Lula homologa demarcações da Funai
Foto: André Borges/Efe
Na presença de seis mil indígenas vindos de comunidades de todo o País para Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) homologou nesta sexta-feira, 28, as seis primeiras terras indígenas de seu governo, conforme antecipou o Estadão. O documento de homologação foi assinado no encerramento do Acampamento Terra Livre (ATL).
“O que nós queremos ao final desse mandato é que os indígenas brasileiras estejam sendo tratados com a dignidade que todo ser humano merece nesse país”, disse Lula. “A gente vai ter que trabalhar muito para fazer a demarcação do maior número de terras indígenas. Não só porque é um direito de vocês, mas porque se a gente quer chegar em 2030 com desmatamento zero na amazônia, a gente precisa de vocês”, prometeu o presidente.
Ao discursar no evento, Lula estendeu a faixa entregue por um manifestante com os dizeres: “Juventudo Xokleng contra o marco temporal”. O povo Xokleng, assentado em Santa Catarina, está no centro do processo sobre o marco temporal que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Durante a cerimônia. Lula foi cobrado por militantes a atuar junto a Suprema Corte para frear a tese de que só sejam considerada terras indígenas aquelas demarcadas até o marco da promulgação da Constituição em outubro de 1988.
Em sua conta no Twitter, Lula escreveu que “a luta por demarcação dos povos indígenas é uma luta por respeito, direitos e proteção da nossa natureza e país”. “Estamos avançando”, disse o presidente. Segundo o governo, as primeiras demarcações do terceiro mandato de Lula encerram um período de cinco anos sem homologações.
As terras com demarcação reconhecida pelo presidente foram as de Arara do Rio Amônia (AC), Kariri-Xocó (AL), Rio dos Índios (RS), Tremembé da Barra do Mundaú (CE), Uneiuxi (AM) e Avá-Canoeiro (GO). Juntas, essas comunidades abrigam 3715 pessoas.
Líder histórico do movimento indígena no País, o cacique Raoni cobrou de Lula a ampliação das demarcações neste terceiro mandato e, sobretudo, a ampliação dos repasses de recursos do Executivo federal para a proteção de territórios. “O presidente Lula precisa rever os recursos financeiros para o atendimento dos nossos povos indígenas. A Funai e a Sesai (Secretaria de Saúde Indígena) precisam de recursos financeiros. Está na área de os próprios indígenas assumirem esses órgãos”, cobrou Raoni.
“Tem muita terra indígena que não está demarcada e eu vou falar com o presidente Lula para ele agilizar a demarcação de terras indígenas para os parentes que não tem, mas vocês (indígenas) também precisam defender esse território para não deixar os garimpeiros e madeireiros entrar”, prosseguiu.
A assinatura de Lula, na prática, reconhece as demarcações feitas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O presidente também assinou dois decretos que prevem a recriação do o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e a criação o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) para analisar a distribuição de recursos a esses territórios. .
Durante a transição de governo, o grupo de trabalho dedicado ao tema mapeou a existência de 14 terras indígenas já demarcadas e em condições de serem homologados pelo presidente. A retomada dos processos de demarcação paralisados durante o governo Bolsonaro foi uma das promessas de campanha de Lula. A expectativa entre os organizadores do ATL era de que apenas cinco territórios fossem homologados nessa primeira leva.
Além de Lula, participaram da cerimônia a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a presidente da Funai, Joênia Wapichana, e a deputada federal Célia Xacriaba (PSOL-MG), além de outras lideranças do movimento indígena. O governo também foi representado pelos ministros Wellington Dias (Desenvolvimento Social), Marina Silva (Meio Ambiente), Márcio Macêdo (Secretaria Geral), Paulo Pimenta (Secom) e pela primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja.
O ministro Wellington Dias e a presidente da Funai aproveitam a cerimônia para assinar um termo conjunto de execução decentralizada que libera R$ 12, 3 milhões às casas de farinha nos territórios do povo Yanomami, que enfrenta crise humanitária com registros de alta mortalidade infantil e desnutrição severa entre adultos. A ministra Guajajara, por sua vez, foi cobrada por um plano de carreira para Funai e defendeu a medida. Ela ainda criticou a política indigenista do governo Bolsonaro.
“Houve tratamento dos povos indígenas como empecilho para o desenvolvimento do país e a criminalização das lideranças. O resultado disso foi o aumento dos números de ameaças, doenças e violências contra nossos corpos e territórios”, afirmou.
O Acampamento Terra Livre é uma das maiores mobilizações do movimento indígena e este ano teve início nesta segunda-feira, 24. Anualmente, lideranças e aldeados de todo o País se reúnem na capital federal para cobrar do governo a demarcação de terras, bem como pressionar outros Poderes a analisar temas de interesse dos povos indígenas. Neste ano, eles estão organizados para frear a tramitação de pautas consideradas “anti-indígenas” no Congressos, como o Projeto de Lei (PL) 191/2020 que autoriza a mineração em terras ancestrais dos povos indígenas.
Outra pauta defendida pelo movimento é a rejeição da tese de marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No início da semana, a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, pautou o julgamento do caso para o dia 7 de junho. A votação foi iniciada em 2021, mas acabou interrompida por sucessivos pedidos de vista na esteira da crise provocada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Bolsonaro ameaçava desrespeitar decisão do STF que invalidasse a tese do marco temporal e atacava o processo sob o argumento de que impediria o desenvolvimento econômico por meio da exploração agrícola e mineral nos territórios de direito dos indígenas “.Isso simplesmente inviabilizaria o nosso agronegócio, praticamente deixaríamos de produzir”, disse o ex-presidente no encontro Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos em Goiânia (GO), em 2021.
A expectativa da ministra Guajajara era anunciar a homologação das demarcações na reunião de 100 dias de governo, quando foi feito o balanço do início da gestão Lula e o anúncio de novas medidas a serem implementadas. O anúncio, no entanto, foi postergado porque a Casa Civil, chefiada pelo ministro Rui Costa (PT), não havia terminado a análise dos processos e liberado a documentação para que Lula assinasse.
A promoção das demarcações foi defendida por Lula na campanha como um contraponto ao governo Bolsonaro, que paralisou completamente os processos durante sua passagem pelo Planalto. Jair Bolsonaro deixou a Presidência sem homologar nenhuma terra indígena. No início de seu mandato, em 2019, ele disse que “enquanto for presidente, não tem demarcação”, pois os povos originários já teriam “territórios demais”, o que atrapalharia a exploração agrária e mineral com fins econômicos.