Moro volta a ser suspeito de fraudar processo
Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ; Reprodução, Reprodução
Luis Felipe Salomão, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e corregedor nacional de Justiça, determinou a instauração de um procedimento para apurar a atuação de Marcelo Malucelli, desembargador paranaense que integra o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Como já se escreveu aqui, Malucelli resolveu suspender uma decisão do juiz Eduardo Appio, da 13ª Vara Federal de Curitiba, e, ao fazê-lo, na prática, restaurou um decreto de prisão preventiva que havia contra o advogado Rodrigo Tacla Duran. A medida tinha sido revogada à esteira de decisão de Ricardo Lewandowski, então ministro do STF, que suspendera duas ações penais contra Duran por vício processual.
Sempre entendi, e chamei a atenção de vocês aqui, que a decisão de Malucelli era ilegal porque um juiz de instância inferior (TRF-4) desfazia, na prática, uma decisão de instância superior. Ademais, algo estranho aconteceu, não é? O próprio TRF-4 noticiou em sua página, com aspas do despacho de Malucelli, que a prisão preventiva de Tacla Duran voltava a valer. Depois o texto desapareceu — mas pôde ser recuperado no “cache”, como noticiei aqui. Quando tal decisão veio a público, Appio enviou uma questão ao desembargador: que instância deveria expedir o auto de prisão? A 13ª Vara Federal ou o TRF-4? E eis que Malucelli preferiu responder a Rosa Weber, presidente do STF, afirmando, de forma surpreendente, que inexistia prisão preventiva contra Duran. Bem, o próprio tribunal que ele integra disse o contrário naquele tal texto que sumiu. Estranho. E também notei que havia causa de impedimento ou de suspeição do desembargador, a depender de por onde se lesse a coisa. E Salomão igualmente toca no assunto ao pedir a apuração. Por quê? Vamos a um resumo.
Lembremos. Duran trabalhava para a Odebrecht e foi acusado de lavar dinheiro para o grupo, permitindo, segundo a acusação, que se disfarçasse o pagamento de propina. Ocorre que ele diz ter sofrido extorsão. Segundo a sua acusação, Carlos Zucolotto, advogado e compadre de Moro, lhe pediu US$ 5 milhões para se dar bem na Lava-Jato. Falaria em nome do então juiz e de Deltan Dallagnol, a época coordenador da Lava Jato e hoje deputado federal (Podemos-PR). Duran, que também tem cidadania espanhola, afirma ter pagado US$ 613 mil a um outro advogado, Marlus Arns, amigo de Rosângela Moro (União Brasil-PR), hoje também na Câmara. Depois de mudou para a Espanha. Todos negam a acusação e afirmam que não se deve dar crédito à fala de um criminoso. Duran afirma ter provas do que diz. Há uma notícia-crime para apurar o caso no STF e tem como alvos Moro, um assessor seu, Dallagnol e Zucolotto. O senador recorreu. Sustentou que o tribunal não era o foro adequado para o caso. A PGR discordou, e Lewandowski, ainda ministro, decidiu que a apuração segue na corte. Escreveu em sua decisão: “Segundo afirma a Procuradoria-Geral da República, ‘[a] cronologia dos fatos expostos nesta manifestação aponta para eventual interferência de Sérgio Moro no julgamento dos processos envolvendo a Operação Lava Jato — inclusive os processos envolvendo Rodrigo Tacla Duran –, mesmo após sua exoneração do cargo de Juiz de Direito, mas também passando por atos praticados na condição de Ministro de Estado da Justiça, bem ainda a notícia de suposta interferência do Senador da República Sérgio Moro, na condição de ex-Juiz titular da 13a Vara Federal de Curitiba na prática de atos decisórios nos autos da Ação Penal no 5019961-43.2017.4.04.7000/PR” (fls. 28/29, grifei). Assim, verifico que, ao menos nesta fase inicial, a competência para a supervisão e apuração dos fatos noticiados no presente expediente é do Supremo Tribunal Federal, a teor do art. 102, I, b, da Constituição da República. Aplica-se ao caso o precedente firmado na Ação Penal 937/DF quanto à prorrogação da competência, considerando que, segundo a PGR, alguns dos supostos atos podem ter sido praticados no exercício de cargos com foro especial por prerrogativa de função.”
