Anatel é vista como solução para fiscalizar Big Techs
Foto: Pedro Ladeira – 25.abr.23/Folhapress
O relator do PL das Fake News, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), diz em entrevista à Folha que o melhor caminho para resolver o impasse sobre a supervisão das redes sociais é atribuir a função à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
O relator defendia que essa supervisão ocorresse via uma entidade vinculada à administração indireta do governo, mas foi obrigado a retirar o dispositivo do texto por falta de apoio.
O PL das Fake News, cuja votação estava prevista para terça-feira (2), foi adiado para evitar uma derrota do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O texto enfrenta resistência de diferentes segmentos na Câmara.
Na visão do relator, parlamentares da oposição trabalham contra o PL das Fake News pelo temor de que a regulação das redes sociais force mudanças na política ancorada em mentiras.
Ele cita como exemplo deputados que disseram que o projeto baniria versículos da Bíblia. “Essa gente se nutre da polarização da sociedade e ela é bem funcional para as redes sociais, porque o modelo de negócio das redes sociais se baseia no extremismo”, diz.
Por ser um tema tão sensível e tão importante, considerei que não valeria simplesmente votar e ganhar por um voto, como não valeria perder uma oportunidade dessa por um voto. Aposto em mais conversas, mais esclarecimentos, mais ajustes para termos convergência maior no plenário.
É muito comum, quando eu converso com os deputados, que cada um deles apresente uma experiência de [ataques por] fake news vividas por ele próprio
Quem sugere modificação e mantém oposição à proposta, a oposição deixa de ser oposição pelo conteúdo e passa a ser de natureza política. Que é legítima, só que não há argumentos de mérito.
Vi deputado falando que não podia ser a favor de uma proposta que é relatada por um comunista. Não tenho o que fazer. Apenas dou bom dia, boa tarde, boa noite, muito obrigado e me retiro da sala, porque simplesmente não tem o que fazer.
É um projeto que explicitamente reforça a liberdade de expressão, quando cria um mecanismo de devido processo na moderação de conteúdo, naquelas avaliações que são feitas de conteúdos publicados.
Hoje, as plataformas digitais simplesmente fazem a moderação e comunicam ao usuário. Pela proposta, elas ficam obrigadas a justificar por que foi feita aquela moderação e a criar um canal rápido para que o próprio usuário possa contestar aquela decisão. Ou seja, estamos exigindo que seja criado um caminho para que o usuário defenda a sua liberdade de expressão.
Estamos propondo que, primeiro, se há pagamento para impulsionamento, a plataforma assuma a responsabilidade —se o conteúdo produzir algum dano, parece lógico que, se alguém ganhou dinheiro para levar essa mensagem mais longe, é responsável pela mensagem que levou.
Segundo, se ela for notificada de que há um conteúdo ilegal, a plataforma é obrigada a avaliar esse conteúdo e, se após a notificação, esse conteúdo permanecer lá, ela passa a ser responsabilizada também, caso aconteça a produção de algum dano. Esse mecanismo é chamado “dever de cuidado”.
Aí dizem que as plataformas poderiam vir a retirar conteúdos legítimos para evitar uma sanção. Estabelecemos que não basta a notificação do usuário, mas é necessário que seja criado um protocolo de segurança, para que as plataformas avaliem o conteúdo e eventualmente façam a moderação. É uma camada adicional de proteção, diferente, inclusive, da proposta que o governo me fez. Uma camada protetiva ao risco de retirada de conteúdos legítimos.
O melhor modelo seria nós criarmos uma entidade autônoma de supervisão, com natureza jurídica vinculada à administração indireta, que fosse uma autarquia e que os seus diretores tivessem mandato. Um órgão próximo ao que são as agências reguladoras.
Essa proposta não encontrou bom apoio no plenário e decidi retirar do texto, para não interditar o debate.
Colegas apontaram que poderia ser fixado mecanismo de autorregulação. A autorregulação já é o que nós temos hoje e que me parece insuficiente.
Também me foi apresentado o modelo de autoridade nacional de proteção de dados pessoais, [entidade] que já existe, mas está em fase de construção, o que lhe daria poucos instrumentos para que, no curto prazo, tenha eficácia.
A terceira hipótese, que não é a que eu nutria mais entusiasmo, mas que me parece a mais pronta para o atual momento, é nós atribuirmos à Anatel. Isso aqui exigirá alteração nas atribuições da Anatel, um aperfeiçoamento do seu funcionamento, provavelmente criação de uma câmara temática, talvez uma diretoria para poder cuidar de uma fronteira nova, além das telecomunicações. Na minha percepção, a Anatel ajustada com as atribuições dessa nova tarefa é o caminho mais seguro.
Uma parte de parlamentares tem uma visão do estado sem intervenção. Uma segunda parte é uma atitude política de parlamentares, sobretudo da oposição, que imaginam que, se houver uma regulação nas redes sociais, isso poderia produzir algum embaraço para o tipo de política que eles fazem.
Para mim, o exemplo cristalino do tipo de política que essa gente faz foi dado pelo deputado Deltan Dallagnol [Podemos-PR], quando fez uma publicação dizendo que o texto da lei iria proibir pastores de citar versos da Bíblia durante os cultos. Isso é rigorosamente uma mentira. E essa gente faz política ancorada em mentira. Faz política ancorada em narrativa, não importa o fato.
Essa gente se nutre da polarização da sociedade e ela é bem funcional para as redes sociais, porque o modelo de negócio das redes sociais se baseia no extremismo. Quanto mais extremo o discurso, mais engajamento ele gera. Quanto mais engajamento ele gera, mais a inteligência artificial lê como relevante. Quanto mais relevante, mais distribuição, e isso é estruturado numa bolha.
A extrema direita opera de modo funcional para as redes sociais e as redes sociais são funcionais para a operação da extrema direita.
Quem fala em votar o texto do deputado Mendonça Filho [União Brasil-PE] nem sequer deve ter lido. Primeiro que o texto do deputado é ancorado na autorregulação das plataformas. Segundo, é um texto que amplia os poderes do Ministério Público.
Eu me surpreenderia se o plenário optasse por abrir mão da sua competência legislativa estabelecendo responsabilidades e atribuições e transferisse esse poder para o Ministério Público.
O que nós vimos nos últimos dias é algo, na minha percepção, assustador. O que as big techs operam nesse instante é colocar o Congresso Nacional de joelhos. É decidir o que pode e o que não pode ser votado. E o que é grave, jogando fora das quatro linhas da Constituição, para usar uma analogia que ficou famosa no Brasil.
O Google tem 96% do mercado de busca no Brasil. Eles abusam da condição de monopólio no mercado e colocam um caminho apontando para críticos do projeto, inclusive políticos. Teve um deputado do PL que era recomendado pelo Google.
Alguns falam para mim: mas o Google não pode participar do debate público? Na minha opinião, pode. Como empresa, tem direito de falar. É um agente econômico relevante. Fiz inúmeras reuniões com dirigentes deles. É legítimo que eles participem do debate. O que não é legítimo é eles travestirem de neutralidade uma abordagem dos usuários para conduzi-los a um debate distorcido, enviesado.
Houve abuso do poder econômico. Houve disseminação de desinformação. Eles próprios feriram os termos de uso. O Spotify, nos termos de uso, proíbe anúncio político. E o Google pagou anúncio com o conteúdo político veiculado no Spotify, que deu uma desculpa esfarrapada que não sabia que tinha conteúdo político. O Twitter reduziu o alcance de quem apoiava o projeto e ampliou o alcance dos críticos.
Então as big tech jogaram sujo para impor a sua posição ao Congresso Nacional. E isso não é democrático