Bolsonaro enfrenta processos no mundo todo

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: WILTON JUNIOR

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi alvo, nesta quarta-feira, 3, de uma operação da Polícia Federal que apura fraudes em certificados de vacinação contra a covid-19 no sistema do Ministério da Saúde.

De acordo com a investigação, os certificados de vacinação de Bolsonaro e da filha dele, Laura, de 12 anos, foram adulterados às vésperas da viagem da família aos EUA em dezembro do ano passado.

Para especialistas ouvidos pelo Estadão, o ex-presidente pode ser responsabilizado em três frentes: na Justiça brasileira, na dos EUA e no Tribunal Penal Internacional, jurisdição que já reúne denúncias contra Bolsonaro.

A operação Venire foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do inquérito das milícias digitais, que embasou a ofensiva da PF.

A operação se debruça sobre a possibilidade de cometimento dos crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores – cujas condenações podem chegar a 21 anos de prisão. De acordo com o criminalista Renato Stanziola Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), contudo, o rol de crimes pode ser mais estreito.

Entre os suspostos atos ilícitos sob a mira da PF, o de inserção de dados falsos em sistema de informações, cuja pena, em caso de condenação, é de dois a 12 anos de prisão, é um crime que tem como autor “o funcionário autorizado”. A responsabilização de Bolsonaro e de quem pode ter lhe auxiliado “pode se dar a título de participação”, avalia o criminalista. Com isso, uma eventual condenação teria uma pena mais baixa.

Vieira aponta ainda a possibilidade do crime de corrupção de menores, caso se comprove a falsificação do cartão de vacinação da filha mais nova do presidente, Laura Bolsonaro. “Este crime depende de a pessoa menor de 14 anos ser induzida por uma terceira pessoa a satisfazer a lascívia de terceiro, e não parece ser essa a situação.”

Se a Justiça americana entender que, por permanecer no país com um certificado de vacinação falso, Jair Bolsonaro cometeu algum crime, poderá abrir uma investigação em seu próprio território. Diferentemente do Brasil, os EUA utilizam um sistema legal chamado de commom law, baseado em precedentes dos seus tribunais. As leis têm uma margem ampla de interpretação, o que permite, por exemplo, que entes federados tratem a mesma situação de forma antagônica.

Bolsonaro pode ser investigado nos Estados Unidos. Porém, se vier a se tornar réu e sofrer alguma condenação, não será extraditado para cumprir pena no exterior. “O Brasil, como vários outros países, não extradita nacionais”, afirmou Rabih Nasser, professor de Direito Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo.

Certificado de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro foi emitido pelo aplicativo ConecteSUS

“Isso não impede que solicitações de autoridades de um país sejam cumpridas em outro, porque há um sistema de cooperação jurídica internacional que permite essa colaboração”, afirmou Nasser. Brasil e Estados Unidos estão sujeitos a um Regulamento Sanitário Internacional firmado em 2005, obrigatório a todos os membros da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O regulamento prevê, dentre outras obrigações, que os países tenham um “certificado internacional de vacinação”, que reconhece apenas imunizantes certificados pela OMS. O documento é diferente da carteira nacional de vacinação, que só tem validade dentro do Brasil.

Em um dos relatórios divulgados pela Polícia Federal na tarde desta quarta há a anotação de que Bolsonaro se vacinou com três doses do imunizante contra a covid-19, uma da Janssen e duas da Pfizer, o que consta no seu registro perante o ConecteSUS (aplicativo do Ministério da Saúde). Moraes determinou a oitiva dos profissionais de saúde que teriam aplicado as vacinas.

As investigações ainda não revelaram se houve falsificação de algum documento internacional. O relatório da PF abrange apenas a carteira nacional de imunização do ex-presidente.

Para a professora de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso há ainda uma terceira via de possível responsabilização de Bolsonaro: o Tribunal Penal Internacional. “Essas denúncias engrossam as investigações contra ele, e o deixam mais próximo de um mandado de prisão.”

Bolsonaro acumula algumas acusações no Tribunal Penal Internacional. Dentre elas estão os supostos crimes apontados pelo relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Maristela estima que, em média, a Corte demora de dois a cinco anos para deliberar sobre uma denúncia, mas que, dependendo da gravidade do caso e da pressão política, esse prazo pode ser encurtado. “Ainda nesse ano de 2023, o tribunal pode surpreender com algumas medidas que deixam claro que ele está trabalhando, e que a situação de Bolsonaro não é nada confortável”, disse.

Bolsonaro negou que tenha feito qualquer fraude no documento como constou, de acordo com a PF, no sistema do Ministério da Saúde. Na saída de sua casa em Brasília, onde a PF apreendeu seu telefone celular, o ex-presidente afirmou que a operação policial teve como objetivo “criar um fato”.

Em comunicado, os advogados do ex-presidente afirmaram que Bolsonaro “nunca recebeu qualquer imunizante contra covid”. “Na constância de seu mandato, somente ingressou em países estrangeiros que aceitassem tal condição ou se dessem por satisfeitos com a realização de teste viral”. Segundo eles, Michelle Bolsonaro se vacinou, mas Laura, não, em razão de “comorbidades”.

Bolsonaro é oficialmente réu em apenas duas ações criminais, ambas no Supremo. As duas se referem ao episódio em que Bolsonaro, antes de assumir a Presidência, afirmou à deputada Maria do Rosário (PT-RS) que não a estupraria “porque ela não merece”.

No STF há seis inquéritos que têm Bolsonaro como alvo. A ordem de busca e apreensão cumprida nesta quarta teve origem no inquérito das “milícias digitais”, que apura a existência de uma suposta rede de militância virtual para favorecer o ex-presidente.

Na Justiça Eleitoral Bolsonaro responde a 21 ações de investigação judicial eleitoral – 17 relacionadas às eleições de 2022. A Procuradoria Eleitoral, braço do Ministério Público, opinou pela decretação da inelegibilidade do ex-presidente, penalidade máxima que o Tribunal Superior Eleitoral pode aplicar.

O caso da “Wal do Açaí”, suposta funcionária fantasma da época em que ainda era deputado federal, hoje é uma ação de improbidade administrativa em trâmite na Justiça Federal do Distrito Federal. Na Justiça estadual, Bolsonaro responde a uma ação civil pública pelo suposto uso de imagens de menores de 18 anos em propagandas.

Estadão