela Moro, na intermediação de um acordo de colaboração de Tacla Duran com a Lava-Jato. O advogado apresentou à CPI da JBS, em 2017, mensagens supostamente trocadas com Zucolotto em que o amigo de Moro oferecia ajuda para “melhorar” as condições do acordo, intercedendo junto a “DD”, alegadamente Deltan Dallagnol. Em troca, segundo Duran, havia um pedido de 5 milhões de dólares, não pagos por não ter havido acordo com os procuradores em relação às penas que seriam impostas a ele.
Ainda de acordo com o relato de Tacla Duran, a busca por um intermediário para livrá-lo da prisão o levou depois ao advogado Marlus Arns, a quem diz ter pago cerca de 612 000 dólares em julho de 2016 (seria a primeira de duas parcelas do mesmo valor pelo serviço). Arns vinha ganhando notoriedade na época por negociar acordos de delação premiada com a equipe de Curitiba. Ao contrário de Zucolotto, Arns não tem ligação próxima com a família Moro. A única conexão é o fato de o advogado ter atuado junto a Apaes no Paraná enquanto Rosângela era procuradora jurídica da Federação das Apaes no estado. Procurado por VEJA, Arns afirmou que seu escritório foi contratado naquele ano por Tacla Duran e gastou “centenas de horas de trabalho” por mais de um ano em casos que o envolviam, negando qualquer negociata com a força-tarefa. Segundo Tacla Duran, o não pagamento da segunda parcela da extorsão colocou de novo a Lava-Jato no seu encalço. Em 2016, ele foi alvo da 36ª fase da operação e Moro determinou sua prisão. Tacla Duran acabou detido na Espanha, mas foi colocado rapidamente em liberdade. Manteve-se no país por ter cidadania espanhola, o que impediu sua extradição.
Além das histórias de extorsão, Tacla Duran promete relatar às autoridades episódios de supostas ilegalidades no Ministério da Justiça na gestão Sergio Moro. Os protagonistas dessas acusações são Zucolotto e Fábio Aguayo, que atualmente é empregado pelo senador como assessor no escritório de seu gabinete na capital paranaense. Zucolotto e Aguayo foram citados brevemente pelo advogado na audiência em que ele foi ouvido pelo juiz Eduardo Appio. Sem ainda dar maiores detalhes sobre o caso, o acusador disse que Aguayo fez lobby por um escritório de advocacia ligado a Moro durante uma visita a um sindicato em São Paulo.
Diante das acusações, Moro e Dallagnol reagiram duramente. Ambos se referem a Tacla Duran como um criminoso confesso e sem credibilidade. “Não tem prova real nenhuma, já que os fatos não aconteceram, e vai modificando o relato com o tempo”, diz Moro. “É a repetição de uma mesma ladainha que já foi investigada e arquivada por não ter qualquer fundamento”, afirma o deputado. Em sessão na Câmara na quarta 12, Dallagnol contestou um convite apresentado por um deputado do PT para que Tacla Duran fosse chamado para falar sobre as acusações na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. O deputado disse que ele lavou 300 milhões de dólares para a Odebrecht e o classificou como “alguém que tentou enganar e iludir as autoridades por inúmeras vezes”. O convite foi derrubado na comissão, com o apoio de bolsonaristas. Antes da decisão de Lewandowski, Moro e Dallagnol vinham tentando levar o caso para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no que acabaram derrotados pela canetada de despedida do ministro. Moro afirma que o STF só teria competência nessa situação se houvesse suspeitas sobre atos praticados por ele enquanto senador e diz que vai recorrer ao plenário contra a decisão de Lewandowski — existe jurisprudência que dá razão a Moro nesse caso. “A única razão para ficar no Supremo é dar a esse caso um tratamento político, como foi a decisão de mantê-lo lá”, critica Deltan.
A reação também é indignada entre outros personagens citados por Tacla Duran. Carlos Zucolotto afirma que “jamais” esteve com o acusador ou trocou mensagens com ele, desqualificando os chats apresentados pelo advogado como supostas provas. “Por duas vezes o Ministério Público determinou o arquivamento de investigações envolvendo os mesmos fatos que agora se deseja requentar”, diz. O senador também defende Zucolotto e afirma que as mensagens apresentadas por Tacla Duran não têm “qualquer autenticidade e já foram refutadas pela PGR como prova em 2020, quando Duran tentou um acordo de colaboração”. À época em que a PGR negociou com Tacla Duran, aliás, os procuradores de Curitiba enviaram ao procurador-geral da República um documento extenso, em que alertavam o procurador-geral, Augusto Aras, sobre o que viam como mentiras do advogado. As tratativas não seguiram adiante. Muito criticado por pessoas que enxergaram pretensões políticas em sua atuação como magistrado na Lava-Jato, agora é Moro quem reclama ser vítima de um complô, com autoridades manipulando testemunhas para desgastá-lo (ironicamente, essa é outra acusação frequente feita à atuação dele na época de juiz). O fato concreto até agora é que há inimigos por todos os lados. Lula não perdeu a oportunidade de desacreditar até mesmo a operação da PF que desarticulou planos do PCC para atacar o senador e, numa entrevista, falou que, enquanto estava preso, costumava dizer que só ficaria bem quando “f… o Moro”. No STF, o ministro Gilmar Mendes declarou ao programa Amarelas On Air, de VEJA, que a grande contribuição do governo Bolsonaro ao país foi “devolver Moro ao nada”. O juiz atualmente à frente da Lava-Jato também não economiza em críticas.
Como se não bastasse, parece iminente a indicação de Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula, para ocupar a cadeira de Lewandowski. Diante da aposentadoria do ministro, a sucessão dele envolve também quem será o responsável pelos processos em que Lewandowski é relator, cerca de 780 ações, entre elas as acusações contra Moro e Dallagnol. Quando um ministro se aposenta, as ações pelas quais ele responde são repassadas àquele que o substitui — motivo pelo qual, em tese, Zanin poderia se tornar o relator, em uma alucinada inversão de papéis, colocando o advogado de Lula na posição de juiz contra o senador e o deputado (se essa indicação se confirmar, haverá uma discussão se Zanin deve se declarar impedido de julgar a ação). Outra hipótese é que o caso seja redistribuído nas próximas semanas para um dos atuais integrantes da Corte. “Resta saber se as imputações são consistentes e se há provas”, diz um influente ministro da Corte. Essa é a grande questão. O próximo capítulo do caso deve ocorrer no dia 18, data em que Tacla Duran deve ser ouvido em Curitiba, na presença de um membro do órgão comandado por Augusto Aras. Espera-se que seja o primeiro passo de uma investigação séria capaz de mostrar, de uma vez por todas, se Tacla Duran é um criminoso sem palavra, como dizem Moro e Dallagnol, ou uma testemunha injustiçada e ignorada por ter muito a revelar. A verdade precisa prevalecer.