Lula pedirá aos chineses investimentos emergenciais no Brasil

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Foto: Ricardo Stuckert/PR

As viagens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos cem primeiros dias de governo se dividiram entre a solidariedade a tragédias, a tentativa de impor agendas positivas com programas reciclados e a diplomacia com os maiores parceiros comerciais do país. Foram dez Estados e três países visitados no período, sem contar a planejada viagem à China – que foi adiada por causa da pneumonia de Lula e será iniciada no dia 11 de abril.

Nas primeiras três semanas, o presidente só saiu de Brasília para agendas emergenciais: o velório de Pelé e as enchentes de Araraquara, ambos em São Paulo, e o caso de desnutrição dos Yanomamis, em Roraima. A reação à intentona golpista de 8 de janeiro dominou o governo por algumas semanas e o deixou mais preso em Brasília. Só no dia 6 de fevereiro Lula fez a primeira viagem programada a uma unidade da federação, o Rio de Janeiro. Ontem, Lula fez um sobrevoo a áreas atingidas por enchente no sul do Maranhão

Na arena internacional, a agenda se concentrou nos maiores parceiros comerciais do país. Primeiro, a Argentina – com passagem também pelo Uruguai -, onde se reuniu com o presidente Alberto Fernández e participou da cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac); depois, os Estados Unidos, no qual teve encontro com o presidente Joe Biden e outras lideranças do partido Democrata. No encontro com Biden, o tom político predominou, com críticas de Lula a Bolsonaro e ao ex-presidente americano Donald Trump.

A viagem com maior mobilização do governo e de empresários, no entanto, teria sido a da China, responsável por mais de um quarto das exportações brasileiras – apesar de o percentual ter registrado queda no último ano. Lula embarca para o gigante asiático na terça-feira (11), com expectativa de firmar acordos voltados para investimentos em infraestrutura.

“Lula é dos poucos líderes globais que conseguem hoje transitar, pelo menos por enquanto, em todos os lados. As viagens aos Estados Unidos e à China logo no início do governo mostram isso”, observa João Daniel Almeida, professor de política externa brasileira na PUC-Rio. Para Almeida, a diplomacia brasileira indica que retomará a característica histórica de dialogar com as diferentes potências globais sem ter os perfis políticos desses países como empecilho. “Quando fazemos isso, costumamos nos dar bem”, aponta.

No campo interno, Lula voltou a São Paulo em 20 de fevereiro para outra tragédia envolvendo as chuvas, dessa vez no litoral norte. Até agora, o presidente não esteve em solo paulista para prestigiar projetos ou participar de algum tipo de solenidade.

Depois de São Paulo, com as três visitas inesperadas, os locais que mais receberam Lula foram o Rio e Roraima, com duas cada. No caso do pouco populoso Estado do Norte, o presidente prestigiou em março a Assembleia Geral dos Povos Indígenas, como aceno a eles depois do caso dos yanomamis. Aqui, a mudança de perfil é nítida quando se compara com o governo Bolsonaro.

“Bolsonaro viajava nacionalmente, sobretudo para eventos militares ou de marcação ideológica muito clara, para eventos com apoiadores”, afirma a cientista política Mayra Goulart, professora da UFRJ. “A questão dos yanomamis marca essa inflexão na questão indígena, por exemplo. Vemos um presidente querendo se contrapor a alguém que falava apenas a seus apoiadores.”

Já no Rio, o petista conseguiu construir compromissos mais propositivos do que nos outros Estados que lideram o ranking. Em uma viagem, foi à posse de Aloizio Mercadante no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que serviu de palanque para criticar o patamar dos juros brasileiros, e à inauguração do Super Centro Carioca de Saúde, projeto tocado pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) e sem relação direta com o governo federal.

Na outra incursão, acenou ao setor cultural nas obras de reconstrução do Museu Nacional e num ato no Theatro Municipal, mas sobretudo aos militares, com visita ao Complexo Naval de Itaguaí. Foi na visita à base da Marinha, contudo, que o presidente cometeu aquele que é considerado o principal deslize retórico do mandato até aqui: a afirmação de que a operação da Polícia Federal contra um plano para matar autoridades teria sido “mais uma armação” do ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União-PR). A declaração ofuscou os sentidos originais da viagem e despertou preocupação quanto à dificuldade que aliados têm tido para impor filtros ao petista.

Nos outros Estados que receberam Lula até aqui – Bahia, Pernambuco, Paraná, Sergipe, Mato Grosso e Paraíba -, houve inaugurações de unidades do Minha Casa Minha Vida, programa repaginado dos outros governos petistas, agendas ligadas à duplicação da estradas, lançamento do Complexo Renovável Neoenergia e a retomada de programas voltados para a aquisição de alimentos, entre outras iniciativas. Foi o que o governo conseguiu apresentar até aqui, dado que o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ainda vai ser detalhado ao longo de abril.

Em vários desses Estados, como Rio, São Paulo e Pernambuco, Lula posou ao lado de governadores que não o apoiaram na eleição do ano passado. Cláudio Castro (PL) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) estiveram com Bolsonaro, enquanto Raquel Lyra (PSDB) não se envolveu tanto na disputa nacional.

Trata-se de outro ponto com diferença em relação ao ex-presidente, que não convidava governadores de oposição para participar de suas agendas.

Valor Econômico