População paga gordas aposentadorias a pastores

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Foto: José Amarílho Jr./Divulgação

O presidente do Sindifisco Nacional (que representa os auditores fiscais da Receita Federal), Isac Falcão, afirma que o ato do Fisco que ampliou a isenção a pastores evangélicos durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) usurpou a função do Congresso e não cumpriu os ritos de tramitação interna, representando um prejuízo relevante para os cofres públicos.

De acordo com Falcão, a interpretação dada pela Receita à época faz com que a aposentadoria de pastores evangélicos que recebem altos valores de suas igrejas sejam bancadas de forma irregular pelos demais trabalhadores.

“Estamos falando da isenção da cota patronal dessas [altas] remunerações. Ou seja, os trabalhadores submetidos a esse regime, os pastores, eles se aposentam. E as aposentadorias deles são pagas pelas contribuições dos demais trabalhadores”, afirma.

Como mostrou a Folha, a isenção tributária a pastores evangélicos publicada pela Receita às vésperas da campanha eleitoral de 2022 está passando por reavaliação interna do Fisco sob suspeita de ter ocorrido de forma atípica, além de ser alvo de uma investigação no TCU (Tribunal de Contas da União).

O ADI (Ato Declaratório Interpretativo) nº 1, de 29 de julho de 2022, ampliou o alcance da isenção previdenciária a igrejas como forma de livrar da tributação previdenciária mesmo aquelas prebendas —o valor pago pelas igrejas aos pastores por seu trabalho— que se assemelham mais a uma divisão de lucros da arrecadação de dízimo do que a uma remuneração fixa para a subsistência.

Qual a avaliação do sr. faz do Ato Declaratório da Receita 1, de 2022? O ato foi um absurdo, extrapolou a competência da Receita Federal e não foi à toa que não passou pelos órgãos técnicos da Receita. A gente vê, por exemplo, no caso das joias [dadas pela Arábia Saudita à família Bolsonaro], que quando a coisa passa pelas áreas técnicas, você tem ali um controle técnico, republicano. E foi o que não aconteceu, ao que tudo indica, nesse ato.

Qual seria o procedimento normal? Passar pelo Cosit [Coordenação-Geral de Tributação], Disit [Divisão de Tributação das Superintendências Regionais da Receita], por exemplo. Um contribuinte, quando ele tem alguma dúvida em relação à aplicação da legislação tributária por parte da Receita Federal, ele provoca a Receita.

Uma consulta normal começa numa Disit, que é uma divisão de tributação. Depois, manda para a Cosit, que então encaminha para a subsecretaria de tributação; e então para o secretário da Receita Federal, que emite o ato, quando lhe cabe, ou passa para o ministro da Fazenda, quando é o caso de passar para o ministro.

Enfim, há todo um um sistema, que é feito para que o ato observe a disciplina legal. Ou seja, para que não seja um ato que saia da cabeça de uma pessoa, mas uma manifestação de uma instituição do Estado brasileiro. Para que isso aconteça, os procedimentos precisam ser observados.

Vocês têm informação de como foi a tramitação desse ato? A informação que a gente tem é que ele não tramitou na Receita.

Já chegou pronto? Ele saiu do gabinete [do então secretário da Receita] para o Diário Oficial. Isso aí extrapolou a competência da Receita Federal, por um lado, invadindo a competência Legislativa, porque ele modifica o sentido da aplicação da lei, e, por outro lado, invadindo a competência do auditor fiscal de aplicar a legislação tributária.

A gente tem uma instância do controle interno, do Poder Executivo, que é a Corregedoria [da Receita], e nós temos uma instância de controle externo, realizado pelo Legislativo, que é a o Tribunal de Contas da União, que está fazendo a avaliação.

Nós vemos que essas instituições estão funcionando, fazendo o seu trabalho e a gente tem uma expectativa em relação a isso. A própria Receita Federal está revendo. Então, não se fez necessário o controle jurisdicional.

Qual a sua opinião sobre o mérito do ato? A lei não leva de forma alguma àquela compreensão. A prebenda em nada se parece com uma remuneração por produtividade, como a gente encontra em alguns casos.

O pano de fundo disso tudo é o seguinte: nós estamos falando é da isenção da cota patronal dessas remunerações. Ou seja, os trabalhadores submetidos a esse regime, os pastores, eles se aposentam. E as aposentadorias deles são pagas pelas contribuições dos demais trabalhadores.

Por isso que um sistema remuneratório próprio de empresas privadas, quando é aplicado em igrejas, elas devem contribuir da mesma forma que as empresas privadas. Se não, o que vamos ter? Os demais trabalhadores pagando pela aposentadoria daqueles pastores. As demais instituições pagando pela aposentadoria dos trabalhadores dessa instituição.

O Sindifisco tem um cálculo de qual impacto esse ato gerou? Há créditos tributários constituídos anteriormente à edição do ato que estavam em discussão entre os autuados e a Receita Federal, no contencioso administrativo. Então, quando chega a essa discussão um ato emanado pelo secretário, interpretando a legislação vigente, isso causa um prejuízo muito grande.

Porque ele não está fazendo, em tese, uma nova norma. Ele está dizendo assim: ‘Olha, essa lei deve ser entendida dessa forma’. Ora, se lei devia ser entendida dessa forma, aquela autuação é inválida.

Isso causa um prejuízo em parte já constituída e causa um outro prejuízo, prospectivo. Aquelas instituições que não tinham essa prática passam imediatamente a deixar de recolher. Isso causa prejuízo em duas pontas, tanto no que foi lançado como no que seria arrecadado. É muito difícil mensurar, mas é certamente um prejuízo relevante. Temos milhares de pessoas trabalhando nessa situação, sob esse regime.

O ex-secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes, que assina o ato, afirmou que todas as normas adotados em sua gestão seguiram as regras, com tramitação regular nos órgãos internos.

À época, a Receita havia divulgado nota afirmando que o ADI “tão somente consolidou num único documento o entendimento já vigente sobre essa matéria, que já estava veiculado em lei e diversos diplomas jurídicos, como Soluções de Consultas e Pareceres”, acrescentando que a diversidade de documentos estava gerando divergências internas.

Líderes da bancada evangélica defendem a edição do ato de 2022 pela Receita, afirmando que a atual revisão pelo Fisco representa perseguição política patrocinada pela esquerda.

Folha