Como resta visível, o imbróglio opõe Tacla Duran e Moro. É inequívoco que, se o ex-advogado da Odebrecht for malsucedido, o senador paranaense se dá bem. Mas pode acontecer o contrário. E aqui se entra em outro aspecto delicado da coisa. O corregedor-geral de Justiça pede que se apure também a eventual suspeição de Malucelli para atuar no caso. Por quê? João Eduardo Barreto Malucelli, seu filho, é sócio de Moro e de Rosângela no escritório Wolff Moro Sociedade de Advocacia. Também é namorado de Júlia, filha do casal Moro, e tem um cargo comissionado na Assembleia Legislativa do Paraná, no gabinete do deputado estadual Luiz Fernando Guerra Filho (União Brasil). Este, por sua vez, é irmão do empresário Ricardo Augusto Guerra (União Brasil), segundo suplente no Senado adivinhem de quem… Sim, de Moro. A decisão de Malucelli impediu que Duran viesse ao Brasil para participar de uma audiência com Appio. Salomão deu um prazo de cinco dias para o desembargador prestar esclarecimentos. O Artigo 252 do Código de Processo Penal define as causas de impedimento do juiz. Diz o inciso IV que ele não pode exercer jurisdição do processo em que “ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.” O Artigo 254 trata da suspeição. O Inciso III define que o juiz se dará por suspeito — e, se não o fizer, pode ser recusado por qualquer das partes, “se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes”. Parece ser o caso, não? Vamos ver qual será a resposta de Malucelli a Salomão.
Um caso, assim, tão especioso me lembrou aqueles tempos em que a Lava Jato fazia no Paraná e no Brasil o que lhe dava na telha. Em 2019, por ocasião dos cinco anos da força-tarefa, um outdoor surgiu em Curitiba. Trazia ao centro Deltan Dallagnol, ladeado pelos seus valentes da força-tarefa, com o seguinte texto: “Bem-vindo à República de Curitiba. Terra da Operação Lava Jato, a investigação que mudou o país. Aqui a lei se cumpre. 17 de março. 5 anos de Operação Lava Jato. O Brasil Agradece”. Descobriu-se depois que tinha sido encomendado pelo então procurador Diogo Castor de Mattos. um dos mais buliçosos homens de Dallagnol. O absurdo lhe rendeu a demissão. Protagonizou alguns eventos na operação. Pesquisem. Ou este texto se alonga demais. De toda sorte, dava-se de barato que havia um certo “Direito Penal de Curitiba”, que, por alguma razão, imaginava-se distinto do que se passava no resto do país. Nem diga! O juiz da Lava Jato é senador. O procurador-estrela é deputado. Realmente, tudo muito diferente…
O ministro da Justiça, Flávio Dino, decidiu acionar o Ministério Público Federal e o Conselho Nacional de Justiça contra o desembargador Mário Helton Jorge, do Tribunal de Justiça do Paraná. Ao lamentar a existência de casos de corrupção no seu Estado, afirmou: “Porque é uma roubalheira generalizada. E isso no Paraná, que é um estado que tem um nível cultural superior ao Norte do país, ao Nordeste etc. É um país que não tem esse jogo político dos outros estados. Aqui no Paraná, é uma vergonha”. Quando a sua fala ganhou o país, saiu-se com esta: “Não houve intenção de menosprezar ou estabelecer comparação de cunho preconceituoso contra qualquer pessoa, instituição ou região. O magistrado lamenta o ocorrido e pediu sinceras desculpas pelo comentário”. Se não houve intenção, convenha, ele fingiu muito bem.
Juízes, procuradores e outros operadores da lei são os remédios possíveis para as disfunções da sociedade, não é? Não podem se confundir com os males que são pagos para combater. Em qualquer lugar do Brasil.