Balsonarismo quer congelamento do salário mínimo
Foto: Cristiano Mariz/O Globo
Presidente nacional do Progressistas (PP) e ex-ministro da Casa Civil, o senador Ciro Nogueira (PI) avalia que o governo só conseguirá aprovar na Câmara dos Deputados as propostas que tiverem o aval do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). O Palácio do Planalto, diz, até hoje não conseguiu formar uma base consistente de apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e que essa avaliação não se restringe ao novo arcabouço fiscal. “O Arthur está consumindo o capital político dele”, afirmou.
Líder da minoria, Nogueira criticou o relatório do deputado Claudio Cajado (PP-BA), que é seu correligionário, sobre a nova regra fiscal para controlar os gastos do governo, discordando da exclusão do aumento real do salário mínimo do teto de gastos.
Principal dirigente do PP, Nogueira reconheceu que há parlamentares da legenda que querem compor a base governista e que não se sente à vontade para puni-los porque o PT apoiou a recondução de Lira ao comando da Câmara. “Eu fico um pouco no fio da navalha”, reconheceu. Mas reafirmou seguirá na oposição a Lula, embora tenham sido aliados no passado.
Para Nogueira, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) continua sendo a principal liderança de direita no país, mas caso se torne inelegível, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), será o favorito na sucessão presidencial, e prevê uma vitória fácil se Lula não concorrer à reeleição. “Se o candidato for Tarcísio, vem todo mundo conosco. Só fica do outro lado o PT, o PSOL, o PSB e o PCdoB”, apostou.
A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Como o PP está posicionado em relação ao governo?
Ciro Nogueira: Um pouco dividido. Eu sou totalmente oposição ao governo. Grande parte dos deputados acompanha esse meu posicionamento. Mas eu deixei os deputados livres pra votarem de acordo com suas consciências, com seu eleitorado, por conta da questão do Arthur [Lira, presidente da Câmara]. Como ele recebeu o apoio do PT [na reeleição], me constrange um pouco ter uma atuação mais firme. Eu sempre medi essa responsabilidade que o Arthur tem lá. Então eu fico um pouco no fio da navalha. Mas eu sou de oposição, e o PP é um partido de oposição.
Valor: O senhor foi um aliado de Lula no passado. Seu vínculo com o bolsonarismo é definitivo?
Nogueira: Eu tenho um carinho enorme pelo presidente Lula e sei que ele tem esse carinho por mim. Tem muitos anos que não converso com ele, evitei esse contato. Acontece que temos uma grande diferença atualmente. Nunca tivemos a direita forte como temos hoje. Tínhamos uma direita falsa, que era o PSDB, que ocupava esse espaço. Com a chegada do presidente Bolsonaro, as pessoas saíram do armário.
Valor: O senhor é de direita?
Nogueira: Sempre fui de centro-direita. Mas não tinha ninguém liderando esse processo no país. Eu hoje tenho uma identidade completa com o que fizemos no governo, sou até mais à direita no liberalismo que Bolsonaro. Não tenho identificação com questões de costumes. E hoje tenho a decisão de ficar na oposição nos próximos quatro anos, estarei contra Lula ou o candidato dele em 2026. Aliado a isso, o Lula de hoje não é o Lula que eu apoiei lá atrás.
Valor: O Lula mudou?
Nogueira: Lula hoje tem um nível de pessoas ao redor dele muito pior do que no passado. Ele tinha pessoas que corrigiam os rumos, tinham autoridade sobre ele. Tinha o José Dirceu, o Palocci, o Márcio Thomaz Bastos. Quando o Lula ia errar, eles diziam: ‘Por aí, não’. Hoje não tem ninguém. São pessoas que só dizem amém a ele, que não têm coragem de dizer que ele está errado.
Valor: E ele está errando?
Nogueira: Lula não se preparou para assumir o país. Escolheu os ministros políticos em uma semana. Tanto que essa escolha não se refletiu em base de apoio no Congresso.
Valor: O governo tem base para a aprovar projetos importantes?
Nogueira: A articulação toda está nas mãos dos presidentes Arthur Lira e do [Senado] Rodrigo Pacheco [PSD-MG]. Não tem articulação política. Se o Arthur chegar e disser “gente, não vou me envolver nessa votação”, o governo perde.
“Lula tem um nível de pessoas ao redor dele muito pior do que no passado.”
Valor: O arcabouço depende do empenho do Lira?
Nogueira: Vai ser aprovado por conta do Arthur. Ele tem uma liderança que nunca aconteceu no Congresso. Eu o alertei de que ele está consumindo o capital político que tem para ajudar o governo. Não sei até quando os deputados ficarão votando só na base do prestígio de Arthur. Já noto um desgaste disso. O governo não tem 250 deputados. A base governista tem 180 deputados hoje [de 513].
Valor: O que o senhor achou do relatório do deputado Claudio Cajado sobre a nova regra fiscal?
Nogueira: Ele melhorou bastante o texto, mas deixou pontas soltas. Uma é a questão do salário mínimo. Tem que ter aumento real, mas dentro da responsabilidade fiscal. Se o governo não cumprir nada, estoura as contas públicas e mesmo assim você ainda permite aumento? Vai dar uma sinalização muito ruim.
Valor: E na reforma tributária, Lira vai empenhar o capital político dele para aprovar?
Nogueira: Eu tenho um pessimismo quanto a essa reforma. Como esse atual governo só pensa em gastar, ele só vai aceitar uma reforma que aumente a carga tributária.
Valor: Mas não existe essa proposta com aumento de imposto.
