Militares culpam Bolsonaro por politização das Forças
Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO
Fato inédito, a convocação de 89 militares do Gabinete de segurança Institucional e do Comando Militar do Planalto para que prestassem esclarecimentos à Polícia Federal sobre os eventos do dia 8 de janeiro em Brasília é símbolo do impacto do processo de politização das Forças Armadas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Essa é o opinião de analistas e militares ouvidos pelo Estadão.
“É absolutamente novo o que está acontecendo. É o que sobrou como herança de tanta proximidade com Bolsonaro, desde 2018″, afirmou o cientista político e historiador João Roberto Martins Filho, professor da Universidade Federal de São Carlos. Como reação ao processo de partidarização de setores militares, que culminou com os atos do dia 8 de janeiro, o atual comandante do Exército, general Tomás Miguel Miné Ribeiro de Paiva, iniciou um processo interno para despolitizar a Força. A ideia nascera ainda no comando de Julio Cesar Arruda, o chefe do Exército demitido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 21 de janeiro.
O Exército está mudando neste mês sete dos oito comandos de área da Força Terrestre – só o comando militar do Leste permanecerá inalterado. Tomás aposta na pacificação para recuperar a institucionalidade, superar as feridas causadas pelo 8/01 – quando radicais invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).
O desprezo demonstrado pelos manifestantes na sede do Supremo causou profundo desgosto nos ministros da Casa, que foram confrontados durante todo o governo de Bolsonaro não só pelo então presidente, mas também por generais que eram seus ministros, como Augusto Heleno e Walter Braga Netto.
Generais como Otávio Rêgo Barros, recém-nomeado coordenador de pesquisas do Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx), é uma das vozes que pedem um voto de confiança ao general Tomás em sua tarefa de recuperar o papel institucional desempenhado pelas Forças Armadas. Rêgo Barros vinha alertando publicamente para a necessidade de se evitar críticas emocionais que apenas dificultariam a harmonia necessária para o diálogo entre o político e operacional nas relações entre civis e militares.
Rêgo Barros foi chefe da Comunicação Social do Exército durante o comando do general Eduardo Villas Bôas e porta-voz de Bolsonaro de 2019 a 2020 – tornando-se depois um crítico do governo do capitão.
Martins Filho lembra que a atitude de apaziguamento envolvendo a liderança política e a militar obedece à lógica do realismo político. “Dada a gravidade dos acontecimentos, criou-se a situação em que se tornou natural o depoimento dos militares à Polícia Federal.” Ele credita isso mais a uma reação do STF do que a uma política do governo Lula. “O que foi decisivo foi a decisão do ministro Alexandre de Moraes de manter as investigações sobre os militares no Supremo.”
O professor diz que a singularidade do depoimento dos mais de 80 militares à PF está no fato de eles estarem prestando esclarecimento em razão de uma decisão de um poder civil e não como consequência de disputas envolvendo grupos internos das Forças, como acontecia antes de 1964.
Outro fato importante é a ausência de reações na caserna. Todos se lembram de quando o STF examinou a possibilidade de apreender o telefone celular de Bolsonaro, em 2020. O general Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), afirmou que se a medida fosse determinada, ela poderia provocar “consequências imprevisíveis para a estabilidade do País”.
Os militares reagiram ainda mais quando o então ministro Celso de Mello, do STF, escreveu que os generais Heleno, Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos poderiam ser conduzido a depor “debaixo de vara”. Ação para caso se recusassem a prestar esclarecimentos no inquérito aberto sobre as alegações de Sérgio Moro, que se demitira do Ministério da Justiça, de que Bolsonaro tentara interferir na Polícia Federal. Desta vez, nenhum manifesto foi produzido contra a PF ou a Justiça.