Apoio de Dallagnol a Bolsonaro desmoraliza Lava Jato
Foto: Reprodução
Um meme que circula nas redes sociais ridiculariza os dissabores que a dupla Deltan Dallagnol e Sergio Moro tem experimentado nos últimos tempos. Em referência à época em que pontificavam na Lava Jato, os dois aparecem em uma foto, dizendo um para o outro: “Você lembra quando nós éramos do Judiciário e nenhum político prestava?”. A resposta: “Lembro sim! Mas nós hoje estamos na política e nenhum juiz presta”. Esse é o resumo da principal tese que Dallagnol apresentou na noite de ontem aos entrevistadores do programa Roda Viva, na TV Cultura. Desde que teve o mandato de deputado cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele faz questão de se mostrar como vítima de injustiça e perseguição.
Pior: com sua fala acelerada e alguns decibéis acima do normal, repetiu a mesma acusação leviana que sustentou no pronunciamento feito no dia em que foi cassado, a de que existem interesses escusos por trás de magistrados que o condenaram. Depois de dizer que não parte de especulações e suspeitas, mas sim de fatos, Dallagnol soltou um comentário recheado de especulações e suspeitas: “Todo mundo sabe – quem não é ingênuo — como funcionam as decisões em Brasília. Alguns ministros vão decidir em cima da lei e vários vão decidir por interesses. Isso é sabido, como as coisas funcionam no Brasil”. Em seguida, disse que autores de votos e sentenças contra os integrantes da Lava Jato estavam tentando agradar o governo de olho nas vagas abertas no Supremo Tribunal Federal (STF) e TSE. Para justificar essas acusações, não mostrou nenhuma prova, apenas convicções – ou “inferências”, como prefere dizer atualmente. Além de confirmar o meme, Dallagnol não se constrangeu de apresentar ao público que assistia à entrevista um festival de frases absurdas: – “Discordo de muitas pautas do Bolsonaro (?), mas não estou aqui para desunir a direita”. (Respondendo sobre ataques do ex-presidente à democracia) – “Existe liderança do homem sobre a mulher. Não importa se você concorda ou não, se eu concordo ou não, o que importa é que isso está na Bíblia”. – “Não sou gestor público, nem de saúde. Na época estava como procurador da República” (Quando provocado a avaliar a trágica gestão de Jair Bolsonaro na pandemia que resultou em 700 mil mortes). – “Não sou procurador desse caso. Não conheço esses casos em detalhes” (Sobre a acusação de apropriação de joias e de falsificação de cartão de vacina por parte de Bolsonaro, fartamente noticiado). – “Eu defendo que o pastor possa falar que casamento é só entre homem e mulher na igreja.” (Sustentando a mentira que espalhou nas redes de que o PL das fake news iria censurar versículos da Bíblia). Houve outros momentos vexatórios, como quando tentou convencer a audiência de que Lula é maior ameaça à democracia que Bolsonaro ou quando justificou o voto contra o projeto de lei que estabelece punições para o empregador que não equiparar salário de homens e mulheres na mesma função. Vindo de quem vem, nada disso surpreende. Mas é inevitável a perplexidade toda vez que vem à lembrança que Dallagnol, seu parceiro Sergio Moro e os outros aliados da Lava Jato permaneceram tantos anos como paradigma de integridade, responsáveis por dizer ao Brasil quem é ou não é corrupto no país. Com o ocaso desses personagens, parte considerável da classe política e da imprensa que os apoiou — e sem a qual essa beatificação não teria ocorrido — parece ter sumido do mapa. Mas ninguém se engane: o lavajatismo envergonhado continua à espreita. Ao primeiro cochilo dos democratas, eles tentarão deixar a condição de memes voltar ao protagonismo, cheios de empáfia. Que a experiência aprendida com a Lava Jato nos ajude a sempre duvidar dos que se fazem passar por heróis – seja hoje ou no futuro.