Nogueira: Não, mas pelo que está vindo do Palácio, só vai se for com esse viés. O próprio Aguinaldo [Ribeiro, relator] tem me dito que não vai concordar com aumento de impostos. Vamos aguardar o relatório dele.
Valor: Tudo indica que Bolsonaro não estará na próxima eleição, com uma condenação tornando-o inelegível. Para onde vai a direita?
Nogueira: Acho absurdo se isso acontecer, mas se acontecer, aí eu tenho certeza que a direita vai ganhar a eleição em 2026. Porque a população não vai aceitar um presidente ser tirado de seus direitos de ser candidato porque se reuniu com embaixadores e porque fraudaram um cartão de vacinas dele. Se ele já é forte, isso [inelegibilidade] vai multiplicar por dez a força dele. Aí não tem nem eleição, já pode botar a faixa no peito do Tarcísio [de Freitas, governador de São Paulo].
Valor: O candidato da direita, com Bolsonaro fora, é o Tarcísio?
Nogueira: Eu acho que política tem fila. E quem está na fila é o Tarcísio. Se ele tiver o apoio do Bolsonaro, ganha.
Valor: Os filhos do Bolsonaro são uma opção?
Nogueira: Podem ser.
Valor: E a Michelle?
Nogueira: Ela vai para o Senado. Ela não tem esse viés de ser candidata a presidente, pelas conversas que tenho com o presidente Bolsonaro. Se tem uma eleição certa, é a da Michelle para senadora pelo DF.
Valor: As várias investigações não derreterão a popularidade de Bolsonaro?
Nogueira: A grande questão é que as pessoas olham para alguém como Lula e Bolsonaro e pensa “ele é um de nós”. O cara olha para mim, para você, e pode pensar que é um cara inteligente, trabalhador. Mas ele não pensa “é um de nós”. Também não pensam isso do Tarcísio, do Haddad. Por isso também são mais condescendentes com eles. Se tivesse contra mim 10% das acusações que tem contra Lula ou Bolsonaro, eu não era mais político.
Valor: Por que Bolsonaro perdeu para Lula, em sua avaliação?
Nogueira: Se a pandemia não tivesse existido, o Lula nem teria concorrido e Bolsonaro seria reeleito com 70% dos votos. Ele, claro, errou no discurso. A coisa que mais derrotou Bolsonaro na campanha, a mais grave, foi a cena dele tossindo [simulando ironicamente um sintoma de covid], que o TSE não tirou do ar. Aquilo foi tirado do contexto, como se ele estivesse caçoando das pessoas doentes. Aquilo foi mortal. Mas foi uma soma de erros. Paulo Guedes teve milhões de acertos, mas na do salário mínimo [possibilidade de desindexar, com reajuste podendo ser menor que a inflação], atrapalhou.
Valor: Houve alguém que alertasse Bolsonaro que o negacionismo podia custar a eleição?
Nogueira: Eu cheguei para ele e disse: ‘Presidente, se o senhor se vacinar, cresce sete pontos na pesquisa’. Eu tinha me reunido com algumas pessoas e o [Antonio] Lavareda [cientista político] tinha me dito isso. Fui ao Bolsonaro e ele disse: ‘Ciro, nem f***’. Ele teria ganhado a eleição. Se você falasse isso pro Lula, ele tomava 25 vacinas em cada braço.
Valor: O senhor vê uma via alternativa a eles em 2026?
Nogueira: Se o Tarcísio for candidato, só ficam fora da chapa o PT, PCdoB, PDT e PSB. Só. A candidatura dele racha o MDB e, acredito, leva o PSDB para a composição. Meu grande trabalho hoje é juntar esse grupo. Se for bem costurado, se as ambições pessoais forem deixadas de lado, este grupo estará unido e leva a próxima eleição. Depois, me cobrem.
Valor: O Tarcísio fica no Republicanos ou vai para o PSD?
Nogueira: Kassab quer, mais que tudo, o governo de São Paulo. Pensa nisso de manhã, de tarde e de noite.
Valor: Lula irá à reeleição?
Nogueira: Se ele chegar forte para vencer, vai. Mas ele não vai se arriscar. Lula já correu um risco gigantesco em 2022. Se tivesse perdido, seria mais lembrado pela derrota do que pelos dois bons governos que fez.
Valor: E se Lula não concorrer?
Nogueira: Aí é o grande problema do governo Lula. Porque o sucessor natural seria Haddad, se tiver sucesso na política econômica. E por conta disso, tem oito ministros do governo querendo derrubar o Haddad, trabalhando para ele não ser bem sucedido. Haddad é um cara inteligente e bem intencionado, mas não entende de economia. Assim como FHC não entendia quando virou ministro da Fazenda. Mas naquela situação, todos trabalhavam a favor do ministro. Agora, jogam contra, porque tem oito ex-governadores e mais alguns aí que querem ser o sucessor de Lula. Passam o tempo todo falando mal um do outro.
Valor: Como está o clima para votação dos indicados do BC?
Nogueira: O Arhur [Lira] gosta do Galípolo, fala muito bem dele. Mas ele começou com o pé esquerdo fazendo aquela visita a uma feira do MST. Uma sinalização ruim para quem vai lidar com a política monetária, que deve ser o próximo presidente do Banco Central, pelo que falam. Foi uma bola fora, mas não vou votar contra ele por causa disso.
Valor: E a possível indicação de Zanin ao STF?
Nogueira: O presidente Lula tem o direito de indicar qualquer nome que queira, se cumprir todos os requisitos. É um direito do presidente escolher.